SÁB 13 DE DICIEMBRE DE 2025 - 19:32hs.
Dados da consultoria Regulus Partners

BBC News: Como o Brasil se tornou 5º maior mercado de bets no mundo

Empresas de apostas online devem faturar US$ 4,139 bilhões (cerca de R$ 22 bilhões) no Brasil em 2025, posicionando o país como quinto maior mercado do mundo para o setor, conforme os dados obtidos com exclusividade pela BBC News Brasil com a consultoria internacional Regulus Partners, focada no setor de esportes e lazer. Neste artigo falam Antonio Forjaz (Entain) e André Gelfi (IBJR e Betsson), entre outros.

O mercado brasileiro de apostas online tem experimentado um crescimento exponencial nos últimos anos, a ponto de o país ser incluído pela primeira vez na lista da Regulus Partners como um dos cinco maiores mercados globais, atrás apenas de Estados Unidos, Reino Unido, Itália e Rússia.

As projeções, feitas com base nos relatórios financeiros de companhias abertas e em informações disponíveis sobre os valores movimentados no setor, colocam os Estados Unidos em um distante primeiro lugar, com receita líquida (descontados impostos) estimada de US$ 17,312 bilhões, seguidos por Reino Unido (US$ 9,901 bilhões), Itália (US$ 4,617 bilhões) e Rússia (US$ 4,515 bilhões).

Os números dialogam com as estatísticas da Secretaria de Prêmios e Apostas, que recentemente divulgou que as 78 empresas hoje autorizadas a operar no país faturaram R$ 17,4 bilhões no primeiro semestre de 2025.

Essa é a primeira vez que o Brasil é considerado na lista de maiores mercados da Regulus Partners, já que até 2024 não havia regulamentação para a operação das bets no país.

Mesmo sem dados precisos de anos anteriores, Paul Leyland, especialista da área de modelos econômicos, financeiros e de negócios em jogos de azar da consultoria, destaca o crescimento agressivo do mercado brasileiro na última década, que era estimado em apenas US$ 300 milhões em 2014. "O impulso maior veio especialmente com os lockdowns na pandemia de covid-19", ele comenta.

O impulso para esse crescimento acelerado não veio apenas da pandemia de COVID-19, quando os lockdowns aumentaram o consumo digital, mas também de uma série de fatores estruturais: o alto nível de bancarização da população, a popularização do Pix, o histórico de proibição de jogos de azar no país, que gerou demanda reprimida, a abertura dos brasileiros a novas tecnologias e estratégias agressivas de marketing das empresas do setor.

Durante os sete anos entre a legalização das apostas em 2018 e a regulamentação efetiva em 2024, o setor operou praticamente sem regras, o que permitiu às empresas desenvolverem estratégias altamente persuasivas para atrair usuários.

Plataformas intuitivas, sistemas de recompensa, notificações, missões e jogos internos tornaram a experiência de apostar no celular rápida, prática e envolvente. Especialistas como o pesquisador no Centro de Desenvolvimento Internacional da Harvard Kennedy School, Victo Silva, destacam que o Brasil se tornou um verdadeiro laboratório de economia comportamental, explorando vieses cognitivos e sociais dos apostadores de maneira sistemática.

O futebol desempenha um papel central nesse cenário. Entre os 20 clubes da Série A do Campeonato Brasileiro, 18 possuem patrocínios de casas de apostas, com os cinco maiores contratos somando mais de meio bilhão de reais.

Em países como a Colômbia e o México, por exemplo, muitos apostadores fazem o depósito e retiram o prêmio em dinheiro vivo, em um estabelecimento físico, conta Antonio Forjaz, diretor-geral na América Latina da Entain, dona da Sportingbet. Nesses casos, a aposta online tem uma etapa offline, o que na prática vira um obstáculo na jornada do apostador.

"Na Colômbia, por exemplo, existem depósitos que são feitos meio que em banca de jornal, em lojinhas, sabe? Aqui é diferente, tudo é pix, é tudo instantâneo", pontua o executivo, comentando que o alto nível de bancarização da população e o ecossistema de pagamentos digitais consolidado fazem do Brasil um local mais seguro para operar.

Segundo ele, o país é hoje um dos mercados mais importantes para a Entain, multinacional britânica. "É tipo os EUA, um país de alto crescimento e muito foco [por parte da empresa], por já ter uma receita considerável e porque acredita-se muito no potencial", afirma.

