JUE 25 DE ABRIL DE 2024 - 17:11hs.
Filipe Rodrigues, diretor do Instituto de Gestão Esportiva

“Do ponto de vista econômico, é nítida a vantagem da liberação de todos os modais de jogos de azar”

Filipe Rodrigues é advogado especialista em desporto e diretor do Instituto de Gestão Esportiva (IGE). Com tantos assuntos em alta, como a tributação a ser imposta para as operadoras de apostas de quota fixa no Brasil e a liberação de todos os tipos de jogos de azar, Filipe esclareceu alguns pontos e deu o seu posicionamento sobre como tornar o Brasileirão uma das principais ligas do mundo utilizando a transmissão das partidas através dos sites de apostas. “Parcerias com as principais emissoras e plataformas de conteúdo são necessárias”, enfatiza ele.

GMB - Recentemente, o governo editou a MP 984/2020 que cuida da “saúde financeira” dos times de futebol. Durante a análise pelo Congresso, o Deputado Federal Evandro Roman enviou minuta de emenda aditiva sugerindo a exclusão dos prêmios da base de cálculo de tributação, trazendo mais luz à tributação sobre o GGR. Qual sua opinião em relação a essa sugestão do deputado?
Filipe Rodrigues -
A emenda do deputado foi bastante positiva. A atual redação da lei 13.756/2018 impede que o futuro regulamento estabeleça um novo critério tributário. O que não faz sentido. Além disso, é necessário garantir para as operadoras que elas não serão tributadas sobre valores que não fazem parte da sua receita. Neste sentido, a experiência global já provou que um mercado licenciado e aberto e tributação sobre o GGR são pilares fundamentais para a criação de um mercado competitivo e atraente.

As operadoras não querem ingressar num mercado com modelo de tributação onerosa. Assim, caso o Brasil não ofereça um ambiente vantajoso, poucos operadores no mercado vão oferecer produtos de apostas menos competitivos, resultando em baixa procura do consumidor. E o apostador brasileiro irá migrar para mercados mais atraentes, criando aqui uma taxa de canalização baixa. Em linguagem simbólica, nós vamos chegar no mercado mundial de regulamentação de apostas atrasados, e ainda queremos estar mal vestidos? Não dá!

De acordo com Waldir Marques Jr., o subsecretário de Prêmios e Sorteios do Ministério da Economia, o governo já está analisando a questão da contratação de consultores pelo BNDES para assessoria jurídica e financeira para elaborar todos os estudos necessários para uma boa licitação das apostas esportivas. Qual seu ponto de vista nesse caso?
Os estudos que o BNDES realiza sempre são excelentes, de alto rigor técnico. Creio que encontrarão os melhores profissionais disponíveis no mercado nacional e internacional. Desde já, coloco o Instituto de Gestão Esportiva à disposição com seus diversos pesquisadores em legislação internacional. Afinal, o mercado esportivo será impactado e seria importante contar com opiniões técnicas e complementares. Creio que podemos auxiliar em temas inevitáveis, como os eSports e games.

A integridade no esporte é muito necessária tanto para os clubes quanto para as casas de apostas passarem credibilidade e confiança ao público-alvo. De que forma acredita que a regulamentação das apostas esportivas pode incentivar na fiscalização e na criação de departamentos específicos para isso dentro dos clubes nacionais?
Na medida que o volume de negócios e dinheiro irão aumentar significativamente, é inevitável que haja um sistema de Compliance eficaz para detectar fraudes e uma disseminação de cultura de integridade para educar todos os profissionais do esporte. Além disso, é vital que as casas de apostas condicionem nos seus contratos de patrocínio, a criação de departamentos e/ou programas efetivos de Compliance para que haja segurança de todos os interessados, bem como checagem de profissionais que já estiveram envolvidos em atividades suspeitas. O mercado precisa exigir isso.

