VIE 19 DE ABRIL DE 2024 - 03:26hs.
Jogos de Fortuna

OAB/RJ reuniu especialistas e discutiu benefícios da regulamentação

Com participação personalidades de renome, a Ordem dos Advogados do Brasil-RJ realizou seminário sobre a discussão do setor de jogos e o entendimento de todos é de que “o Brasil está deixando de arrecadar R$ 17 bilhões em impostos e mais R$ 10 bilhões em licenças”, além de estar atrasado em relação a outras legislações de países modernos e cometer ilegalidade ao proibir a atividade. Veja um resumo e vídeos das principais discussões que aconteceram ontem.

O seminário “Jogos de Fortuna à Luz da Constituição”, que anteriormente abordaria apenas as loterias estaduais, contou na sua abertura com a participação do advogado Trajano Ricardo Monteiro Ribeiro, Daniel Homem de Carvalho (ex-presidente da Loterj) e Luiz Carlos Prestes Filho, autor do livro “Teoria das Probabilidades – no Jogo, na Ciência e nas Políticas Públicas” lançado no evento. O encontro foi mediado por Paulo Horn, membro da CDCON-OAB/RJ.

Na primeira parte o painel recebeu o título de “O entulho autoritário em face da nova ordem constitucional”, quando os convidados fizeram uma análise bem detalhada das questões políticas que envolvem o tema.

“Todo brasileiro nasce, cresce e convive com a questão do jogo e inexplicavelmente o Brasil vivea situação em que o jogo ilegal existe e é praticado intensamente e não se legalizam as atividades que criam empregos”, iniciou Trajano Ribeiro, ao apontar as contradições que marcam o país.

Ex-presidente da Riotur, empresa de turismo do Rio de Janeiro, ele aponta Las Vegas como um lobby contra o jogo no Brasil, apontando que no momento em que a meca dos cassinos via especialmente o Rio de Janeiro, com todo seu apelo turístico muito mais atraente do que um deserto no meio do nada.

“Podem falar que é teoria da conspiração, mas é bem factível. Fomos vítimas desse processo”, analisou no início dos trabalhos do seminário. Ele criticou a Constituição de 1988, que definiu a União como a detentora do monopólio do jogo no Brasil, que não permitiu a atividade e ainda fortaleceu a clandestinidade. “É um drama terrível conviver com o jogo clandestino e ouvir falarem que não pode ser regulamentado porque pode provocar o vício. Se fosse assim, tropeçaríamos em bêbados em todos os lugares, pois a bebida é legal”, comparou.
 


Daniel Homem de Carvalho, conselheiro da OAB e ex-presidente da Loterj, provocou os presentes a pensar na palavra “azar”, que tem uma conotação pejorativa e não a significação clara do termo, que diz mais respeito a um fato aleatório “e não a ausência de sorte, como vem sendo proclamada de maneira hipócrita”.

Ele abordou a questão da legalidade do jogo no Brasil ao dizer que o jogo não é proibido a não ser por perseguição política de Jânio Quadros, que direcionou à CEF a exploração das loterias porque não conseguiu apoio financeiro à sua campanha presidencial de um operador privado.

“Devemos oferecer um serviço de qualidade à sociedade, com pay-out adequado e que atraia investimentos sob uma regulamentação adequada e moderna”. Para ele, “o Estado é ruim como prestador de serviço de jogos. Ele deveria oferecer livre concorrência, abrindo a iniciativa para operadores com capacitação de oferecer serviços a todos os interessados e com recursos voltados ao benefício de toda a sociedade”. O ex-dirigente da Loterj afirmou ser um absurdo haver o monopólio federal das loterias e não permitir aos estados explorar modalidades similares.

Prestes Filho, por sua vez, falou do entulho autoritário existente até hoje, que passou pelo Estado Novo, de Getúlio Vargas, pelo período violento contra democratas, no governo Dutra, e pela ditadura dos governos militares instituídos com o golpe de 1964. “O governo Dutra queria, nos anos 40 do século passado, barrar duas ameaças, uma financeira e outra política. A primeira, voltada contra o partido do ex-presidente Getúlio Vargas, que tinha receitas oriundas dos cassinos. E política, no combate ao Partido Comunista Brasileiro. Vejam que absurdo: um governo preocupado com duas questões tão pequenas e mesquinhas”.

