SÁB 20 DE ABRIL DE 2024 - 11:44hs.
Informe da parceria Lance & IstoÉ

Casas de apostas 'entram em campo' no futebol brasileiro, mas a atividade lida com dilemas

Ainda faltam algumas rodadas para as Séries A e B do Campeonato Brasileiro serem definidas, mas a edição de 2021 das duas competições já traz um grande marco no mercado que envolve o futebol nacional: a 'invasão' definitiva das casas de apostas, mesmo sem um amparo concreto da legislação brasileira. Atualmente, 33 dos 40 clubes têm entre seus patrocinadores empresas que investem neste ramo. Área à espera de uma regulamentação clara.

O mais recente a aderir foi o Vasco. Na quinta-feira passada (21), o Cruz-Maltino oficializou a PixBet como sua patrocinadora máster. A empresa, que já investia na Ponte Preta, América-MG e Goiás, desembolsará R$ 9 milhões até dezembro de 2022. A evolução das casas de apostas nos clubes brasileiros, porém, ainda traz alguns dilemas.

Área à espera de uma regulamentação clara

Em 12 de dezembro de 2018, o então presidente da República Michel Temer sancionou a Lei nº 13.756 (aprovada pelo Senado no mês anterior). Além de destinar parte das verbas arrecadadas com as loterias federais para a segurança pública, a mudança previa uma regulamentação para as apostas esportivas no Brasil. De acordo com o texto, "a loteria de apostas de quota fixa será autorizada ou concedida pelo Ministério da Fazenda" em um prazo de dois anos, prorrogáveis por mais dois para viabilizar a atividade.

A regulamentação foi o pontapé inicial para cerca de 450 casas de apostas desembarcarem no país, movimentando R$ 12 bilhões por ano (de acordo com dados da H2 Gambling, consultora da atividade). Muitas destas marcas (Sportsbet.Io, Galera.Bet, Betano, entre outras) encontraram no futebol uma forma de terem visibilidade.

Houve novo salto graças à Lei nº 14.183, sancionada em julho de 2021 pelo atual presidente da República, Jair Bolsonaro. Aconteceu uma alteração na tributação e distribuição da arrecadação dessas apostas. Sócio especialista em Direito Tributário do CSMV Advogados, Flávio Sanches vê na nova legislação "um fomentador do mercado de apostas".

Em síntese, a grande alteração foi a mudança da base de cálculo dos tributos incidentes sobre a operação da casa de aposta estabelecida no Brasil. Até o meio deste ano, todo o volume da aposta era base de incidência. E com a alteração, excluiu-se desta base tributável as premiações a serem pagas, o Imposto de Renda incidente sobre os prêmios (30% do prêmio) e contribuição previdenciária que se paga sobre a arrecadação total”, destacou Sanches.

Isso corrigiu uma distorção aos olhos de quem opera a aposta, pois esta não considera o prêmio como uma receita sua, e sim algo que transita momentaneamente em um fluxo que vem dos apostadores e a eles voltam. É o valor líquido de prêmio com respectiva tributação de Imposto de Renda, além da contribuição previdenciária, que passa a ser base tributável das casas de aposta, ajustando a carga tributária total em aproximadamente 20%, que é a carga de tributação que encontramos em outros países”, complementou o especialista.

O advogado Eduardo Carlezzo alerta para a urgência de uma legislação clara sobre o setor, com o intuito de trazer divisas ao Brasil: “O mercado brasileiro, a bem da verdade, já é explorado, de forma "cinza", pela enorme maioria dos operadores. Porém, alguns grandes operadores apenas vão desembarcar com força quando o mercado estiver 100% legalizado, e isso certamente trará um benefício econômico aos clubes pois teremos mais empresas grandes com maior potencial de investimento no futebol brasileiro”.

'Meandros' para casas entrarem no Brasil

O impasse na legislação brasileira não evitou a entrada das casas de apostas no Brasil. Algumas delas têm sede em outros países, onde não há risco de ficarem expostas à Lei de Contravenções Penais (Lei nº 3.688, de 1941), que proíbe a exploração e estabelecimento de jogos de azar.

Já estamos acostumados com muitas casas de apostas atuando no mercado brasileiro. A questão é que muitas competem por aqui a partir de jurisdições estrangeiras, em razão da tributação local”, disse Flávio Sanches, especialista em Direito Tributário do CSMV Advogados. Sportingbet é sediada em Londres. Já a Dafabet, por exemplo, está localizada nas Filipinas.

Futebol como 'carro-chefe' para apostadores

A paixão do brasileiro pelo futebol pesou no investimento de muitas casas de apostas. Vice-presidente de marketing e comunicação da Galera.bet, que tem contratos com Corinthians, Sport e Cruzeiro, Ricardo Rosada detalhou.

Quando uma empresa chega a um acordo pelo patrocínio é devido a uma via de mão dupla. Trata-se da confiança de que a exposição de sua marca acontecerá de maneira forte e, além disto, aquele público tem potencial para trazer lucros à sua empresa. O futebol é o carro-chefe em apostas e contribui muito para a movimentação de tantas casas esportivas”, explica Rosada.

Rosada destacou outro aspecto que torna atraente investir no futebol. “Nem todos os torcedores gostam de apostar, mas o público que aposta gosta de futebol, assim como existem apostadores de outras modalidades como basquete e tênis”, disse.

