A preocupação crescente colocou o tema, inclusive, na Agenda 2020+5 do Comitê Olímpico Internacional (COI). Na apresentação de Lenny Abbey, líder de engajamento da entidade, no Congresso do COB, em março, o esporte seguro e limpo foi uma das 15 recomendações para o futuro.
Os números sustentam a importância dada ao assunto. A International Betting Integrity Association (IBIA) relatou 236 casos de apostas suspeitas a autoridades em 2021. Nos últimos cinco anos, a organização deu 1.222 alertas em 19 esportes em 101 países. O tênis e futebol lideram, principalmente, em ligas menores, partidas de menor relevância e com pouca transmissão.
No ano passado, por exemplo, a tenista russa Yana Sizikova, de 26 anos, chegou a ser detida por um dia em Paris por corrupção e fraude. A número 999 do mundo é suspeita de ter perdido deliberadamente uma partida de duplas no torneio Roland Garros em 2020.
Em 2020, mais de 200 sites receberam apostas para o que seria um jogo amistoso entre o Andraus do Paraná e o Serrano da Paraíba, que nunca aconteceu. A Sportradar analisou os padrões de apostas de 903 partidas suspeitas em 2021. A estimativa do lucro desses eventos foi de € 165 milhões (cerca de R$ 840 milhões).
"Segundo a Sportradar, as partidas de futebol manipuladas ficavam em torno de 42 em 2019 e 2020. O número saltou para 88 casos em 2021. As quadrilhas são especializadas, mas não têm sido identificadas. As investigações e sanções nessa área ainda são muito tímidas, daí a necessidade de um trabalho de cooperação e programa efetivo de integridade nas organizações esportivas", diz Paulo Schmitt, procurador-geral da Justiça Desportiva Antidopagem.
Schmitt aponta que o melhor caminho é a educação e conscientização na base para evitar o aliciamento de jovens atletas:
"Os melhores resultados para prevenir manipulações estão nos pilares de adequação legislativa, educação, canais de denúncia e ações de inteligência e cooperação. Se não tiver isso, o processo é o inverso e o monitoramento vai indicar o jogo já manipulado. É um crime que compensa, não envolve violência e as quadrilhas estão investindo muito nisso para lavagem de dinheiro".
A Federação Paulista de Futebol (FPF) é uma das poucas entidades que já trabalham no combate às fraudes, com identificação de casos, encaminhamento para autoridades policiais e judiciárias, além de penalidade pelo tribunal desportivo.
O COB, sob supervisão do COI, começou a implementar medidas de prevenção, como treinamento de atletas do Time Brasil e inclusão do assunto no canal de denúncias da entidade. Há a previsão ainda de instituir um Comitê de Defesa do Jogo Limpo e uma plataforma nacional de cooperação de órgãos de inteligência e autoridades esportivas a ser integrada com diversos entes envolvidos.
Em âmbito internacional, já se discute a criação de uma plataforma global de cooperação entre governos, entidades esportivas e operadores para a regulação e o monitoramento das apostas nos moldes da Agência Mundial Antidoping (Wada). A ideia seria oferecer alertas em tempo real a todas as partes interessadas.
"Nos Estados Unidos, por exemplo, a NBA lidera movimento com as principais ligas para garantir uma compensação dos operadores de apostas às entidades esportivas: 1% do valor total apostado em seus jogos. E também pede o direito de restringir apostas nos próprios jogos, pois certos tipos são mais suscetíveis a manipulação do que outros", explica Pedro Trengrouse, especialista em direito esportivo.
No Brasil, a base legal das apostas esportivas está na Lei nº 13.756, de 12 de dezembro de 2018, porém ainda não ocorreu a regulamentação prevista pelo Ministério da Fazenda, cujo prazo é dezembro deste ano. É importante regulamentar os operadores justamente para ser possível identificá-los e monitorar possíveis fraudes. Relator do PL 442/91, que pretende regulamentar os jogos de azar no país, Felipe Carreras (PSB-PE) também trabalha na mudança da Lei Pelé.
Ele incluiu no relatório duas alterações: os operadores de apostas esportivas devem ser autorizados pelo COB, para as modalidades olímpicas, e pelas respectiva confederações, caso não seja modalidade olímpica e o COB ou as confederações poderão realizar auditorias.
"Entendemos que a destinação de recursos para os árbitros das modalidades esportivas deixa o sistema mais robusto diante das eventuais tentativas de fraudes, portanto, propomos um pequeno percentual dos recursos das loterias para esses profissionais. Acredito ser fundamental e urgente a criação de uma agência para regular esse setor", disse o deputado.
Fonte: O Globo