JUE 25 DE ABRIL DE 2024 - 04:59hs.
Artigo da Folha de São Paulo

Liberação de apostas esportivas no Brasil abre desafio para o governo

Após a liberação de apostas esportivas no Brasil, o governo federal passa a ter novos desafios, como cuidar da integridade do esporte e criar uma política de proteção aos vulneráveis a distúrbios relacionados às apostas. Para o advogado Pedro Trengrouse, detecção da manipulação de resultados deve ser prioridade: 'A regulamentação deve prever mecanismos de detecção e prevenção, incluindo centralização de dados para monitoramento permanente dos padrões das apostas'.

Apesar da proibição que vigorava no país, cerca de 500 sites baseados no exterior já recebem apostas de brasileiros, e as maiores casas de apostas da Europa têm páginas em português. Após a regulação, elas poderão conseguir autorização para explorar legalmente o jogo no Brasil.

"A regulamentação das apostas esportivas aqui precisa ser inteligente e eficiente, protegendo a integridade do esporte, dando segurança aos apostadores e criando uma rede de proteção às pessoas vulneráveis", diz o advogado Pedro Trengrouse, responsável pela proposta sobre o tema que foi aprovada no Congresso Nacional.

A partir de agora, o Ministério da Fazenda terá que definir os detalhes da exploração do jogo. O prazo para que isso ocorra é de dois anos, mas deve ser concluído em 2019. 

Segundo Trengrouse, professor da FGV e especialista em regulação do jogo pela Universidade de Nevada, nos EUA, a integridade do esporte no país precisa ser monitorada por um órgão independente para evitar a manipulação de resultado. Países da Europa, como França e Espanha, têm seus órgãos estatais de fiscalização do mercado.

O Brasil já é alvo das máfias internacionais de apostas. Em 2016, a Polícia Civil de São Paulo prendeu nove suspeitos de terem participado de um esquema de manipulação de resultados nas Séries A2 e A3 do Campeonato Paulista, além de divisões inferiores do Norte e do Nordeste.

O grupo beneficiaria criminosos em bolsas de apostas da Ásia. Líder da quadrilha no país, Anderson Rodrigues disse que agia sob orientação de apostadores da China, da Malásia e da Indonésia.

O caso mais famoso de manipulação de resultado no futebol brasileiro foi em 2005, quando 11 jogos do Campeonato Brasileiro apitados por Edilson Pereira de Carvalho foram anulados após a revelação do escândalo de arbitragem que ficou conhecido como "máfia do apito".

O ex-árbitro confessou ter participado de um esquema de manipulação de resultados do torneio para favorecer apostadores na internet.

Por receberem salários baixos, jogadores de clubes pequenos são mais vulneráveis ao assédio dos criminosos.

"A regulamentação deve prever mecanismos de detecção e prevenção de manipulação de resultados, incluindo centralização de dados para monitoramento permanente dos padrões das apostas", afirma o professor. Os sites oferecem mais de 50 modalidades de apostas, que vão do vencedor do duelo ao número de escanteios que a partida terá.

A Fifa já monitora os padrões das apostas há quase uma década em seus torneios. Desde o ano passado, a CBF começou a fazer o mesmo nas Séries A, B, C e D do Brasileiro.

Para Trengrouse, o órgão responsável pelo monitoramento das apostas terá que receber alertas obrigatórios de operadores sobre apostas incomuns (um grande volume de dinheiro numa aposta improvável) e desenvolver requisitos para impedir que pessoas envolvidas apostem em seus esportes.

Jogadores, treinadores e dirigentes deverão ser proibidos de apostar.

A legislação criminal também deve se aperfeiçoar para contemplar os crimes cometidos pelas máfias, segundo o professor. Em 2005, o árbitro que confessou fraudar resultados para beneficiar apostadores não foi punido por falta de legislação específica.

Governo federal pode arrecadar R$ 1 bilhão por ano com apostas

A regulamentação também ajudaria o governo federal a arrecadar com as apostas. Se não houver nenhuma faixa de isenção, a tributação sobre premiação poderia render cerca de R$ 1 bilhão, considerando o movimento atual desse mercado no Brasil.

Para operar legalmente no país, as grandes casas também pagariam ao governo para ter a licença. O valor não seria muito alto, sob risco de não atrair as grandes do mercado, que hoje já operam livremente no país, mesmo sem uma licença nacional.

Atualmente, os clubes lucram com patrocínios. Na primeira divisão do futebol inglês, a maioria dos times estampa marcas de grandes casas em seus uniformes.

Com a queda de arrecadação das TVs, os principais financiadores do esporte, os grandes clubes da Europa e as quatro maiores ligas dos EUA (basquete, futebol americano, hóquei e beisebol) reivindicam participação no percentual do faturamento das casas de apostas.

Na última Copa do Mundo, disputada no meio do ano na Rússia, o mercado movimentou cerca de 135 milhões de euros (R$ 600 milhões).

"Da mesma maneira que nos anos 1970 os clubes cobraram das TVs para transmitir os seus jogos, agora é a hora da queda de braço com as empresas de apostas", disse o professor. "Ou eles defendem essa causa ou ninguém fará."

Fonte: GMB / Folha de São Paulo