SÁB 18 DE MAYO DE 2024 - 14:13hs.
Artigo do O Globo

Parada do esporte muda mercado de apostas, e sites se viram entre criatividade e responsabilidade

A pandemia do novo coronavírus transformou o campeonato da Bielorrússia na liga de futebol mais assistida da Europa. E isso não é só pelo fato de ser a única do continente onde a bola ainda rola em meio à crise sanitária, mas porque oferece alguns dos últimos jogos em que se pode apostar. No Brasil, os adeptos dos sites de apostas tiveram que se acostumar à nova realidade e começaram a investir em competições alternativas.

Sob pressão da Organização Mundial da Saúde (OMS), o campeonato bielorrusso pode não durar muito, mas o basquete de Taiwan e do Tajiquistão, por exemplo, seguem firmes e tiveram aumento de aproximadamente 2.000% no Tabcorp, principal empresa de apostas da Austrália. Mas nem sempre é necessário uma bola para gerar interesse dos apostadores.

Clientes de diversos sites de apostas ficaram, diante da escassez de jogos, com a opção de arriscar dinheiro nas eleições dos EUA, no Prêmio Nobel da Paz ou na Personalidade do Ano da “Time”. No Brasil, o “BBB” e campeonatos de eSports dominam boa parte das casas online.

Frequentador assíduo desses sites quando o assunto é futebol, Thiago Machado, de Salvador, resistiu até que todos os principais campeonatos fossem suspensos. Ele recorreu a competições alternativas como a corrida de cachorros.

— Comecei a dar uma olhada em outros esportes, como tênis e corrida de galgos (uma raça canina). Fomos resistindo até suspender tudo. Sinto muita falta — afirma o analista de comércio exterior de 24 anos.

Os sites de apostas esportivas reservam perigos para eventuais apostadores que não conseguem levar o jogo de maneira responsável, o que pode acarretar em problemas pessoais, sociais, financeiros e até de saúde.

Os próprios sites desenvolvem programas e tecnologias para que isso não aconteça, como limitação de depósitos, ajuda informativa. Para especialistas, a falta do esporte pode fazer com que muitos se aventurem em áreas que não dominam, e, para alguns, isso pode representar perdas e dor de cabeça.

— Vi que estão rolando apostas em campeonatos de videogame e no ‘BBB’, mas fiquei meio inseguro de investir. O site ainda dá opções de apostas em jogos de azar e na cotação do dólar, por exemplo, mas não gosto de apostar no que eu não entendo muito — disse Thiago.

Parceria com o futebol

A Europa hoje tem o maior mercado de apostas online, e estima-se que ele movimente 25 bilhões de euros em 2020. No Brasil, segundo projeções do Ministério da Economia, o setor tem potencial de movimentar até R$ 6 bilhões por ano a partir da sua regulamentação concreta.

Na Série A do Campeonato Brasileiro no ano passado, boa parte dos clubes contava com algum tipo de parceria ou patrocínio de casa de apostas. No Campeonato Inglês, o mais rico do mundo, metade dos times da atual temporada tem um site de apostas ocupando o principal espaço publicitário da camisa.

O site brasileiro “Casa de Apostas” tem o futebol como carro-chefe, e tanto a paralisação das competições quanto a crise econômica representam prejuízos para a empresa.

— É muito difícil mensurar quando não há sequer previsão de retorno normal das atividades. Quanto ao público ativo, entendemos que não é o momento de intensificar o estímulo ao entretenimento, apesar de considerá-lo necessário — prega Hans Schleier, que mantém seus funcionários trabalhando de casa.

Na tentativa de inovar, algumas plataformas estrangeiras permitem até mesmo apostar em situações de gosto duvidoso, como na expansão da COVID-19 e em como os países vão lidar com a doença.

O “Betfair”, baseado no Reino Unido, ofereceu a seus clientes opções de apostas envolvendo o estado de saúde do primeiro-ministro Boris Johnson, internado na UTI com coronavírus na semana passada.

A empresa removeu do site apostas como “próximo líder conservador” e “próximo primeiro-ministro” após a piora no quadro do político, que já saiu do tratamento intensivo.

Apostas à espera de regulamentação no Brasil

As apostas consideradas de cota fixa foram legalizadas no Brasil em 2018, e são consideradas como uma loteria esportiva. Essa é a categoria na qual o jogador sabe no momento em que investe o dinheiro o quanto poderá ganhar caso acerte. No entanto, ela ainda depende de regulamentação.

A maioria dos sites de apostas esportivas online é hospedada em países estrangeiros, e não infringe a lei local. Um estudo da Universidade de Sorbonne mostra que existem mais de 8 mil sites de apostas esportivas em todo o mundo. Estima-se que ao menos 500 deles ofereçam jogos brasileiros, operando no país sem qualquer tributação, regulamentação ou controle.

O governo federal tem planos de regulamentar o setor de apostas esportivas ainda este ano. Uma consulta pública foi iniciada com entidades interessadas no tema, mas o projeto está paralisado no momento.

Fonte: Giulia Costa e Marcello Neves - O Globo