DOM 19 DE MAYO DE 2024 - 19:14hs.
Rafael Marchetti Marcondes, chief legal officer do Rei do Pitaco

Receita das apostas esportivas escorre pelas mãos do governo brasileiro

A falta de ação por parte do governo brasileiro quanto à regulamentação das apostas esportivas faz com que o país deixe de arrecadar três tipos de receitas: a das licenças, os impostos pagos pelos operadores e o ganho indireto com a circulação de capital. Esse é conceito que o advogado Rafael Marchetti Marcondes segue em artigo publicado no Lei em Campo. Ele lembra ainda que tanto os Estados Unidos quanto o Brasil legalizaram a atividade em 2018, mas “a semelhança entre os países para por aí”, já que nos EUA o setor está regulado e gerando riquezas.

Diz o ditado que sempre que se fecha uma porta, abre-se uma janela. Ditados são conhecimentos populares que passam de geração para geração.

Mas a sua perpetuidade não é sinônimo de veracidade, e muito menos significa que são verdades absolutas. Afinal, para toda regra há uma exceção. E é exatamente diante de uma situação como essa que parecemos estar diante.

De um lado o governo brasileiro definha com a falta de recursos para políticas públicas ligadas às mais diversas áreas, como saúde, educação, segurança e assistência social. Por outro lado, uma fonte descomunal de recursos não é aproveitada: as apostas esportivas.

As apostas esportivas foram legalizadas no Brasil em 2018, por meio da Lei 13.756, ainda na gestão de Michel Temer. No mesmo ano, a Suprema Corte dos Estados Unidos, em caso envolvendo o Estado de Nova Jersey, declarou inconstitucional uma restrição federal que proibia a prática das apostas em quase todos os Estados norte-americanos. Em resumo, Brasil e Estados Unidos, por meios diferentes, reconheceram ambos em 2018 a legalidade das apostas esportivas. Nesse momento, para os dois países faltava apenas a regulamentação da atividade.

A semelhança entre os países para por aí. Pois enquanto nos Estados Unidos os governos estaduais rapidamente começaram a se movimentar e a regulamentar as apostas em suas jurisdições, no Brasil, o governo federal, que inicialmente dispunha de dois anos para fazer isso, nada fez, deixando transcorrer o prazo e adentrado em uma prorrogação de mais dois anos que a lei lhe facultava para implementar a regulamentação.

Preocupa o fato de nos aproximarmos do fim desse prazo de prorrogação – que se encerra na primeira quinzena de dezembro de 2022 – não havendo uma sinalização clara do governo do Brasil se serão ou não editadas normas regulamentadoras.

Enquanto isso, nos Estados Unidos, onde a regulamentação aconteceu de forma eficiente em muitas localidades, um mercado até então inexistente, se tornou rapidamente um mercado gigantesco. Passados quatro anos da legalização das apostas esportivas, já são mais de US$ 125 bilhões movimentados com as apostas esportivas.

A abertura do mercado e toda essa movimentação financeira pode gerar três tipos de receitas para o Brasil: (i) a decorrente da compra das licenças/autorizações pelos operadores; (ii) com os tributos pagos pelos operadores; e (iii) os ganhos indiretos auferidos com a circulação do capital gerado na operação com empregos diretos e indiretos que são criados.

No atual contexto, no qual o país permite que empresas de apostas operem em território nacional com suas sedes localizadas em no exterior, o Estado brasileiro deixa de arrecadar (i) o dinheiro da concessão das licenças/autorizações; (ii) os tributos; e (iii) as receitas indiretas que os recursos gerados na operação podem gerar. Em suma, de três potenciais fontes de arrecadação que poderiam ser oferecidas pelas apostas esportivas, infelizmente, o Brasil não se beneficia de nenhuma delas.

E mais, ao não regulamentar as apostas esportivas permite-se que empresas descomprometidas com o consumidor final, políticas públicas e com a transparência da atividade, operem no Brasil, descredibilizando o setor. Hoje estima-se que existam cerca de 450 casas de apostas operando no País.

A pergunta que fica no ar é qual o caminho que o Brasil pretende percorrer? O de mercados sérios como Inglaterra e Estados Unidos que permitem a atividade, faturam com ela e fixam diretrizes claras para operadores e consumidores se sentirem seguros? Ou o caminho de mercados descomprometidos, que permitem que quaisquer empresas operem sem fiscalização, ignorando-se as consequências nefastas disso, principalmente para os consumidores, que ficam despidos de qualquer segurança jurídica, e a exposição a crimes de lavagem de dinheiro, dentre outros malefícios?

Como dizem por aí, o cavalo só passa selado uma vez, ou você pula nele, ou perde a oportunidade. Esse cavalo chamado apostas esportivas carrega consigo três pesadas sacolas de dinheiro, relativas ao custo das licenças, aos tributos arrecadados e outra com os recursos gerados com a operação, o que o torna ainda mais atraente. O Brasil vai montar esse cavalo ou vai deixar passar??? Afinal, por mais que o ditado diga que sempre que uma porta se fecha, se abre uma janela, como dissemos no início, ditados populares não são verdades absolutas. O país está disposto a correr o risco de perder essa oportunidade? Sinceramente, espero que não.

Rafael Marchetti Marcondes
Cchief legal officer do Rei do Pitaco. Professor de Direito Esportivo e Tributário. Doutor e mestre em Direito Tributário pela PUC/SP. Mestre em Gestão Esportiva pelo ISDE/ FC Barcelona. Especialista em Direito Tributário pela FGV/SP. Bacharel em Direito pela PUC/SP. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD).