Desta maneira, se abrem as possibilidades importantes para futuras negociações entre os clubes e as casas de apostas que sempre buscam poder transmitir partidas ao vivo através das suas plataformas. Com esta medida, um time tem total independência para ceder à casa de apostas patrocinadora de sua camisa os direitos para transmitir toda sua campanha como local ou em uma série de partidas, o que melhoraria substancialmente a parte econômica do acordo que têm. No Brasil, já há empresas do ramo que obtiveram os direitos de transmissão ao vivo das principais ligas europeias. Isso faz pensar que o futebol nacional seria um produto irresistível para atrair o apostador local.
Antes, os dois clubes que disputavam um jogo dividiam esse direito. Se um deles não concordasse, o duelo não poderia ser vendido ou transmitido. Mas, efetivamente, como essa alteração vai atingir o futebol brasileiro? Durante o tempo de validade da MP – e é importante lembrar que há um projeto de lei específico em tramitação no Senado – é possível que os contratos de TV fechada do Brasileirão sejam afetados.
Em 2020, a Turner pode exibir 56 jogos do campeonato porque tem contrato válido com oito times (Athletico, Bahia, Ceará, Coritiba, Fortaleza, Palmeiras e Santos). Colocando o gigantesco e milionário impasse entre eles de lado, o grupo de mídia americano pode ver a MP como uma brecha jurídica para tentar aumentar seu produto.
Ao alterar trechos da Lei Pelé (Lei 9.615/1998) e do Estatuto de Defesa do Torcedor (Lei 10.671/2003), a medida, válida por até 120 dias, transformou o clube mandante de um evento esportivo no dono dos direitos de arena. Ou seja, agora cabe a ele “negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, do espetáculo desportivo”.
Ou seja, ao invés de um número limitado de duelos, sempre entre as equipes contratadas, poderia mostrar 152 partidas – todas aquelas em que seus parceiros forem mandantes. O SporTV, da Globo, também aumentaria seu cardápio de jogos, mas a proporção seria menor.
“A Turner, por exemplo, não comprou os direitos dos 20 clubes, mas ampliaria a possibilidade de divulgação dela com jogos onde os times que ela têm direitos detiveram o mando de campo”, diz a advogada Dayana Dallabrida, sócia do escritório VGP, que atende o Athletico.
“Aumentaria o valor de seu produto com a possibilidade de transmissão de mais jogos… Mas esse é um ponto a ser analisado pelos tribunais, se eles poderiam fazer uso dessa regra no termos que trouxe a MP. Não é algo claro”, ressalta Dayana. Na opinião do advogado especializado em direito desportivo Eduardo Vargas, os contratos já celebrados não devem ser afetados. No entanto, o assunto está longe de estar definido.
“Evidentemente que as empresas que poderão se beneficiar com isso tentarão estender a abrangência e eficácia da medida provisória para contratos anteriores. Na minha concepção, não pode, mas a gente sabe que buscarão subterfúgios para tentar transmitir”, opina Vargas.
“É uma situação muito confusa juridicamente e uma abre brecha. Depende muito de como foram formulados os contratos, de que forma eles foram redigidos”, acredita o advogado Itamar Côrtes, que atua no direito desportivo.
Da mesma forma, o Flamengo se beneficiará na sequência. O presidente Rodolfo Landim já avisou que a partida do fim de semana, conta o Boavista, será mostrada no streaming próprio clube, situação que era vedada anteriormente. A edição da MP, aliás, só saiu por pressão dos cartolas, especialmente do Rubro-negro carioca.
No caso do Athletico, a nova regra traz uma vantagem clara. O clube optou por não vender o pay-per-view (PV) para a Globo quando negociou os direitos de TV aberta. Antes mesmo da MP 984/2000, o presidente Mario Celso Petraglia chegou a encomendar estudos sobre a possibilidade de transmitir os jogos do clube em casa.
Agora, o Furacão tem caminho livre para mostrar os 19 jogos do Brasileirão na Arena da Baixada em sua plataforma de streaming, o Furacão Play. Mesmo que essas partidas eventualmente também acabem sendo exibidas pela Turner, o clube começaria a explorar o PPV próprio cinco temporadas antes das outras equipes, cujos contratos com a Globo se encerram em 2024.
Ao lado do Red Bull Bragantino, o Coritiba também tem o PPV disponível. Porém, a situação é diferente do rival, principalmente por causa dos direitos de TV aberta. O Coxa, que subiu no ano passado para a Série A, não fechou a venda desse ativo. A negociação se estendeu e, por causa da pandemia, está segue em marcha lenta.
No entanto, como vive um complicado cenário financeiro, o clube deve ser obrigado a fazer a venda conjunta (aberta + PPV), por exigência da Globo. Atualmente, esse é o cenário mais provável.
Tramitação
Deputados e senadores poderão apresentar emendas à medida provisória até a próxima segunda (22). Depois disso, a MP 984 será analisada diretamente no Plenário da Câmara, conforme o rito sumário de tramitação definido pelo Congresso Nacional durante o período de calamidade pública.
Posição da Turner
Em nota, a Turner destacou que “está analisando a Medida Provisória e avalia possíveis impactos da nova regulação”.
Posição da TV Globo
Através de nota oficial, a TV Globo se posicionou sobre a medida provisória 984. A emissora defende que as novas regras não alteram contratos já assinados. Veja abaixo a nota na íntegra.
“Sobre a Medida Provisória 984, que alterou a lei Pelé e determinou que os clubes mandantes dos jogos passem a ser os únicos titulares dos direitos de transmissão, a Globo vem esclarecer que a nova legislação, ainda que seja aprovada pelo Congresso Nacional, não modifica contratos já assinados, que são negócios jurídicos perfeitos, protegidos pela Constituição Federal. Por essa razão, a nova Medida Provisória não afeta as competições cujos direitos já foram cedidos pelos clubes, seja para as temporadas atuais ou futuras. A Globo continuará a transmitir regularmente os jogos dos campeonatos que adquiriu, de acordo com os contratos celebrados, e está pronta para tomar medidas legais contra qualquer tentativa de violação de seus direitos adquiridos”.
Outras mudanças levantadas na Medida Provisória
De acordo com a norma, os clubes desportivos poderão firmar contratos de trabalho de 30 dias com os atletas. Antes da mudança, a Lei Pelé previa 90 dias de vínculo mínimo. A nova regra vale até 31 de dezembro deste ano, quando se encerra o estado de calamidade decorrente da pandemia de COVID-19.
Outra mudança da medida provisória é permitir que as emissoras de rádio e TV, inclusive por assinatura, patrocinem ou veiculem sua marca nos uniformes das equipes participantes da competição. Até a edição da MP, a prática era proibida.
A medida provisória determina ainda que, salvo convenção coletiva de trabalho em contrário, os 5% da receita dos direitos de transmissão das partidas, que são distribuídos igualmente entre os jogadores, serão repassados sem a mediação dos sindicatos de atletas profissionais, como previa a Lei Pelé.
A mudança abre diversas possibilidades aos clubes brasileiros. O Flamengo, por exemplo, tem negociações com a Amazon para patrocinadora máster. Dessa forma, a empresa poderia estampar a marca Amazon Prime na camisa rubro-negra sem qualquer objeção da lei. Outras empresas de streaming, como Facebook, Netflix, DAZN e YouTube também poderiam patrocinar equipes esportivas a partir de agora caso queiram.
Fonte: GMB