A análise é do LABS – Latin America Business Stories, em artigo que aborda os avanços da atividade e faz um histórico sobre a atividade no Brasil.
A Wanna, que começou a operar recentemente no país, aproveitou uma brecha na lei, que permite sua operação, embora a regulamentação para apostas online ainda não tenha sido estabelecida no maior país da América Latina. O mesmo vale para a Betsson, que está licenciada para operar no Brasil por meio do Jockey Club do Rio Grande do Sul, entidade turfística autorizada pelo Ministério da Agricultura.
O LABS procurou os especialistas e executivos das empresas para explicar este novo mercado de iGaming que ainda não foi totalmente abordado na América Latina. A Colômbia foi o primeiro país da região a debater a questão e já regulamentou as apostas esportivas online. A capital da Argentina, Buenos Aires, também tem um regulamento adequado. Agora, todos os olhos estão voltados para o Brasil, que tem o maior potencial de mercado da América Latina.
A Betsson opera como uma casa de apostas, em que não é possível saber contra quem se está apostando. Já a Wanna é uma plataforma agregadora, que funciona como o Tinder, mas ao invés de juntar duas pessoas para um encontro, a plataforma junta dois apostadores. Em breve, as operações de ambas as empresas estarão sujeitas às novas regulamentações no Brasil; elas já estão de olho nas discussões sobre o assunto para se ajustarem o mais rápido possível quando isso acontecer. Mas, primeiro, vamos esclarecer o setor.
O jogo é proibido no Brasil? Os jogos de azar, como jogo de bingo e o jogo do bicho são ilegais no Brasil desde os anos 1940. No domingo, um famoso jogador de futebol brasileiro foi preso em um cassino clandestino em São Paulo, levantando o debate sobre a contravenção penal dos cassinos no Brasil.
“O Brasil não tem a capacidade de proibir efetivamente que esse mercado se desenvolva, então, a partir do momento que você não tem o marco regulatório, a informalidade opera. Você não tem os impostos, não tem a proteção do apostador. Se o mercado existe, é melhor trabalhá-lo da melhor forma, criar as regras e conseguir fazer com que isso seja uma atividade sustentável, e devidamente monitorada para mitigar danos, porque isso pode ser mal operacionalizado,” comenta André Gelfi, sócio-diretor da Betsson no Brasil.
Ok, então os cassinos continuam proibidos no Brasil. No entanto, uma lei brasileira em vigor desde junho de 2019 permite apostas esportivas online de quota fixa; ou seja, você pode apostar com a certeza do valor que será recebido se você ganhar a aposta. Mas a lei ainda não foi regulamentada. O Ministério da Economia tem trabalhado com o BNDES no projeto de regulamento.
Em meio a essa lacuna legislativa, as empresas do setor exploram livremente a atividade, aguardando que seus limites sejam fixados para que possam se adaptar. Essa permissibilidade varia de apostas online em futebol a corridas de cavalos, esportes, hóquei, sinuca e até apostas em corridas de cães.
Witoldo Hendrich Junior, sócio-fundador do Hendrich Advogados, explica que a nova lei de 2019 não alterou especificamente a modalidade esportiva, nem menciona as apostas em corridas de cavalos. Segundo o advogado, segundo a lei de contravenções penais, o jogo não é permitido e as apostas em corridas de cavalos fora do autódromo são consideradas jogos de azar. “Se você for ao Jockey Club para fazer a aposta, você consegue? Sim. Mas se você fizer isso no site do Jockey, isso é considerado fora do autódromo? Acho que isso não é proibido por lei, mas também não é regulamentado.”
Segundo Luiz Felipe Maia, sócio-fundador da FYMSA – Franco, Yoshiyasu e Maia Advogados, as apostas em hipismo dependem apenas da autorização do Ministério da Agricultura, que se dá por meio da aprovação do Plano Geral de Apostas proposto pela entidade hípica, o Jockey Club. Este documento deve prever as apostas pela Internet. “Agora, há outra questão que é se os operadores de apostas por quota fixa previstas na lei de 2019 serão capazes de aceitar apostas em corridas de cavalos também.”
Esta questão só será respondida após a conclusão do regulamento das apostas esportivas online. O subsecretário da Secretaria de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria do Ministério da Economia, Waldir Marques, disse à imprensa que as apostas esportivas online podem ser regulamentadas até julho deste ano.
A lei de 2018 (entrou em vigor em 2019) estabeleceu que esse tipo de aposta é um serviço exclusivo do governo brasileiro, portanto, não é uma atividade livre, segundo Marcelo Frullani, advogado especializado em direito e tecnologia do Frullani Lopes Advogados. “[Então] Essa legislação prevê que essa atividade existe e que o Ministério da Economia tem que regulamentá-la.”
