VIE 29 DE MARZO DE 2024 - 06:00hs.
Udo Seckelmann, advogado do escritório Bichara e Motta

Considerações jurídicas sobre a regulamentação das apostas esportivas no Brasil

Udo Seckelmann, advogado do escritório Bichara e Motta Advogados e membro da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD), escreve uma profunda análise do quadro da situação sobre a regulação das apostas esportivas no Brasil. “O governo tem uma enorme responsabilidade para entregar uma regulamentação sólida e baseada nas melhores práticas internacionais que consiga atrair o investimento estrangeiro e gere empregos e arrecadação de impostos pelo Estado”, afirma ele.

Introdução

Após mais de setenta anos de proibição na exploração de jogos de azar em território brasileiro (com exceção do monopólio estatal sobre as loterias e das apostas sobre corridas de cavalos em locais autorizados), a Lei nº 13.756/2018 finalmente legalizou as chamadas “apostas de quota-fixa relativas a eventos reais de temática esportiva” (doravante apenas “apostas esportivas”).

De acordo com tal diploma legal, a atividade econômica das apostas esportivas poderá ser explorada pela iniciativa privada em ambiente concorrencial, o que proporcionará diversos benefícios ao Brasil, tais como atração de investimento estrangeiro, geração de empregos e arrecadação de impostos pelo Estado. No entanto, tais benefícios apenas se materializarão efetivamente se a regulamentação da atividade for feita de maneira eficaz e observando as melhores práticas internacionais.

Para isso, um sistema regulatório sólido deve respeitar os anseios dos principais players da indústria. Nesse tópico, a Secretaria de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria do Ministério da Economia (“SECAP”) – responsável pela elaboração do decreto que regulamentará a atividade – vem adotando uma postura exemplar, realizando até o momento três consultas públicas para ouvir sugestões do setor e da sociedade sobre o tema.

Até a presente data, o decreto não foi publicado e, assim, as apostas esportivas permanecem desregulamentadas no Brasil. Todavia, ao longo dos últimos dois anos a SECAP disponibilizou duas minutas de decreto, sendo a primeira em setembro de 2019 (“Minuta 2019”) e a segunda em fevereiro de 2020 (“Minuta 2020”), o que apresenta um direcionamento – ao menos aparente – de o que podemos esperar da regulamentação.

Em vista disso, o presente trabalho buscará trazer, de maneira breve, algumas considerações sobre a regulamentação das apostas esportivas no Brasil, com base principalmente no disposto na Lei nº 13.756/2018 e nas minutas de decreto disponibilizadas pela SECAP.


Limitação dos Jogos Legalizados

De acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, a aposta esportiva é considerada um jogo de azar. Dentre os inúmeros jogos de azar existentes, apenas as apostas esportivas foram legalizadas pela Lei nº 13.756/2018, o que acaba por desencadear o seguinte questionamento: por que legalizar apenas uma modalidade de jogo de azar e manter as demais na ilegalidade?

O principal objetivo da regulamentação das apostas esportivas é atrair os apostadores brasileiros, que atualmente utilizam operadores não-licenciados, para o mercado legal e regulamentado. Consequentemente, manter os demais jogos de azar proibidos acaba por dar mais força ao mercado ilegal.

Analisemos o seguinte exemplo: suponha que a empresa Sportingbet, após a regulamentação, abra uma filial em território brasileiro, cumpra todas as burocracias, respeite os parâmetros legais impostos e obtenha uma licença para operar. Tendo o Brasil apenas legalizado as apostas esportivas, os produtos que a Sportingbet pode oferecer aos consumidores brasileiros em seu site ficam restritos.

Por outro lado, a empresa Bet365 decidiu não obter uma licença no Brasil. Seu site, naturalmente, permanece ativo e disponível em diversos países – inclusive no Brasil – e, além de apostas esportivas, oferece bingo, roleta, blackjack, cassino, loteria, corridas de cavalo, etc. A margem de lucro canalizada pela venda desses produtos proporcionará à Bet365 o oferecimento de melhores odds nas apostas esportivas se comparada com a Sportingbet. Apesar de os apostadores estarem sempre inclinados a utilizar o mercado licenciado, no final do dia a grande maioria buscará as melhores odds disponíveis online, acarretando no fortalecimento do mercado ilegal.

A legalização das apostas esportivas é um bom primeiro passo, mas não é o suficiente para o Brasil atingir o potencial da indústria. Existem projetos de lei tramitando no Congresso Nacional que buscam legalizar outros jogos de azar, mas por ora é evidente que a legalização parcial dos jogos de azar acabará prejudicando as empresas que, ao obterem uma licença no Brasil, aceitarão voluntariamente restringir o leque de produtos a serem oferecidos aos consumidores.


