SÁB 18 DE MAYO DE 2024 - 14:28hs.
Udo Seckelmann, advogado do escritório Bichara e Motta

Como regulamentar o multibilionário mercado de apostas esportivas do Brasil

O escritório Bichara e Motta disponibiliza o artigo do seu advogado mestre em Direito Desportivo Udo Seckelmann intitulado “All-in para o Brasil: Como regulamentar o multibilionário mercado de apostas esportivas”. Ali, o especialista analisa e descreve o grande cenário que se abre ao país e aos operadores quando a atividade for regulada. 'A recompensa pode ser enorme, mas um erro pode resultar em uma grande perda para o Brasil”, assegura Seckelmann.

1. Introdução: A Bola Não Entra Por Acaso

Japão, 2002. Depois de um ‘corta-luz’ de Rivaldo, a bola encontra os pés de Ronaldo, que chuta rasteiro para encontrar o fundo da rede de Oliver Kahn. Brasil 2×0 contra a Alemanha. Campeões da Copa do Mundo pela quinta vez, mantendo seu reinado como “País do Futebol”. Os melhores jogadores, o melhor futebol.

Inglaterra, 2002. O clube inglês Fulham F.C. assina um contrato de patrocínio com a Betfair. Seria a primeira vez que um clube inglês firmou patrocínio com uma empresa de apostas.

Avancemos 18 anos para o futuro: após 2002, o Brasil não chegou mais às finais da Copa do Mundo nas quatro edições subsequentes, perdeu de 7×1 para a Alemanha em 2014 e a maioria dos clubes de futebol está afundando em dívidas. A Inglaterra, por outro lado, consolidou a Premier League como a liga de futebol mais rica do mundo, desenvolveu seus regulamentos e profissionalizou a gestão dos clubes. No mais, a evolução da nova geração de jogadores ingleses dentro de campo é evidente: chegou às semifinais na Copa do Mundo de 2018, venceu o Campeonato Europeu Sub-19 e as Copas do Mundo de Sub-17 e Sub-20 em 2017.

 

 

Alguns de vocês podem estar pensando: “Comparar apostas esportivas com sucesso esportivo dentro de campo é loucura!”. Você pode estar certo, mas futebol não é um negócio comum. A mentalidade de “não se mexe em time que está ganhando” é uma armadilha perigosa e não tem mais espaço no futebol profissional. O investimento das empresas de apostas no futebol inglês não é a principal razão do seu sucesso; mas tem uma parcela de participação em seu desenvolvimento.

O Brasil parou de vencer Copas do Mundo, a maioria dos clubes brasileiros é mal gerida e mal administrada, o Campeonato Brasileiro é subvalorizado e a mentalidade brasileira é imediatista e ‘cabeça-fechada’. Se temos os jogadores mais talentosos, por que não estamos no top-5 ligas do mundo (‘Big Five leagues’)? Porque, no fim do dia, ninguém quer investir em um mercado inseguro e mal gerido.

O sucesso esportivo é uma combinação de vários fatores e o que acontece fora do campo importa muito. Uma abordagem profissional extra-campo a longo prazo tem uma grande influência no sucesso esportivo dentro do campo. Como Ferran Soriano, ex-vice-presidente do Futbol Club Barcelona, subintitulou seu livro “Goal“: “a bola não entra por acaso”.

Ninguém poderia ter imaginado o significado do contrato de patrocínio que o Fulham F.C. firmou à época. Hoje, podemos confirmar que isso foi um game-changer no futebol inglês.

O chefe-executivo da Betfair à época, Sr. Edward Wray, disse que a conquista do Fulham F.C. de subir das divisões inferiores para competir com os maiores clubes da Premier League era “o encaixe perfeito com a Betfair“. Golaço da Betfair e do Fulham F.C.; um passo à frente para a Premier League. O Brasil, por sua vez, permaneceu no mesmo lugar.

Nos anos seguintes, o Reino Unido, a Premier League e a FA (Football Association) começaram a regulamentar mais a fundo as apostas em seu território. Juntamente com um enorme mercado, surge uma responsabilidade ainda maior de regulá-lo corretamente.

