Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, entendeu que a União Federal não detém o monopólio sobre a exploração das loterias (podendo, portanto, as loterias federais e estaduais coexistirem sem conflito).
O voto do Ministro Relator, Gilmar Mendes, confirma, de forma clara, a natureza jurídica de serviço público da exploração das loterias no Brasil e que os artigos 1° e 32 do Decreto-lei n° 204/1967, “ao estabelecerem a exclusividade da União sobre a prestação dos serviços de loteria, não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, pois colidem frontalmente com o artigo 25, par. 1° da CF/88, ao esvaziarem a competência constitucional subsidiária dos Estados-membros para a prestação de serviços públicos que não foram expressamente reservados pelo texto constitucional à exploração pela União (art. 21 da CF/88).”
Assim, embora a decisão tenha confirmado a competência privativa da União para legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios (incluindo as loterias), conforme estabelecido pelo inciso XX do artigo 22 da CF/88, referida competência não preclui a competência material dos Estados para explorar as atividades lotéricas nem a competência regulamentar dessa exploração.
Referida decisão não representa apenas uma importante vitória para Estados brasileiros (como o do Rio de Janeiro), que vinham explorado suas próprias loterias, mas poderá também ter um impacto positivo na regulamentação das apostas esportivas de quota fixa no Brasil.
Como é do conhecimento da indústria do jogo, a Lei n° 13.756/2018 legalizou as apostas esportivas de quota fixa, rotulando-as como modalidade lotérica. A regulamentação de referida lei federal está sendo aguardada ansiosamente pelo mercado após três rodadas de consulta pública e bastante especulação, tendo o Decreto Presidencial que regulará a lei federal sido prometido pela SECAP para o início de 2021.
Nesse contexto, embora o Governo Federal tenha inicialmente contemplado adotar o modelo da “autorização”, pelo qual um número ilimitado de licenças poderia ser disponibilizado a todos os operadores que cumprissem os requisitos previstos pela lei e seu regulamento para a exploração de referida modalidade lotérica, o Governo Federal deu uma guinada radical na terceira rodada de consulta pública ao mudar para o modelo da “concessão”, pelo qual um número limitado de licenças seria disponibilizado dentro de um processo licitatório.
Enquanto o Governo Federal parece querer manter o modelo da “concessão”, a recente decisão do STF pode ter proporcionado um furo e uma oportunidade inesperada para Estados brasileiros também explorarem as apostas esportivas de quota fixa sob suas próprias regras. Assim poderá a decisão do STF ter potencialmente prejudicado o trabalho que está sendo desenvolvido pela SECAP (que tem encabeçado o exercício de elaboração da regulamentação federal) e aberto uma caixa de Pandora?
Acredito que tenhamos que esperar para ver o que acontecerá. Convido aos colegas constitucionalistas a comentarem o acima exposto.
Neil Montgomery
Sócio Fundador e Administrador de Montgomery & Associados
Membro Geral para o Brasil no IMGL – International Masters of Gaming Law