Em 1967, a mesma visão acabou fazendo com que a ditadura militar se colocasse para “salvar a integridade da vida social por meio da proibição de jogos que pudessem atentar contra a segurança nacional”. Os leitores do meu livro poderão ver tudo isso de maneira clara”, afirmou.

Após a apresentação inicial, Paulo Horn fez uma análise do tema a partir do conceito de sorte, fortuna e azar. “Temos de dar parabéns ao Senado por ter entendido que deve ser tirado o aspecto pejorativo do termo azar, já que a fortuna tem até uma deusa e em Portugal adotaram o termo jogos de sorte para atrair clientes, como uma jogada de marketing para mostrar que as pessoas se divertem e ainda podem ter a sorte de ganhar prêmios”.

Falou ainda do monopólio, “visto de maneira errônea pelo Estado brasileiro, que ao ter constitucionalmente a função privativa de legislar sobre jogos, resolveu ele próprio a ser o monopolista, ao não permitir outros players e nem abrir o setor”. Ele vê como uma barbaridade a competência privativa de legislar tornar o governo federal o operador único do setor de jogos.

“O governo tem o direito privativo sobre água e transportes e nem por isso vai tratar água no Rio de Janeiro nem passar a operar linhas de ônibus”, afirmou. “Não podemos dizer, por exemplo, que o jogo não pode ser legalizado por não termos condições de fiscalizar. Essa é uma visão muito pequena do Ministério Público, que tem a visão de um cachorro vira-lata que não traz nenhuma contribuição para o país”, disse.
 


Na segunda parte, o foco foi o “Panorama do jogo legal x ilegal e mecanismos para evitar o jogo patológico”, que tratou da regulamentação do jogo, que foi mediado por Vânia Aieta, presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB/RJ, e contou com Sérgio Ricardo de Almeida, presidente da Loterj, Magno José, presidente do Instituto Jogo Legal e Paulo Horn.

“Ninguém pode explicar de maneira clara porque uma loteria estadual como a Loterj, que investe no esporte e em tantas entidades assistenciais tem sido tão atacada e ameaçada de extinção. Só pelas ações sociais, a Loterj deveria ser exaltada e não execrada, pois ela tem um papel importante que não é feito pelo governo federal”, explicou Sérgio Ricardo.

“Muitas crianças serão colocadas nas ruas e sofrerão todas as violências que vemos nas notícias, como serem vítimas de balas perdidas, agentes do tráfico de drogas ou abusadas sexualmente se não estiverem sob atendimento de entidades como as apoiadas pela Loterj”, contou.

Sobre a Lotex, Sérgio Ricardo afirmou que as loterias estaduais passaram a ser atacadas por todos os lados a partir da tentativa de oferecer exclusividade num processo de licitação para um operador, por melhor que seja, em detrimento de estados e suas loterias. “Não podemos entender que os estados não poderão operar suas loterias, até mesmo aqueles que hoje não tem suas empresas ou modalidades lotéricas, como o estado de Tocantins, que nem existia quando foi decretado, em 1967, que só poderiam seguir operando loterias aquelas já existentes”.

Ele indaga: “como a SEAE – Secretaria de Acompanhamento Econômico – do Ministério da Fazenda, que tem obrigação de zelar pela livre concorrência, quer acabar com as loterias estaduais e criar um monopólio com a Lotex e oferece-la para um operador internacional? Isso vai contra sua própria razão de existir”, atestou, destacando que poucas empresas no mundo terão condições de assumir a Lotex, pois as exigências afastam muitos possíveis interessados.

Magno José, do IJL, disse que a regulamentação do jogo, há quatro anos, era um assunto proibido no Brasil, mas que com muito trabalho e dedicação, chegou-se ao momento atual, em que novos modelos de tentativa estão chegando a um denominador comum, que poderá derrubar para sempre o tabu sobre o jogo, “pois é uma indústria que gera muitos empregos e impostos”.