Conforme será visto adiante, a luta contra manipulação de resultados, vício em jogos, proteção de menores, prevenção à lavagem de dinheiro e limites à publicidade são alguns dos problemas a serem levados em consideração.

Em 2017, Joey Barton, ex-jogador da Inglaterra e do Manchester City, foi multado em £ 30 mil e suspenso por mais de 12 meses após violar as regras de apostas. Barton admitiu que era viciado em apostas e declarou seu desconhecimento das regras: “Eu acreditava que ninguém se importava com apostas. Pensei que eles apenas se preocupavam com manipulação de resultados” (tradução livre).

Além de expor que proporcionar educação aos participantes do esporte em relação às regras de apostas é crucial, Barton fez uma afirmação muito mais alarmante: “Acho que se descobrissem todos que apostaram e sancionassem os mesmos, você teria metade da liga fora” (tradução livre).

O objetivo deste artigo é demonstrar que regulamentar um mercado já existente é – na maioria das vezes – melhor do que proibi-lo. Para tanto, este trabalho busca examinar:

  1. O motivo pelo qual a regulamentação é necessária;
  2. Os pilares fundamentais para um sólido regime jurídico de apostas esportivas; e
  3. As oportunidades e desafios que o Brasil terá com a regulamentação.


2. O Cenário Brasileiro: Uma Zona Jurídica Cinzenta

Embora cassinos e casas de aposta sejam proibidos em solo brasileiro desde 1946, o ato de fazer uma aposta por residentes brasileiros não era exatamente ilegal. Como isso é possível? A legislação de 1946 (Decreto-Lei nº 9.215/1946) proibia apenas o estabelecimento de estruturas físicas para jogos de azar no Brasil. Como a internet não existia na época, as apostas online através de servidores internacionais eram consideradas uma zona cinzenta não-regulamentada pela legislação brasileira.

Após décadas de lacuna legal, o Brasil está finalmente pronto para regulamentar todo o seu mercado de apostas esportivas. A Lei Federal nº 13.756, promulgada em dezembro de 2018, regula principalmente a loteria nacional, mas também inclui planos para regulamentar as apostas esportivas (modalidade de loteria denominada “apostas de quota fixa relativas a eventos reais de temática esportiva”) e a destinação dos impostos arrecadados. De acordo com seu artigo 29, a modalidade de “apostas de quota fixa” será um serviço público exclusivo da União a ser autorizado ou concedido pelo Ministério da Fazenda, com a exploração comercial ocorrendo em um ambiente competitivo – tanto online quanto em estruturas físicas.

De acordo com essa lei, o Ministério da Fazenda tem 2 anos – prorrogáveis por mais 2 anos – para regulamentar a atividade. A Comissão do Esporte da Câmara dos Deputados está atualmente organizando debates públicos para discutir os rumos do processo regulatório.

 

3. Riscos e Razões para Regulamentar a Indústria de Apostas Esportivas

Legalizar apostas esportivas não é suficiente. Junto com isso, o Brasil precisa de uma cuidadosa combinação de medidas responsáveis para desenvolver o setor e criar um ambiente seguro para a prática. Portanto, o Estado deve desempenhar um papel ativo em todos os regimes de apostas como coordenador dos operadores de licenciamento por meio da aplicação de requisitos regulamentares gerais.

Existem diversos riscos associados às apostas esportivas, os quais são maximizados em um mercado desregulamentado:

  • Consolidação do Mercado Ilegal;
  • Vício em Apostas;
  • Menores Apostando;
  • Lavagem de Dinheiro;
  • Evasão Fiscal;
  • Ameaça à Integridade do Esporte.

Da mesma forma, existem inúmeros motivos pelos quais faz sentido ter um mercado de apostas esportivas devidamente legalizado e regulamentado:

  • Atrair Operadores/Investidores Respeitáveis;
  • Receita Tributária para o Estado;
  • Proteção às Crianças e Vulneráveis;
  • Mecanismos de Resolução de Litígios / Proteção ao Consumidor;
  • Proteger a Integridade do Esporte;
  • Transparência;

Juntamente com um mundo de oportunidades, surge uma enorme responsabilidade de regulamenta-lo de maneira correta e profissional. Como explicado acima, o Brasil não precisa inovar e criar um novo sistema regulador de apostas esportivas; em um primeiro momento, deve implementar medidas semelhantes às estabelecidas nos países mais avançados em relação à indústria de apostas esportivas, a fim de encontrar um equilíbrio perfeito entre intensificar as oportunidades e reduzir os riscos.