Definição de “Apostas Esportivas”

Na mesma esteira, ressalte-se que a regulamentação deve também esclarecer qual espectro de apostas esportivas está legalizado para exploração no Brasil. Pela definição dada pela Lei nº 13.756/2018:

 “Art. 29 – §1º A modalidade lotérica de que trata o caput deste artigo consiste em sistema de apostas relativas a eventos reais de temática esportiva, em que é definido, no momento de efetivação da aposta, quanto o apostador pode ganhar em caso de acerto do prognóstico.”

Tal definição dá margem a diversas interpretações das atividades que se encaixariam nesse perfil ou não. A ausência de uma definição clara certamente trará incerteza ao mercado brasileiro, vez que existem atividades exploradas internacionalmente que são consideradas “apostas esportivas”, mas no Brasil podem não ser.

Por exemplo, o trading esportivo – modalidade exchange ou “bolsa de valores esportiva” – é um produto de enorme relevância na indústria de gambling internacional. Porém, pela definição dada às apostas de quota-fixa pela lei, não está claro se esta modalidade seria abarcada pela regulamentação.

O mesmo ocorre com plataformas como o Football Index – a “bolsa de valores de atletas”, onde os entusiastas compram “ações” dos atletas visando a sua valorização futura para além de um evento esportivo pontual. Por não haver uma definição de “quanto o apostador pode ganhar em caso de acerto do prognóstico” – exatamente por não haver um prognóstico ou um evento esportivo pontual –, não se sabe como o Ministério da Economia enxergará tal atividade.

Do mesmo modo, a EA Sports, produtora da franquia FIFA, tem sofrido nos últimos anos com as micro-transações efetuadas dentro da modalidade Ultimate Team do game. As chamadas loot boxes, pacotes de atletas que podem ser comprados mediante prestação financeira real dos gamers – nos quais prevalece a aleatoriedade e incerteza dos atletas adquiridos, tal como uma slot machine –, têm sido consideradas jogos de azar e sofrido duras críticas na indústria de gambling, principalmente por serem oferecidas a menores de idade. Por esta razão, a EA Sports responde processos em países como Estados Unidos, França e Bélgica – tendo este último bloqueado a venda de tal produto em seu território. No Brasil, a funcionalidade permanece liberada, inclusive para menores de idade.

Ante o exposto, uma definição clara das apostas esportivas legalizadas é imprescindível para o correto funcionamento da indústria brasileira.


Tributação Excessiva

Esse talvez seja o ponto mais debatido pelos stakeholders da indústria de apostas. A tributação da atividade, se positivada de maneira incorreta, acabará por não atingir o objetivo da regulamentação, que é atrair os players para o mercado legal. É cediço que o principal interesse da legalização é a arrecadação de receitas fiscais pelo Estado, o qual está ciente de que as apostas esportivas já são uma indústria existente e estabelecida no Brasil.

Em suma, a tributação deve acomodar três partes principais: Estado, operadores de apostas e apostadores. Se uma delas for excessivamente onerada, o sistema todo implode. Assim, uma alta tributação sobre a atividade afastará (i) operadores de apostas em obterem licenças e se estabelecerem no Brasil e (ii) apostadores de utilizarem empresas licenciadas em território brasileiro.


a) Tributação sobre o Operador

Para entender a tributação do operador de apostas, é preciso diferenciar a tributação sobre o turnover e sobre o GGR (Gross Gaming Revenue). O turnover é a arrecadação total do operador, ou seja, a soma de todas as apostas efetuadas pelos consumidores, independentemente do resultado final do prognóstico. O GGR, por sua vez, é o lucro bruto do operador, i.e. a arrecadação total do operador deduzido os prêmios distribuídos aos apostadores que obtiveram resultados favoráveis em suas apostas.

As melhores práticas internacionais (tais como Reino Unido, Espanha, Dinamarca, etc.) mostram que a tributação sobre o GGR é a mais favorável para o desenvolvimento da indústria de gambling. Entretanto, a regulamentação no Brasil estava caminhando para uma tributação sobre o turnover, se inspirando em muito no modelo de Portugal – considerado pela indústria internacional como uma regulamentação que fracassou em seus objetivos, visto que mais de metade dos apostadores portugueses continuaram utilizando o mercado ilegal não-licenciado.