Segundo ele, “temos uma das mais atrasadas legislações sobre jogos em todo o mundo. O setor movimenta muito dinheiro, tanto na legalidade quanto na clandestinidade. Hoje, a cada real apostado no jogo legal, outros 2,5 reais vão para o jogo clandestino. Ou seja, o jogo não vai começar a partir de sua legalização. Ele já existe e o que se discute, na verdade -  e o que se quer mostrar - é se o Estado vai arrecadar e se o jogo, que hoje já é operado num mercado regulado, vai gerar benefícios para a sociedade”, explicou.

Na sua avaliação, o potencial é de arrecadação de R$ 59 bilhões, que poderia se chegar a uma tributação que alcançaria R$ 17 bilhões por ano. Além disso, segundo ele, seria possível uma arrecadação de mais R$ 10 bilhões apenas para as licenças para as diversas modalidades de jogos em discussão. Sobre patologia, disse que não é um comportamento exclusivo do jogo. “Hoje, 9% da população mundial tem problemas com bebida e nem por isso os bares são fechados, enquanto que no jogo, mundialmente, esse percentual está entre 1% e 3%, ou seja, muito menor do que o vício em álcool”, comparou.
 


Na etapa final, sob título “A indústria da proibição dos jogos de Fortuna x A indústria do Entretenimento”, a mediação foi feita por Paulo Horn, que abriu a palavra para a advogada Marina Macedo Martynychen, da OAB/PR, que falou sobre os projetos em discussão no Congresso Nacional. Segundo ela, os projetos da Câmara e do Senado são um pouco diferentes no que diz respeito ao entendimento das duas Casas sobre a natureza jurídica dos cassinos.

“Os dois projetos delimitam uma questão de política macroeconômica para o país. No Senado, viam o cassino apenas como uma atividade econômica, mas com a atuação do senador Benedito de Lira, passou-se a ver os cassinos como um serviço público. Na Câmara, o cassino é encarado exclusivamente como uma atividade econômica. O cassino não pode ser visto como um serviço público, pois não atenderá aos requisitos constitucionais para isso. Deve ser visto, sim, como uma atividade econômica, claro que com a regulamentação e fiscalização do Estado”, explicou.

O professor da FGV Pedro Trengrouse, certificado pela Universidade de Nevada-Las Vegas, disse que o debate sobre os jogos ainda é muito superficial e que falta também uma discussão acadêmica para mostrar com consistência o setor como um todo. “Devemos refletir que precisamos melhorar a operação das loterias da CEF, assim como da Loterj e de outras congêneres. Temos um mercado de jogos no Brasil, mas mal explorado, que poderia crescer muito. “Além disso, é preciso entender as modalidades e se definir onde e como diferentes tipos de ofertas de jogo serão permitidas. “Na prática, quem é contra o jogo legal é a favor do jogo ilegal”, afirmou.

O advogado Roberto Carvalho Fernandes, da Able, apresentou o conceito de loterias, dizendo: “Loteria não é jogo, loteria é uma instituição pública que administra a exploração de concursos de prognósticos e demais sorteios no seu território, tendo sempre como paradigma os produtos legalizados por lei federal. A loteria se distingue da tipologia de ‘jogo de azar’, pois não se pressupõe um adversário, pois a compra de um concurso dá a alguns o ganho de um prêmio e à sociedade os benefícios gerados pela aplicação de recursos arrecadados. Nos produtos ofertados pelas Loterias não há a bilateralidade necessária e que caracteriza o ‘jogo de azar’. Na Loteria o cidadão sempre ganha; já num cassino há sempre o interesse privado”.

Durante sua fala, o representante da Able também defendeu que a União não detém monopólio da exploração de produtos de loteria, por que tal condição não está prevista na Constituição Federal, artigo 177 ou 21.

Por fim, o professor e advogado Martinho Neves Miranda disse ser “uma ilegalidade a proibição da atividade de jogos. Embora a proibição esteja presente no Brasil desde 1941, é impossível de se controlar, por exemplo, quem participa de apostas, tanto em locais públicos quanto pela internet”, sentenciou, lembrando ainda que a proibição, como colocada, atenta contra as liberdades individuais e que o monopólio constante na Constituição da exclusividade de exploração apenas de matrizes energéticas, como gás, petróleo, minerais nucleares etc e isso não poderia ser levado para as loterias ou mesmo de outras modalidades de jogos.

Fonte: GMB