 

4. Os Pilares Fundamentais para um Sólido Regime Jurídico de Apostas Esportivas

O território do Reino Unido possui provavelmente a indústria de apostas esportivas mais bem regulamentada do mundo. Embora existam outros países bem desenvolvidos no que diz respeito à indústria de apostas esportivas, a estrutura regulatória do Reino Unido será usada como modelo a ser seguido neste artigo. Nesse sentido, existem três pilares fundamentais que sustentam todo o sistema e são a razão de seu desenvolvimento bem-sucedido no setor.

I. Modelo de Licenciamento

As principais legislações que regem o jogo de azar nas três formas identificadas na lei inglesa (jogos, apostas e participação na loteria) são o Gambling Act 2005 e o Gambling (Licensing and Advertisement) Act 2014. Se uma empresa deseja prestar serviços de apostas (online ou por outros meios) e fazer publicidade aos consumidores na Grã-Bretanha, precisará de uma licença emitida pela Gambling Commission – um órgão público independente.

O modelo de licenciamento parece ser a melhor maneira – até o momento – de controlar as atividades das empresas de apostas pelas autoridades públicas. Ao emitir uma licença, a Comissão pode anexar condições gerais (aplicáveis ​​a todas as licenças) ou específicas (aplicáveis ​​a um operador específico).

A abordagem jurídica é criminalizar as estruturas de jogo de azar, mas estabelecer exceções para operadores que cumpram o regime de licenciamento, paguem os impostos, observem a regulamentação aplicável e assim por diante. No entanto, a emissão de licenças não deve ser muito burocrática, demorada e cara, caso contrário afastará o investimento no país.

Os objetivos de licenciamento são (UK Gambling Act 2005, art. 1):

  • impedir que o jogo seja uma fonte de crime;
  • garantir que o jogo seja realizado de maneira justa e honesta; e
  • proteger crianças e outras pessoas vulneráveis.

A discussão realizada pela Comissão de Esportes da Câmara dos Deputados do Brasil permanece vaga sobre qual modelo será adotado. Há duas opções em discussão: um “modelo de licenciamento” ou um “modelo de concessão”. O primeiro seria semelhante ao modelo do Reino Unido, ou seja, a emissão de autorizações temporárias para um número ilimitado de operadores – que atenderem os requisitos estabelecidos – com a finalidade de criar um ambiente competitivo e, assim, gerar receitas para o Estado através da arrecadação de impostos. A segunda opção basicamente atribuiria concessões para um número limitado de empresas de apostas para operar em território brasileiro com exclusividade e por um período fixo de tempo, de forma a criar um monopólio ou oligopólio no mercado. Na opinião do autor, a indústria só atingirá todo o seu potencial se um modelo de licenciamento for introduzido.

II. Entidade Reguladora

Jogos de azar no Reino Unido são regulamentados por meio de um modelo de licenciamento operado pela Gambling Commission, que é um órgão público não-departamental independente, patrocinado pelo Departamento de Cultura, Mídia e Esporte (DCMS) do Reino Unido, comprometido em regular e fiscalizar as atividades de apostas.

Nos termos do Gambling Act 2005, a Gambling Commission tem o poder não apenas de emitir uma licença para os operadores de jogos, mas também:

  • investigar se um crime foi cometido nos termos da lei;
  • pode instaurar um processo criminal;
  • impor uma advertência ao operador licenciado;
  • anexar uma condição adicional a uma licença;
  • exercer o poder de suspender ou revogar uma licença;
  • exercer o poder de impor uma penalidade.

Uma das condições de licenciamento é a exigência de que os operadores forneçam à Gambling Commissioninformações que eles tenham conhecimento ou suspeitam que possam estar relacionadas ao cometimento de uma infração nos termos da Gambling Act 2005.