Após as consultas públicas e as fortes críticas sobre a tributação adotada, o deputado federal Evandro Roman enviou minuta de emenda aditiva à Lei nº 13.756/2018 para que a base de cálculo para tributação exclua os prêmios pagos aos apostadores, adotando, assim, a tributação sobre o GGR. Tal atitude deve ser enaltecida, pois mostra que o Congresso está aberto para debates e acatando os anseios dos players da indústria.


b) Tributação sobre o Apostador

A Lei nº 13.756/2018, em seu artigo 31, dispõe que sobre os ganhos a partir de R$1.903,99 obtidos com prêmios pelos apostadores incidirá imposto de renda na razão de 30% (trinta por cento), mediante desconto na fonte pagadora, ou seja, da mesma forma que são tributados os prêmios das loterias.

Um dos aspectos mais criticados da lei pelos apostadores é a equiparação das apostas esportivas à loteria convencional. Isso porque, enquanto na loteria convencional as odds (i.e. a probabilidade de um evento acontecer) são fixas e imutáveis – baseado pura e simplesmente na sorte –, as odds nas apostas esportivas são variáveis, definidas por humanos (os chamados oddmakers) que se baseiam em estatísticas e em fatores circunstanciais que rodeiam o evento específico para definir seu preço.

Desse modo, o apostador profissional, ao contrário do apostador recreativo, estuda profundamente as probabilidades para aquele evento esportivo ocorrer e a precificação conferida pelos oddmakers, de modo a possibilitá-lo auferir consideráveis valores no longo prazo.

Todavia, o “perde e ganha” constante, inerente à profissão do apostador esportivo, é um fator que não foi levado em conta quando equiparou-se a atividade a uma loteria convencional. Considerando que na precificação de uma odd oferecida por um operador já estão incluídos os custos, despesas e tributos a serem suportados pela empresa – isto é, o operador indiretamente repassa tais encargos ao apostador-, a tributação também sobre os prêmios do apostador seria considerada um ônus muito alto para ser suportado pelos mesmos.

Assim, se em um mesmo dia um apostador esportivo recebe R$5 mil por acertar um prognóstico e perde R$10 mil por errar outro prognóstico, este será tributado na fonte pelos R$5 mil mesmo tendo prejuízo. Isso sem considerar os encargos já suportados pelo apostador ao comprar as odds, como descrito acima. Tributar as apostas esportivas “nas duas pontas” é considerado uma medida excessiva, capaz de afastar muitos do mercado legal.

O pleito dos apostadores, então, é serem equiparados a outras classes de investidores, de forma a declararem periodicamente seus ganhos e prejuízos no imposto de renda, mas sendo tributados apenas por seus lucros efetivos.


Sistema de Licenciamento

Como abordado no artigo “All-in para o Brasil: Como Regulamentar um Multibilionário Mercado de Apostas Esportivas”, qualquer país que deseja regulamentar as apostas esportivas deve definir o sistema de licenciamento a ser adotado visando o melhor controle da atividade pelas autoridades públicas. A abordagem jurídica seria criminalizar as estruturas de jogos de azar, mas estabelecer exceções para operadores que obtenham uma licença e respeitem os requerimentos exigidos pela entidade emissora.

Apesar de na primeira Minuta 2019 a SECAP ter incluído a previsão de um regime de autorização, a Minuta 2020 alterou integralmente o referido capítulo para adotar um regime de concessão para a outorga da exploração do serviço. De acordo com a Procuradoria Geral da Fazenda Pública (PGFN), apenas o modelo de concessão seria capaz de prever penalidades em caso de improbidades cometidas pelos operadores licenciados.

Ao anunciar a Minuta 2020, a SECAP declarou que seriam outorgadas apenas 30 (trinta) licenças para operadores mediante processo licitatório na modalidade concorrência, o que tem levantado inúmeros questionamentos entre os stakeholders, principalmente por ser um número bem inferior em comparação com os mercados estrangeiros mais maduros.

Diante disso, questiona-se se a limitação no número de operadores atuando no mercado brasileiro não seria prejudicial, eis que restringiria a competitividade. A alta concorrência gerada por um mercado onde inúmeras empresas oferecem os mesmos tipos de produtos tende a melhorar os serviços prestados e reduzir os preços ofertados aos consumidores. A contrario sensu, se há um oligopólio na exploração desta atividade capaz de influenciar nos preços oferecidos no mercado, o maior prejudicado será o consumidor final (apostador). Nesse diapasão, há de se vislumbrar que a limitação das licenças beneficiará as maiores empresas do mercado de apostas, o que fatalmente desestimulará o empreendedorismo nacional no ramo.