A loteria é fonte de renda para várias leis de incentivo ao esporte, entre outras segmentações. Com a venda da Lotex, acredita que essa receita direcionada para os cofres públicos vai ajudar ainda mais a população?
É uma pergunta muito difícil de responder. É preciso considerar que a Caixa realiza os sorteios de loterias federais desde 1961. E que a Caixa, em 2018, gerou 6.5 bilhões de recursos para políticas públicas, inclusive o esporte. Ou seja, a Caixa tem expertise em desenvolvimento de produtos de loterias. Agora, teremos o Consórcio Estrella Instantânea no mercado brasileiro, com capital ítalo-americano.  Qual o tempo de amadurecimento do negócio das loterias instantâneas pelo novo operador? Não sabemos.

Na Itália, o consórcio é bastante eficaz, com números que chegam a 45 bilhões de reais. Além do valor de outorga que foi pago, um valor bastante aquém do esperado, o consórcio deverá repassar ao governo 16,7% para o investimento em políticas  públicas. Segundo o BNDES, este valor poderá chegar a 1 bilhão por ano e nos 15 anos de concessão, a um total de 19 bilhões de reais. Temos que torcer pra o consórcio ser lucrativo no Brasil, senão as políticas públicas sofrerão um declínio ainda maior. De modo que a curto prazo é de esperar uma diminuição do valor de repasse para as ações sociais e a longo prazo irá depender do sucesso do novo concessionário.

Foi editada a MP 984/20, que determina que os direitos de transmissão ou reprodução das partidas esportivas pertencem ao clube mandante do jogo. A medida altera a Lei Pelé, assim os times que ainda não cederam seus direitos poderiam usar suas plataformas da internet para transmitir suas partidas do local ou, inclusive, vendê-los aos sites de apostas esportivas interessados. Qual o seu ponto de vista em relação a essa alteração?
O Supremo já decidiu que o princípio da autonomia esportiva é relativo e podem ser impostas regras gerais para a boa gestão. Mas ao nosso sentir, houve interesses de cunhos políticos e populistas. Sem o devido rigor técnico, científico e social pelo qual as regras jurídicas devem passar. Em que pese a urgência e relevância do aspecto que permitiu a contratação de atletas por apenas um mês (a lei Pelé previa um mínimo de três meses), com o objetivo dos clubes que encerraram os estaduais, que ficaram suspensos devido à pandemia global. Os outros aspectos geraram muita incerteza e insegurança jurídica, afetando contratos e relações jurídicas estabelecidas antes da edição da MP, como os contratos que a Globo tem com a FERJ e os clubes cariocas.

Além disso, há inúmeras questões em aberto. Isto é explicado pelo alto número de emendas feitas em período regimental, 91 emendas! Há questionamentos em aberto como: o clube mandante deve pagar o direito de arena aos atletas visitantes? Deve o sindicato ser excluído do texto da lei? Árbitros devem continuar a receber pela sua imagem? E os técnicos e membros da comissão técnica? A venda de direitos de arena deve ser coletiva ou individual? E por fim, sobre o conteúdo das emendas, a mais famosa delas, do deputado Pedro Paulo, que determinaria a criação do clube-empresa, com forte cunho intervencionista e diminuindo ainda mais a autonomia das entidades de administração e prática desportiva.

Um consórcio de duas empresas muito importantes, como Stats Perform e ZSM, manteve os direitos de transmissão do Brasileirão para os sites de apostas do exterior. Acha que isso ajudará a espalhar o futebol local e a imagem dos clubes para atrair possíveis empresas do exterior para times daqui?
Pra sermos, em poucos anos, uma das principais cinco ligas do mundo e, em dez anos, competirmos com as três primeiras (inglesa, espanhola e alemã), três pontos seriam fundamentais. O primeiro seria a criação de uma liga privada, com governança corporativa, transmitindo confiança ao mercado internacional. Nela, os representantes não seriam dirigentes amadores, mas profissionais do mercado, altamente preparados, sem nenhuma ingerência da CBF. Pois há um conflito de interesse claro entre o produto que ela negocia internacionalmente, que é a seleção brasileira, e o produto negociado pelos clubes: o brasileirão.