Já ocorreram inúmeros casos de cooperação entre a Gambling Commission e as autoridades policiais onde surgiram algum indício de jogos ilegais. Além disso, a Comissão também deve fornecer às entidades de administração do desporto as informações que suspeitem estar relacionadas a uma violação das regras ou regulamentos. Essa colaboração é essencial para manter um ambiente de negócios seguro e proteger a integridade do esporte, motivo pelo qual é fundamental que todo país bem regulamentado estabeleça uma entidade reguladora que fiscalize o setor de apostas.

No Brasil, não está claro ainda se um órgão já existente atuará como entidade reguladora ou se um novo órgão será criado para tal propósito. Em um primeiro momento, o Ministério da Economia deve assumir tal prerrogativa antes de implementar – ou delegar as responsabilidades para – outro órgão.

III. Sistema de Monitoramento de Apostas

Com o avanço da tecnologia e transmissão global de partidas, as apostas esportivas se tornaram cada vez mais populares. Qualquer pessoa pode apostar em uma partida esportiva além das fronteiras do país, levantando questões complexas de jurisdição na investigação de atividades ilegais de apostas. Os crimes cada vez mais sofisticados nas apostas resultaram, assim, em um aumento mundial da manipulação de resultados.

“Monitoramento” e “cooperação” são as palavras-chave quando o assunto é regulamentar um mercado de apostas esportivas. Um sistema de monitoramento de apostas esportivas visa detectar e analisar não apenas atividades suspeitas de apostas que possam questionar a integridade de uma competição esportiva, mas também identificar outras infrações penais relacionadas (como lavagem de dinheiro e fraude) para iniciar ou apoiar processos criminais pelas autoridades competentes.

Relações de confiança com outros stakeholders que forneçam informações sobre potenciais ameaças também precisam ser estabelecidas para fortalecer a proteção. A luta contra os riscos de crimes ligados às apostas esportivas exige o envolvimento de setores que nem sempre estão acostumados a cooperar mutuamente.

No Brasil, a manipulação de resultados é particularmente predominante nas divisões inferiores do futebol – e o Brasil possui muitos clubes e jogadores. Portanto, um sólido e confiável sistema de monitoramento é essencial para o combate à violação das regras de apostas.

 

5. Futebol Brasileiro: Novas Oportunidades e Desafios

(i). Perspectiva Comercial: O Céu é o Limite?

Ao implementar um Modelo de Licenciamento e criar uma Entidade Reguladora eficiente, o autor acredita que um mercado lucrativo de apostas esportivas surgiria no Brasil e, consequentemente, as receitas comerciais do futebol cresceriam. Do ponto de vista comercial, clubes de futebol e empresas de apostas compartilham uma relação sinérgica na qual um alimenta o outro. Um apoio financeiro estável é um dos fatores que os clubes de futebol precisam para serem sustentáveis e bem-sucedidos, enquanto as empresas de apostas investem milhões em clubes em troca de um instrumento eficiente para atingir seu público-alvo.

No Brasil, a regulamentação das apostas esportivas trará benefícios diretos para os clubes de futebol. Isso se deve principalmente ao fato de que, à medida em que a proibição de apostas cai, as restrições de publicidade também caem – com algumas ressalvas. Portanto, a legalização permite que as empresas de apostas patrocinem entidades desportivas, o que lhes trará novas fontes de fundos – não apenas com patrocínios, mas também com o licenciamento e a autorização do uso das trademarks dos clubes.

O desenvolvimento da indústria global de futebol nas últimas décadas mostrou como as empresas de apostas estão gradualmente dominando o mercado de patrocínios de clubes. Um exemplo que deixa isso claro é a evolução do patrocínio de camisas de clubes na Premier League inglesa de 1992 a 2019:

 

 

Existem três aspectos interessantes em relação aos patrocinadores de apostas no futebol inglês a serem observados – especificamente nas duas divisões inglesas (isto é, Premier League e Championship):

  1. 10 dos 20 clubes da Premier League têm um patrocínio master de empresas de apostas em suas camisas;
  2. Nenhum dos clubes do ‘Big 6’ da Premier League possui um patrocínio master de empresas de apostas em suas camisas;
  3. 17 dos 24 clubes da Championship inglesa têm um patrocínio master de empresas de apostas em suas camisas.

Com isso em vista, é razoável concluir que o recente crescimento das empresas de apostas no futebol é benéfico para clubes de médio e pequeno porte buscarem a redução do gap financeiro com clubes maiores e, finalmente, melhorar o equilíbrio competitivo no futebol inglês.