Reserva Financeira Própria

Enquanto na Minuta 2019 era previsto que o operador da modalidade lotérica das apostas de quota fixa deveria constituir reserva financeira própria no montante de R$6 milhões, de modo a garantir o pagamento de prêmios e evitar o “calote” aos apostadores, a Minuta 2020 optou por não fixar qualquer valor, devendo o mesmo ser estabelecido no contrato de concessão específico do operador.

No que tange a reserva financeira, existem duas premissas principais a serem adotadas: (i) não pode ser um valor excessivo a ponto de restringir a concorrência no processo licitatório, conforme discorrido no tópico anterior, e (ii) deve ser o suficiente para garantir os prêmios aos apostadores. O estímulo à participação de pequenos e médios operadores é salutar tanto no sentido econômico quanto social, viabilizando o alcance a regiões brasileiras desinteressantes operacionalmente para os grandes operadores do mercado.


Monitoramento e Integridade Esportiva

Visando a proteção à economia popular e à integridade do esporte, a Minuta 2020 estabelece que os operadores de apostas esportivas deverão manter um provedor independente e idôneo de monitoramento que preencha os requisitos estabelecidos pelo Ministério da Economia (cf. art. 12). O objetivo deste requerimento é identificar atividades suspeitas que possam indicar manipulação de resultados, informações privilegiadas ou qualquer atividade ilegal.

Tal dispositivo é de extrema importância para o correto funcionamento do sistema desportivo, principalmente por estabelecer o intercâmbio de informações e dados entre operadores, empresas de monitoramento, autoridades policiais, Ministério Público, Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) e outras (cf. arts. 10, §1º, e 22, §1º, da Minuta 2020).

Sem prejuízo das previsões do decreto, os demais players do mercado esportivo (como federações e associações nacionais) devem cooperar entre si para fortalecer o combate à manipulação de resultados, principalmente mediante o intercâmbio de informações e contratação de empresas que prestem serviços de integridade e monitoramento, tais como BetGenius e Sportsradar.

A integridade esportiva é o pilar que mantém todo o sistema de apostas vivo. Deste modo, serviços de integridade, programas de compliance, monitoramento de mercado e criação de canais de denúncia não podem ser vistos como despesa, mas como investimento das próprias entidades desportivas.


Publicidade dos Operadores e Parcerias com Clubes de Futebol

A Minuta 2020 dispõe sobre a publicidade das apostas esportivas (cf. art. 20). Qualquer tipo de divulgação da atividade deve se pautar em responsabilidade social e promoção da conscientização do jogo responsável, visando sempre a proteção da economia popular, a segurança coletiva e o combate às apostas ilegais.

Desse modo, o decreto deve ser claro nas restrições e penalidades em casos de publicidade e divulgação de marca que não sigam os parâmetros legais, e é nesse ponto que devemos nos atentar no que tange os recentes movimentos do mercado desportivo nacional.

A partir de 2019, houve uma visível crescente na celebração de parcerias das mais variadas entre clubes de futebol e empresas de apostas esportivas, as quais são inegavelmente uma ótima fonte de receitas recorrentes às entidades desportivas. Empresas de apostas investem milhões nos clubes em troca de um instrumento eficiente para atingir seu público-alvo.

Apesar de ser um movimento natural decorrente da legalização da atividade pela Lei nº 13.756/2018, os clubes brasileiros devem ter cautela com as parcerias concretizadas. Isso por conta da redação dada pela Minuta 2020 em seu artigo 20, §3º, in verbis:

 “Art. 20 – §3º Fica vedada qualquer forma de publicidade ou divulgação da modalidade lotérica apostas de quota fixa por qualquer pessoa, natural ou jurídica, salvo quando autorizados pelo operador.”

 (Grifou-se)

De acordo com o artigo 2º da Minuta 2020, operador é toda “pessoa jurídica ou consórcio de empresas a que foi atribuída a outorga para exploração (operação) da modalidade lotérica apostas de quota fixa, que envolve tanto a exploração direta quanto a intermediação, neste caso, exclusivamente em meio eletrônico, de apostas entre terceiros.” (Grifou-se)

Em outras palavras, após a regulamentação ficariam vedadas não apenas a exploração comercial das apostas esportivas por empresas que não possuam licença outorgada pelo Ministério da Economia, mas também quaisquer publicidades ou divulgação de apostas por tais empresas.

Nesse sentido, considerando que existem atualmente centenas de empresas de apostas operando no “mercado cinza brasileiro” e que o Ministério da Economia cogita outorgar apenas 30 (trinta) licenças, as parcerias entre clubes e empresas de apostas que não consigam obter uma licença seriam drasticamente afetadas, visto que tais parcerias são essencialmente pautadas (i) na comercialização de apostas pela empresa e/ou (ii) na publicidade da marca da empresa por meio de patrocínios – sendo ambas vedadas pela Minuta 2020.