Em contato com o LABS, Marques disse que o BNDES está contratando serviços técnicos para estruturar o projeto de privatização da modalidade loteria a partir das apostas de quotas fixas. Como as apostas esportivas são consideradas um serviço público do governo brasileiro, podem ser transferidas para o setor privado por meio de um processo de concessão ou autorização. “A ideia é regular como vai funcionar essa concessão de serviço [ao setor privado]. A aposta não será livre; será um serviço público concedido a empresas que cumpram determinados requisitos”, acrescenta Frullani.
Recentemente, o BNDES abriu processo de Solicitação de Informações (RFI) e 38 empresas se inscreveram para ajudar a estruturar o projeto junto ao governo. O próximo passo será a validação das informações apresentadas na RFI e a definição dos critérios de seleção das empresas, que posteriormente serão convidadas para a Solicitação de Proposta (RFP), para as próximas etapas do processo de seleção dos consultores.
A lei de loterias diz que a loteria é um serviço público exclusivo do governo brasileiro. Mas, recentemente, o STF (Supremo Tribunal Federal) quebrou o monopólio do governo federal, o que permite que os estados brasileiros operem suas próprias loterias.
Segundo Hendrich Junior, o BNDES fala de um modelo de privatização, mas isso só pode ser privatizado se pertencesse ao governo. “Eles estão privatizando algo que não é mais do governo, mas dos estados”, disse. “O que o BNDES precisa fazer, de acordo com o cenário atual, é organizar a casa. Eles vão ouvir especialistas em legislação, regulamentação, mercado, marketing, operação e tudo que envolve a indústria mundial, para mapear os players interessados. Resumindo: eles vão entender todo o assunto.”
Qual é o potencial do mercado de apostas online no Brasil?
Embora não se saiba quais são as exigências que a regulamentação brasileira trará, ou quanto a empresa terá que pagar ao governo, “essa falta de regulamentação fiscal certamente representa uma lacuna tributária muito violenta”, diz Spencer Sydow, especialista em direito digital e presidente da Comissão de Direito Digital da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em São Paulo.
Dados da Betsson mostram que de acordo com as projeções atuais do mercado offshore (players brasileiros com operadoras sediadas em outros países), o governo brasileiro poderia arrecadar o equivalente a R$ 1,5 bilhão por ano, caso as apostas online fossem regulamentadas. Isso mostra que, com um mercado regulado, o Brasil pode se tornar um dos maiores países do setor de apostas esportivas online da América Latina. A H2 Gambling Capital afirma que o mercado regulado de apostas esportivas pode chegar a R$ 2,5 bilhões em cinco anos de operação.
Enquanto as operações não forem regulamentadas, todo esse dinheiro sairá do Brasil. Frullani lembra que “muitas vezes essas empresas estão baseadas em paraísos fiscais [países ou territórios com jurisdições flexíveis e de baixa tributação].”
Entre as empresas de apostas esportivas mais conhecidas atualmente no Brasil, algumas estão sediadas em Malta, como o Betsson Group, outras em Gibraltar. A Wanna, embora sediada em Chicago, opera a partir de Curaçao. “Malta se tornou uma espécie de hub global de iGaming; é de lá que os principais players globais operam hoje”, comenta Gelfi. Na América Latina, o grupo Sueco Betsson possui escritórios no Brasil, Colômbia e Peru.
Para o LABS, o cofundador e CEO de Wanna, Carson Coffman, explicou que a empresa não iniciou suas operações nos Estados Unidos porque alguns estados permitem apostas online e outros não.
“Entre as coisas que nos impediram de operar nos EUA é que temos que obter uma licença para cada estado em que queremos operar, e então você tem que fazer parceria com um cassino físico. A licença para atuar apenas em Illinois custa US$ 20 milhões e você precisa obter uma licença para cada estado em que deseja operar; isso não vai acontecer agora”, disse.
A escolha de expandir para o Brasil, onde o executivo prevê 1 milhão de usuários em potencial, se deu porque Coffman tem amigos brasileiros nos Estados Unidos e percebeu o quanto eles são apaixonados por seus times de futebol. “Aquelas conversas tirando sarro um do outro, o Brasil tem a paixão que a Wanna quer, competição saudável. A Argentina é o próximo país que temos como alvo. Até a Copa América [em junho], esperamos começar com a Argentina, e então a Colômbia será o seguinte país. Assim que conseguirmos esses dois, acho que seria um bom caminho para expandir para o resto da América Latina”, disse ele.