Da mesma forma, os clubes brasileiros já estão seguindo os passos das ligas supramencionadas. Desde a publicação da Lei Federal nº 13.756 em dezembro de 2018, 13 dos 20 clubes do Campeonato Brasileiro – Série A 2019 já assinaram acordos de patrocínio com empresas de apostas.

 

 

Além do investimento direto das empresas de apostas em clubes, existem outras possibilidades de os clubes se beneficiarem da legalização do mercado de apostas esportivas. Um exemplo são os anúncios de transmissão.

A lógica é simples. As emissoras vendem parte de seu tempo de transmissão para os anunciantes. A transmissão ao vivo de eventos esportivos atrai as empresas de apostas, o que gera forte investimento dessas empresas e, consequentemente, concorrência no mercado pelo tempo de transmissão dos anúncios nesse período. Com isso, os direitos de transmissão de eventos esportivos – que são a principal fonte de receita dos clubes brasileiros – acabam por se valorizar. Entretanto, anúncios de apostas em esportes televisionados sofrem resistência em alguns países, especialmente durante transmissões ao vivo, motivo pelo qual isso também deve ser levado em consideração nos debates sobre o quadro regulatório brasileiro.

Outra medida interessante, incluída no artigo 30 da Lei Federal nº 13.756/2018, é a obrigatoriedade das empresas de apostas esportivas em distribuírem uma porcentagem de sua arrecadação aos clubes de futebol. De acordo com a Lei Federal, funcionaria basicamente como um “image tax” pago pelas empresas de apostas aos clubes de futebol “que cederem os direitos de uso de suas denominações, suas marcas, seus emblemas, seus hinos, seus símbolos e similares para divulgação e execução da loteria de apostas de quota fixa”. É evidente que tal porcentagem deve ser razoável, caso contrário altas taxas podem afastar os operadores de apostas de investirem no Brasil.

Apesar de ser um oceano de oportunidades, essa parte comercial da indústria do futebol deve ser cuidadosamente observada pelo Congresso Brasileiro, principalmente no que diz respeito ao nível de liberdade de publicidade das empresas de apostas. Uma liberdade excessiva comprometeria a proteção das crianças, dos vulneráveis, dos consumidores e da integridade do esporte.

(ii). Integridade do Esporte

Embora seja um grande passo adiante no que diz respeito à parte comercial do futebol, a regulamentação da atividade não deve apenas incentivar o desenvolvimento e o investimento, mas também proteger a integridade do esporte.

Em 2005, o Brasil passou por seu maior escândalo referente à manipulação de resultados. O episódio conhecido como “Máfia do Apito” foi o esquema orquestrado por um grupo de investidores que subornavam árbitros de futebol para manipular resultados do Campeonato Brasileiro Série A pra que estes coincidissem com apostas esportivas nos sites Aebet e Futbet. Os árbitros Edilson Pereira de Carvalho (“árbitro FIFA”) e Paulo José Danelon foram banidos do futebol para sempre e responderam por fraude, conspiração e crimes contra a ordem econômica.

A popularidade de qualquer esporte se baseia em (i) qualidade do entretenimento, (ii) equilíbrio competitivo e (iii) incerteza dos resultados. Sem que a integridade seja protegida (por exemplo, a manipulação de resultados se tornando algo comum e corriqueiro), a incerteza dos resultados não poderá mais ser garantida. Consequentemente, os torcedores parariam de acompanhar o esporte e, assim, deixariam de consumir os produtos disponíveis (bilheteria, sócio torcedor, camisas, audiência, mídias sociais, etc.), resultando em uma diminuição de popularidade. Qualquer esporte sem garantia de integridade seria incapaz de se sustentar.

O risco de manipulação de partidas anda de mãos dadas com as apostas esportivas, pois os participantes podem decidir manipular uma partida apostando em um resultado específico ocorrendo. É por isso que essa atividade deve ser regulamentada com muito cuidado, não apenas por meio de uma lei federal, mas também pelos regulamentos da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). A entidade dirigente do futebol deve acompanhar essa evolução legislativa e emitir regulamentos compatíveis com o objetivo de erradicar essa prática.