Portanto, caso o decreto venha a ser sancionado nos termos da Minuta 2020, qualquer proposta de parceria entre clube e operador de apostas deve ser minuciosamente analisada no que tange sua segurança e viabilidade jurídica, visando prevenir negócios prejudiciais às partes contratantes.


Perspectivas de Receitas e a Taxa de Canalização

Recorrentemente é divulgado na imprensa o potencial do mercado brasileiro de apostas esportivas e, em última instância, as cifras milionárias que os operadores podem investir nos clubes – tanto em parcerias privadas quanto em “image tax” (art. 30, I, ‘e’, II, ‘e’, da Lei nº 13/756/2018).

De fato, o Brasil tem o potencial de figurar entre os três maiores mercados de apostas do mundo, mas existem fatores a serem analisados que, muitas vezes, passam desapercebidos em matérias jornalísticas e em análises estatísticas sem aprofundamento.

Primeiramente, destaca-se que o foco principal com a regulamentação em qualquer país é a absorção do mercado ilegal para o mercado legal. Isso se chama “taxa de canalização”, que é o percentual de apostadores que apostam em operadores legalizados (licenciados) no país em oposição aos que apostam em operadores ilegais (não-licenciados).

Por mais avançado e sólido que seja a regulamentação de um país, nenhum mercado do mundo atinge a marca de 100% de taxa de canalização. De acordo com um estudo da Copenhagen Economics, o Reino Unido, maior mercado de apostas do mundo, possui 95% de canalização, enquanto em países com ótima regulamentação como Dinamarca, Itália e Espanha variam entre 70 e 88% de canalização. Diante disso, mesmo que o Brasil regulamente o setor de maneira eficaz, não seria capaz de absorver a totalidade dos valores movimentados para o mercado legal.

Conforme destacado no tópico anterior, atualmente centenas de sites oferecem apostas online aos brasileiros, mas apenas 30 (trinta) poderão – a princípio – se licenciar e propiciar os aclamados benefícios ao Brasil (arrecadação de impostos, geração de empregos, receitas aos clubes, etc.). Logo, é evidente que os bilhões de reais movimentados pelas centenas de empresas que hoje operam no Brasil não serão integralmente absorvidos pelo mercado legal, tampouco revertidos em favor dos clubes brasileiros, haja vista a limitação no número de licenças disponibilizadas.

Isto posto, uma dose de realidade se mostra necessária para afastar a ilusão de que a simples regulamentação da atividade gerará cifras milionárias aos cofres públicos e ao futebol brasileiro. Não há fórmula mágica, muito menos dinheiro fácil. O trabalho na regulamentação deve ser muito bem feito e contar com a participação de todos os players, caso contrário atingiremos os mesmos resultados de Portugal e França, cujas taxas de canalização não superam a faixa de 52%.


Conclusão

Não é mais novidade que a regulamentação das apostas esportivas pode trazer consideráveis receitas para o Brasil. Porém, juntamente com isso, surge uma enorme responsabilidade para entregar uma regulamentação sólida e baseada nas melhores práticas internacionais.

Uma definição clara da modalidade legalizada, um sistema de licenciamento que fomente a concorrência no mercado, uma tributação que não inviabilize a atividade, uma reserva financeira razoável são apenas alguns fatores a serem observados na regulamentação.

No mais, entidades desportivas devem se atentar a fatores como o escopo das parcerias celebradas com operadores de apostas e os serviços de integridade a serem contratados. Como dito, a regulamentação é apenas um primeiro passo, mas para se conquistar um mercado rentável e seguro é fundamental a cooperação de todos.

O objetivo deste trabalho foi levantar algumas considerações para instigar as discussões sobre a temática. O debate construtivo só tem a acrescentar aos trabalhos de estruturação de um sistema de apostas benéfico e seguro para todos. Ao contrário da definição dada pela Lei de Contravenções Penais (Decreto-lei nº 3.688/1941) aos “jogos de azar”, a regulamentação das apostas esportivas não pode depender exclusiva ou principalmente da sorte para gerar os almejados benefícios ao Brasil.

 

Udo Seckelmann
Advogado do escritório Bichara e Motta Advogados. LLM em Direito Desportivo Internacional pelo Instituto de Derecho y Economía (ISDE) em Madri, Espanha. Editor e escritor do Lex Sportiva, blog internacional sobre temas de Direito Desportivo. Membro da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD) – Comissão Jovem. Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/Barra (RJ).