O acordo com os clubes inclui destaque da marca nas camisas e em outras propriedades, como placas de publicidade em partidas e até em chamadas comerciais.

Ricardo Rosada, vice-presidente de marketing e comunicação da Galera.bet, aponta como a regulamentação mais clara sobre as apostas pode mudar o setor. “Parte da nossa operação acontece no exterior, com um nível de compliance altíssimo. Assim que a lei for sancionada no Brasil, o mercado de casas de apostas pode aumentar aqui em até cinco vezes”, projeta.

'Boom' é visto com entusiasmo no futebol

A nova rota foi bem recebida pelos clubes brasileiros. Vice de marketing do Internacional, clube que fechou contrato com a Betsul, Jorge Avancini vê que a atividade é uma alternativa que vem ganhando terreno.

Vejo com muita importância a chegada desses novos players. Vieram ocupar a saída de outros patrocinadores e chegaram para ficar. O Inter fez um acordo com a Betsul e acredito numa parceria com via de mão dupla, pois os clubes também ganham percentuais dessas apostas, além das ativações junto aos torcedores”, disse.

Aos olhos do dirigente do Colorado, este início de parceria mostra o potencial das casas de apostas para a economia. “É um mercado inovador, que gera oportunidades favoráveis e movimenta a economia. Isso tudo, claro, desde que inteiramente legalizado e transparente, e por isso a regulação a curto prazo será um passo fundamental para este setor”, declarou.

Opções para 'torcedores-apostadores'!

A diversidade do ramo no futebol ficou mais explícita no Juventude. A Marsbet, que estampava o calção da equipe de Caxias do Sul desde agosto, passou a ter a "companhia" da PixBet que estará na barra frontal de baixo das camisas de jogo. O acordo também permite visibilidade no backdrop de entrevistas, cards de redes sociais, site e placas no CT.

Vice-presidente de administração e marketing do Juventude, Fábio Pizzamiglio vê com naturalidade a presença das duas casas de apostas no uniforme do clube. “Não houve qualquer problema no acordo. A Marsbet é uma empresa turca, tem foco no mercado internacional, enquanto a PixBet é voltada para o mercado interno”, declarou.

Pizzamiglio mostra-se um entusiasta de que a lei sobre os jogos entre em vigor. “Entendemos ser positiva, visto que poderíamos ter ainda um incremento de receitas destinadas aos clubes, além da nacionalização dos dividendos provenientes das apostas”, disse.

Olhar do mercado se estende à Série B

Após o "loteamento" de espaços em uniformes dos clubes da Série A (somente o Cuiabá não tem um patrocinador deste setor), as casas de apostas se voltaram para a Série B. Atualmente, são 14 clubes que estampam marcas de jogos online.

Diretor de negócios do Botafogo, que fechou com a EstrelaBet, Lênin Franco diz que esta série de patrocínios não surpreende. “Além de ser o mercado que mais tem investido no futebol por motivos óbvios, essa Série B é histórica, pois tem um número grande de campeões brasileiros na disputa. Ou seja, aumenta a audiência e o nível da Segunda Divisão”, afirmou.

Franco traz um contraponto sobre a atual falta de regulamentação em torno do mercado de apostas. ”A falta de regulamentação na realidade propicia um número maior de empresas no mercado, não gera entraves. Mas, a partir do momento que for regulamentado, o número de empresas vai diminuir, pois nem todas terão condições de se regularizar”, e esclareceu: “Hoje, o que se tem, é uma disputa por reserva de mercado, ou seja, garantir os espaços das camisas para evitar que o concorrente ocupe”.

Um 2022 cercado de expectativas

A lei promulgada pelo ex-presidente Michel Temer indicava um prazo de dois anos, prorrogáveis para mais dois até que fosse estabelecida a regulamentação clara da atividade e quem ficaria responsável pela concessão e autorização das loterias e apostas (físicas ou virtuais). Com isto, o ano de 2022 se torna decisivo para a atividade.

O advogado Eduardo Carlezzo alerta para a urgência em definir as atividades das casas de apostas. “O governo federal está deixando passar uma grande oportunidade de ter em vigência um sistema de regulação de apostas que permita, finalmente, a legalização das operações no país e, com isso, usufruir de todos os benefícios que negócios legítimos possam trazer. É incompreensível o atraso na apresentação do regulamento final”.

São dezenas de países que atualmente já regulamentam o assunto há muito tempo e que, portanto, já testaram na prática a viabilidade das regras. Por isso, não precisamos inventar nada, mas apenas copiar as melhores experiências”, completou Carlezzo.

Especialista em Direito Tributário, Flávio Sanches já vê ao menos um bom presságio para que o ramo comece a se estabelecer. “Com esta tributação condizente com a de países que costumam atrair as casas de apostas, e a considerar que o mercado brasileiro é naturalmente considerado por estas, é de se concluir que mais casas de apostas façam o movimento de se estabelecer efetivamente no país, gerando empregos, renda e arrecadação que antes poderiam ser deslocados para o exterior”, disse.

Sanches faz uma ressalva logo em seguida. “É evidente que a carga tributária não é o único elemento de decisão para abertura de empresa no país, mas certamente é um dos pontos fundamentais. Aos menos sob o aspecto de carga tributária, estamos mais competitivos desde a metade deste julho”, frisou.

Fonte: Vinícius Faustini - Parceria Lance & IstoÉ