Infelizmente, o clubismo e a má gestão ainda impedem o crescimento econômico. O segundo aspecto está relacionado com o marketing. O produto merece envelopamento, a começar pelo nome que não é fácil de ser comercializado, mas deveria ser criado algo em inglês, como "league BR".

O terceiro aspecto é sobre a distribuição do conteúdo. Não adianta ter um produto incrível e ser mal distribuído. Basta ver a forte atuação das ligas inglesa e espanhola que têm representantes na maioria dos países com o objetivo de internacionalizar a marca e conectar os fãs globais. Algo que não fazemos e estamos longe de fazer. Parcerias com as principais emissoras e plataformas de conteúdo do mundo seriam necessárias, com degustações e estímulos nos primeiros anos de contrato. Só assim, seríamos minimamente competitivos. Hoje, temos um campeonato formidável, mas explorado de maneira amadora e doméstica.

As apostas em eSports têm sido um fenômeno durante a pandemia. O que acha da popularidade dessa segmentação? Acredita que mesmo com a volta das competições de futebol e outros esportes o eSports vai permanecer em alta?
A pandemia afetou o esporte tradicional como nunca antes, gerando a paralisação, suspensão e até cancelamento de todas as atividades esportivas globais, exceto os eSports. Esta exceção foi notável do ponto de vista tecnológico, cultural e financeiro. Isto permitiu que os operadores de apostas online criassem muitos produtos com foco nos esports, o que gerou um aumento considerável da taxa de canalização para este segmento segundo as pesquisas. O mercado australiano teve um impressionante aumento de 2000%!

Muitas empresas e executivos que ainda não entendiam os eSports passaram a conhecer seu potencial e sua vantagem adaptativa no período da pandemia. Isso deu um crescimento cultural ao segmento ainda mais importante que o aumento econômico, que ainda será plenamente sentido no futuro. Pois havia o apostador que não conhecia o eSports. A maioria destes iniciantes aproveitou este período para se familiarizar e testar o mercado. E isso será percebido doravante.

Acredita que a liberação e regulamentação de vários tipos de jogos (como cassinos, bingos, etc) podem injetar mais investimento nos clubes brasileiros, assim como as casas de apostas têm feito de forma massiva?
Do ponto de vista econômico, é nítida a vantagem na liberação de todos os modais de jogos de azar. E não somente os de aposta fixa ou cassinos. São três os motivos. O primeiro é pelo volume de negócios que podem gerar, chegando a dezenas de bilhões de reais, gerando recursos não somente no momento da concessão de outorga, mas em toda a cadeia produtiva que se beneficia do jogo, setor de tecnologia, alimentos, bebidas, turismo, hotelaria, imobiliário e tantos outros. O jogo ilegal se traduz em enorme perda de receitas.

O segundo motivo é a fuga do apostador brasileiro para mercados vizinhos, como Uruguai e outros lugares internacionais. Seja do ponto de vista das atividades físicas ou das atividades online. Em todo o caso, menos emprego e tributos deixam de ser gerados aqui e são criados nos países com legislação mais liberal e competitiva.

E, por fim, a liberação dos jogos geraria os recursos que financiam políticas públicas sociais. Só as loterias direcionaram mais de 6 bilhões em 2018 para o fomento social. Este investimento pode ser potencializado com a liberação de todas as modalidades de apostas e jogos. Incluir temas que estão muito afastados, mas deveriam ser fulcrais, como inovação e games. Defendo que parte destes recursos deveriam ser usados para transformar o parque olímpico no maior centro de inovação das Américas, atraindo capital privado e inovação em saúde pública, educação, segurança, habitação e sustentabilidade, como foi feito no parque olímpico inglês após as olimpíadas.

Fonte: Exclusivo GMB