VIE 29 DE MARZO DE 2024 - 07:02hs.
Gustavo Henrique Almeida do Nascimento, advogado no escritório Lewandowski Libertuci

O enquadramento do pôquer como modalidade desportiva

O advogado Gustavo Henrique Almeida do Nascimento define a real característica do pôquer como um esporte da mente, reconhecido internacionalmente dessa forma. Em artigo publicado na Revista Consultor Jurídico, o advogado fala da popularidade deste jogo de habilidade e da desinformação sobre a modalidade, muitas vezes vista como jogo de azar. Segundo ele, novas modalidades esportivas vêm surgindo e “o pôquer é a manifestação de um desses fenômenos e, como tal, possui demandas e peculiaridades próprias que devem ser estudadas”.

O pôquer é um jogo de cartas cuja popularidade certamente tem crescido no Brasil nos últimos anos. Muito embora os praticantes dessa atividade já o entendam como uma modalidade desportiva, existe certo desconhecimento e, até mesmo, preconceito por parte da população.

Muito embora não se trate de tema novo, demonstra-se relevante trazer esse assunto aos holofotes. O combate à desinformação deve ser presente e contínuo em qualquer esfera.

Para uma análise adequada do enquadramento do pôquer como modalidade desportiva é de suma importância, previamente, conceituar o esporte. Essa missão não é das mais simples, uma vez que a Lei 9.615/1998, atual Lei Geral do Desporto, não realiza uma definição daquilo que é esporte.

Diferentemente do que alguns podem pensar, o esporte possui elementos relevantes que o caracterizam, não podendo ser entendido como sinônimo da prática de exercício físico. Rafael Fachada, em sua tese de mestrado, elenca alguns deles, entre os quais destacam-se atividade física, atividade competitiva e prática organizada (regras do jogo).

Também se demonstra importante comentar que atividade física e exercício físico não são terminologias que carregam o mesmo significado. A atividade física se refere a todo e qualquer movimento realizado pelo corpo, enquanto o exercício físico, por outro lado, é uma atividade estruturada que objetiva melhorar a aptidão física em algum nível. Assim, entende-se que a atividade física é gênero do qual o exercício físico configura espécie.

Ricardo Miguel, ao comentar que o elemento caracterizador do esporte não é o exercício físico, mas, sim, a atividade física, exemplifica que o simples mover de um dedo poderia ser considerado atividade física [2]. Nesse sentido, muitas atividades que, em princípio, não demandam grande esforço físico por parte de seus participantes, já são consideradas esportes, entre elas encontram-se o xadrez e, mais recentemente, os e-sports.

Em algumas ocasiões também se encontra quem argumente que o pôquer não pode ser configurado como esporte, pois ele consiste em induzir o adversário ao erro. Entretanto, o que se identifica é um controle da própria expressão e linguagem corporal, bem como uma leitura precisa dessas mesmas características em face do jogador adversário. Não se trata de uma trapaça ou de uma simulação, mas, sim, de um elemento que compõe a própria natureza do jogo e permitidas pelas regras. Condenar este tipo de prática seria tão absurdo quanto dizer que boxe, taekwondo e judô também não poderiam ser considerados modalidades esportivas em razão da prática de agressão.

Ainda tratando sobre os aspectos conceituais do pôquer, demonstra-se relevante comentar que a exploração do jogo de azar é proibida pelo artigo 50 da Lei das Contravenções Penais. Entende-se como jogo de azar, de acordo com a própria redação da lei, o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte. Nesse sentido, o pôquer não se enquadra como jogo de azar, pois a recepção das cartas, apesar de relevante, não é o fator determinante da vitória. O jogador precisa desenvolver diversas habilidades de leitura de jogo, linguagem corporal e imposição para vencer, e esses elementos demonstram-se mais relevantes que a sorte, tornando o pôquer um jogo de cartas diferenciado. Ademais, não são raras as jurisprudências que manifestam o entendimento de que o jogo de pôquer não é um jogo de azar, mas, sim, de habilidade.

Há anos a Associação Internacional de Esportes da Mente (IMSA) reconhece o pôquer como modalidade desportiva. O pôquer enquanto esporte já possui uma organização relativamente consolidada com entidade de administração internacional, confederação nacional e federações regionais. Conforme exposto anteriormente, o reconhecimento do pôquer como modalidade desportiva não é exatamente uma novidade. Essa afirmação ganha força em virtude do Brazilian Series of Poker (BSOP) ser um campeonato realizado desde 2006.

Em suma, o Direito Desportivo enquanto área autônoma é uma ciência relativamente recente em comparação a outros ramos do Direito, todavia nos últimos anos ele enfrenta o desafio de se adequar às novas modalidades esportivas que vêm surgindo, bem como as suas particularidades de organização. O pôquer é a manifestação de um desses fenômenos e, como tal, possui demandas e peculiaridades próprias que devem ser estudadas.

Gustavo Henrique Almeida do Nascimento
Advogado do escritório Lewandowski Libertuci Advogados.

Fonte: Revista Consultor Jurídico