Incertezas e meandros legais para o funcionamento de sites de apostas no Brasil
Sydow aponta um problema que envolve a atividade no Brasil: como forçar as plataformas de apostas a cumprirem suas obrigações de pagamento. “O problema das apostas online no Brasil não é necessariamente legal, mas existe uma insegurança jurídica quando se trata de não compliance”, diz Sydow. Uma vez que estão sediadas em paraísos fiscais, os contratos dessas empresas geralmente seguem as regras desses outros países e territórios.
“Quem aposta no Brasil é como se tivesse comprado algo em um site estrangeiro e pedido para entregar no Brasil. Essas plataformas dizem que não estão sujeitas à legislação brasileira porque as pessoas que apostam vão ao seu site, com sede no exterior. Ainda assim, é possível contestar esse argumento porque é claro que eles estão promovendo esse serviço no Brasil por meio de publicidade em times de futebol”, completa Frullani.
Luciana Hendrich, advogada associada do Hendrich Advogados e sócia fundadora da Hendrich Digital Content, diz que é o mesmo conceito de cassinos como o Enjoy (ex-Conrad), do Uruguai, que costumava anunciar na televisão brasileira. “Eles só estão anunciando no Brasil, não significa que operem aqui.” A empresa dela é mediadora de contratos de mídia e marketing e tradução de contratos de empresas de apostas esportivas sediadas no exterior que desejam anunciar no Brasil.
Segundo Frullani, mesmo depois da regulamentação, o problema de “como punir financeiramente as empresas estrangeiras” continuará porque haverá empresas que não vão querer cumprir os requisitos que o Ministério da Economia vai impor, ou que acharão mais vantajoso não cumprir e continuar explorando o mercado com um site com sede no exterior.
“Pode ser que algumas empresas, mesmo depois dessa regulamentação, fiquem no limbo. E então teremos que ver como o governo vai regular isso; se irá providenciar punição; se essa punição valerá, uma vez que as empresas não têm sede no Brasil. Há vários pontos que acho que não serão resolvidos por essa regulamentação,” afirma.
As empresas estão dispostas a cumprir a regulamentação
Gelfi foi sócio da primeira plataforma de apostas autorizada do Brasil, a Suaposta, na qual a empresa atuava em parceria com o Jockey Club do Rio Grande do Sul. A plataforma da Suaposta era baseada em domínio brasileiro e autorizada pelo Ministério da Agricultura e, em 2019, a Betsson a adquiriu.
Hoje, a Betsson oferece uma plataforma de apostas online com corridas de cavalos. Esta semana, está lançando o BetssonFC para o mercado brasileiro, um jogo de Fantasy Soccer em que os participantes escolhem o time com verdadeiros jogadores profissionais do esporte. O jogo funciona por rodada, de acordo com cada campeonato de futebol, e os jogadores que escolherem os melhores times levam os prêmios.
A estrutura regulatória brasileira é extremamente restritiva; tudo o que não está expressamente autorizado, é proibido, segundo Gelfi. “A atividade de jogos é proibida a menos que seja permitida. No nosso setor, o principal motivador é ter licença; não há negócios sem licença. No nosso caso, de companhia aberta, se não tivermos o nosso compliance em dia, não há negócios, por isso nos esforçamos para trabalhar com a devida segurança jurídica.”
A Wanna também está disposta a cumprir os regulamentos assim que eles forem estabelecidos. “Acho que ter mercado regulado vai nos dar uma vantagem; uma das coisas em que estamos nos concentrando na Wanna é que somos amigos do jogador. Queremos que o jogador tenha a melhor experiência, queremos que ele ganhe, muito por conta da natureza pública da plataforma, onde é como a mídia social. Você pode ver meu nome e quem eu sou; mantém o jogador seguro”, argumenta Coffman.
“No Brasil, uma das coisas com que reguladores e políticos estão preocupados é ‘não quero que as pessoas do meu país se tornem viciadas em jogos de azar’. Então, sinto que Wanna tem o melhor modelo para evitar isso”, afirma.
“Eu ouvi isso de um pastor uma vez: ele disse que o vício cresce em segredo. Neste momento, as apostas desportivas são muito secretas e muito privadas, por isso é fácil as pessoas ficarem viciadas e é por isso que todos têm medo. Mas, com a Wanna, queremos ser amigos do jogador, então você tem menos probabilidade de se tornar viciado quando tudo é público e todos estão assistindo “, enfatiza Coffman.
Fonte: LABS