Atualmente, existem algumas disposições nos regulamentos da CBF sobre apostas esportivas:

  • 55, I, II e V do Regulamento Geral de Competições 2019 (RGC); e
  • 18 do Código de Ética e Conduta do Futebol Brasileiro (CECFB).

No entanto, tais regulamentos não são muito claros em alguns aspectos:

  • Como o RGC rege assuntos relacionados às competições da CBF, isto significa que todas as proibições de apostas são aplicáveis apenas às competições da CBF ou também a qualquer outra competição internacional? Se o primeiro, poderiam os participantes apostar em competições que não são organizadas pela CBF?
  • Se o participante não estiver participando e não for capaz de influenciar em uma partida, pode ele apostar livremente?
  • Qual é a definição de “participação em empresas de apostas” (conforme o art. 18 do CECFB)? Isso significa que o participante é apenas proibido de ser um acionista, mas é livre para assinar acordos comerciais e anunciar empresas de apostas?

Em termos práticos, também deve ser levado em consideração como a CBF procederia com o monitoramento e identificação dos participantes que estariam violando tais regras de apostas esportivas. Sem nenhuma ferramenta de fiscalização ou colaboração com operadores de apostas ou empresas especializadas em coleta de dados, isso seria uma tarefa difícil – e as disposições supramencionadas seriam praticamente inúteis.

Em resumo, a CBF deve se perguntar se deseja impedir apenas a manipulação de resultados ou também proibir os participantes de participarem em quaisquer atividades relacionadas às apostas esportivas mesmo sem que exerçam influência nas partidas. Regulamentos duvidosos e inconsistentes gerariam inúmeros ‘Joey Bartons’ alegando desconhecimento das regras.

Apesar da confiança dos clubes ingleses nas empresas de apostas como fonte de receitas, as regras relativas aos participantes individuais que utilizam as mesmas empresas para apostar no futebol são rígidas. Com os mecanismos e ferramentas disponíveis à FA para identificar possíveis violações da FA Betting Rules, a probabilidade de um atleta escapar desapercebido de um descumprimento é baixa. Os operadores de apostas são especialistas em detectar atividades de apostas suspeitas, além de possuir softwares e algoritmos que monitoram esses mercados.

Recentemente, alguns atletas de alto nível foram sancionados por violar a FA Betting Rules. Entre eles, Daniel Sturridge (ex-atacante da Inglaterra e do Liverpool FC) foi suspenso por seis semanas e multado em £75 mil por fornecer informações privilegiadas a seu irmão sobre uma possível transferência e por encorajá-lo a fazer apostas nesse sentido, enquanto Yerry Mina (zagueiro da Colômbia e do Everton FC) foi multado em £10 mil por fazer publicidade e promover uma empresa de apostas na Colômbia.

Em vista disso, a introdução de programas de educação para todos os competidores desde jovens é de extrema importância. O objetivo é garantir que eles estejam totalmente cientes das regras e de suas obrigações para evitar situações como essas.

 

6. Conclusão: Sua Vez, Brasil

Sendo a quinta maior população e a nona maior economia do mundo, o Brasil seria facilmente um dos dez maiores mercados de apostas esportivas. Um relatório recente da GamblingCompliance estimou que um mercado brasileiro maduro de apostas poderia gerar receita bruta anual de US$ 1 bilhão para o país, desde que haja a introdução de um regime competitivo de licenciamento para apostas online.

De acordo com o Statista Research Department, o valor de mercado da indústria de jogos e apostas ilegais no Brasil era de aproximadamente R$ 19,9 bilhões em março de 2016. A regulamentação das apostas esportivas pode trazer uma grande fatia desse mercado aos bolsos de clubes, das entidades de administração do desporto e do Estado.

O leque de possibilidades do mercado é promissor. No entanto, operadores de apostas e organizações esportivas devem explorá-lo com cuidado, cooperar reciprocamente e proteger-se, pois o Brasil está passando por uma transição legislativa. E como qualquer transição, a insegurança jurídica prevalece.

Não há mais espaço para amadores. A recompensa pode ser enorme, mas um erro pode resultar em uma grande perda para o país.

Sua vez, Brasil: All-in ou Fold?


Udo Seckelmann
Bichara e Motta Advogados