"Compreendendo o mercado cinza
No Brasil, os cassinos e casas de apostas estão proibidos desde 1946, mas o ato de fazer uma aposta esportiva não é exatamente ilegal. Embora a nossa legislação de 1946 proíba o estabelecimento de estruturas terrestres para jogos de azar, a evolução subsequente da internet permitiu que as apostas online de servidores internacionais operassem em uma “área cinza” não regulamentada. [I]
De acordo com a legislação brasileira, o contrato celebrado por e entre duas partes considera-se constituído no lugar do proponente. Em vista disso e do fato de que uma “aposta” é considerada um contrato pela jurisprudência brasileira, o operador offshore (ou seja, o 'proponente') com um site hospedado em outra jurisdição está autorizado a oferecer apostas a clientes brasileiros, estando tal objeto de contrato com a legislação do país da operadora.
Depois de décadas tolerando essa lacuna legal, o Brasil finalmente está pronto para regulamentar todo o seu mercado de apostas esportivas. A Lei Federal nº 13.756 de dezembro de 2018 regula principalmente a loteria nacional brasileira, mas também inclui disposições para regular as apostas esportivas (uma categoria definida como “apostas de cotas fixas relacionadas a eventos esportivos”) e sua alocação de receita tributária relacionada. De acordo com o artigo 29 da Lei, a categoria de “apostas de cotas fixas” será um serviço público, e o Governo Federal poderá emitir licenças para operadores comerciais, tanto online quanto em estruturas terrestres.
O Ministério da Economia do Brasil agora tem dois anos - prorrogáveis por mais dois - para desenvolver regulamentações adequadas para o setor. Assim, a expectativa da indústria é de que o marco regulatório esteja em vigor até o final de 2022, o mais tardar.
Diante dessa transição jurídica, as empresas de apostas estão atentas e já se posicionando para investir no país. Enquanto algumas operadoras se sentem confortáveis para oferecer apostas e aproveitar as vantagens do “mercado cinza” brasileiro, algumas aguardam ansiosamente a regulamentação do setor antes de dar um passo.
Tropicalize sua operação
Independentemente de ser chave na mão ou white label, muitas operadoras assumem que a simples tradução de seu site para o português seria suficiente para trazer sua operação para o Brasil, mas não é o caso.
O Brasil é completamente diferente de outros mercados, mesmo se o compararmos com outros países da América do Sul - quanto mais europeus e asiáticos. A operadora estrangeira deve adaptar sua operação ao Brasil, ou seja, “tropicalizar sua operação”. [Ii]
“O que o jogador brasileiro quer?”
Essa é a principal pergunta a ser feita; e a resposta precisa só será dada por profissionais locais especializados da área. Um exemplo claro dessa cultura particular é o 'boleto bancário', que é um método de pagamento muito comum (e indispensável) usado por jogadores brasileiros para depositar dinheiro na plataforma de apostas. A ausência de tal opção certamente afastaria os apostadores do bookmaker.
Trazer uma operação para o Brasil consiste em várias etapas, que variam de acordo com o investimento que a empresa pretende fazer. Além de um claro entendimento da complexa situação jurídica do jogo, desenhar um site voltado para o apostador brasileiro, contratar uma empresa de meios de pagamento sólida e segura, contratar um departamento de TI para manter tudo sob controle e desenvolver estratégias de marketing (como afiliação, mídias sociais e até patrocínio de clube) para alcançar com sucesso os jogadores brasileiros são algumas das muitas etapas ao longo do caminho.
Portanto, é muito importante que as operadoras estrangeiras tenham conexões no Brasil, principalmente com quem conhece o mercado por dentro, acompanhe de perto o processo regulatório e tenha parcerias estratégicas capazes de fornecer à operadora um roteiro do caminho de negócios que a operadora tem que seguir no Brasil.
Consolidação da marca
Depois de observar devidamente os dois aspectos anteriores, é hora de consolidar a marca da operadora em território brasileiro. Conquistar a confiança do público brasileiro certamente não é uma tarefa fácil, mas é muito gratificante. Talvez o principal case de sucesso da operação brasileira seja a Sportingbet.
A Sportingbet investe no Brasil desde 2007 e agora os jogadores brasileiros veem a marca o tempo todo em comerciais de TV, outdoors e online. A proximidade com seu público-alvo no dia a dia gera confiança para quem deseja apostar em esportes, o que, por sua vez, deixa os apostadores à vontade para depositar dinheiro em sua plataforma.
Essa reputação certamente será útil quando o marco regulatório for emitido pelo Ministério da Economia, em particular porque existe a possibilidade de o Brasil limitar o número de licenças a serem concedidas às operadoras. [Iii]
Assim, ao estabelecer sua marca e adquirir a confiança do público brasileiro, as operadoras terão maiores chances de obter a licença quando o marco regulatório for expedido pelo Ministério da Economia. “Primeiro a chegar, primeiro a ser servido”, pode-se dizer.
Conclusão
O mercado global de apostas esportivas está crescendo exponencialmente e as operadoras estão agora prestando muita atenção aos desenvolvimentos no Brasil devido ao seu considerável potencial de investimento.
Um relatório encomendado pela Remote Gaming Association (RGA) e conduzido pela KPMG no final de 2017 estimou o mercado cinza offshore on-line em US$ 2,1 bilhões anuais em termos de GGR (Receita Bruta de Jogo) [iv]. Um relatório recente da GamblingCompliance estimou que um mercado brasileiro de apostas online e terrestre maduro poderia gerar receita bruta anual de US$ 1 bilhão para o país, sujeito à introdução de um regime de licenciamento competitivo para apostas online. [V]
Com todas essas estatísticas em mente, as operadoras naturalmente estudam suas possibilidades de trazer sua operação para o Brasil. Seja para começar a explorar o atual “mercado cinza” de imediato ou para esperar o marco regulatório antes de estabelecer seus negócios no Brasil, o fato é que ficar parado certamente resultará em uma oportunidade perdida."
Udo Seckelmann
Udo é advogado formado pela PUC-RJ (2017) e mestre em Direito Internacional do Esporte pelo ISDE (2019). Atua no Bichara e Motta Advogados nas áreas de direito esportivo, contencioso cível, arbitragem e resolução de conflitos. Em 2019 fez estágio temporário na Lewis Silkin e aconselhou a World in Motion em Londres. Os artigos incluem Mudanças nas regulamentações da FIFA; Risco contratual: exames médicos; A guerra sem fim contra os agentes: um limite na comissão?; Entrando na legislação esportiva: 5 dicas que ninguém conta para você; Beauty and the Gambler: Uma história de amor entre futebol e apostas; e Como trazer sua operação de apostas esportivas para o Brasil.