André Gelfi, diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR) e sócio-diretor da Betsson, acrescenta que, além do nível elevado de bancarização, o brasileiro é muito mais aberto a novas tecnologias, a "consumir a partir do digital, e essa é uma indústria que está toda digitalizada", comenta.

Outro fator que, na visão do executivo, também explica o crescimento das apostas online no Brasil é o longo histórico de proibição de jogos de azar no país, que criou uma espécie de demanda reprimida nesse segmento.

"O Brasil tem um regime de proibição quase total de jogos de azar há mais de 80 anos. Na hora em que aparece uma alternativa de jogo, de entretenimento com essas características que está no seu telefone, no seu bolso, a pessoa fala: 'Nossa, que legal! Nunca tinha visto isso'", pontua Gelfi.

A Betano, patrocinadora do Flamengo, encabeça a lista com R$ 220 milhões, seguida por Superbet, Esportes da Sorte, Sportingbet e H2Bet. Para as empresas, essa associação com o esporte mais popular do país não apenas garante visibilidade, mas também legitima socialmente o ato de apostar, integrando-o à rotina e à cultura do torcedor brasileiro.

Apesar do crescimento econômico e da digitalização avançada, especialistas alertam para riscos sociais e financeiros. Silva compara as apostas a “bens tentadores”, como o cigarro, cujo consumo deve ser regulado para evitar danos à população. Dados indicam que milhões de beneficiários do Bolsa Família chegaram a transferir recursos via Pix para empresas de apostas, levando o Supremo Tribunal Federal (STF) a restringir recentemente o uso de fundos assistenciais para esse fim.

A publicidade ostensiva e disseminada também é um componente importante, conforme as fontes ouvidas pela BBC News Brasil. Antes desconhecidas, as marcas das empresas de apostas hoje aparecem para os brasileiros com grande frequência. Elas estão nas camisas de jogadores de futebol, em camarotes de Carnaval, nas redes sociais, nas páginas de influenciadores e até em ônibus municipais no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Esse movimento, na avaliação do economista Victo Silva, ajudou a "normalizar" a atividade de apostar e as próprias bets. Na perspectiva das empresas, Forjaz pontua que, em um mercado em que os produtos têm pouca diferenciação, como é o caso do de apostas, a publicidade é uma estratégia para se fixar na memória dos consumidores em potencial.

E, nesse sentido, o futebol tem atuado como um dos maiores impulsionadores das bets com um papel duplo, como veículo de publicidade e objeto das apostas. Entre os 20 times que hoje estão na série A do Brasileirão, 18 exibem marcas de bets na camisa. Os cinco maiores contratos de patrocínio somam mais de meio bilhão de reais, conforme os valores noticiados recentemente pela imprensa esportiva.

No topo da lista está a Betano, com patrocínio de R$ 220 milhões ao Flamengo. A marca pertence à multinacional Kaizen Gaming International, com sede na Grécia, que declinou o pedido de entrevista feito pela reportagem. Depois vêm a romena Superbet (R$ 113 milhões ao São Paulo), a brasileira Esportes da Sorte (R$ 103 milhões ao Corinthians), a Sportingbet (R$ 100 milhões ao Palmeiras) e a brasileira H2Bet (R$ 60 milhões ao Atlético Mineiro).

A regulamentação hoje em vigor proíbe a publicidade que tenha como alvo crianças e adolescentes. Desde 2023 tramita no Congresso um projeto de lei que propõe uma lista de restrições mais duras, incluindo a proibição de anúncios com atletas, artistas, influenciadores e outras figuras públicas. O PL foi aprovado no Senado em maio de 2025 e atualmente encontra-se parado na Câmara.

Para André Gelfi, do IBJR, entidade que reúne empresas por trás de 24 marcas de bets, essa discussão é "prematura". Seu argumento é de que ainda existe um grande mercado ilegal de apostas online e que a publicidade ajudaria a canalizar a demanda para as empresas que atuam legalmente e estão devidamente registradas.

Forjaz, da Entain, expressa visão parecida, acrescentando que no mercado ilegal "não há verificação de identidade, proteção contra lavagem de dinheiro, verificação de utilização por menores, nenhum tipo de compromisso de comunicação nem pagamento de imposto".

Sobre a relação com o futebol, o executivo afirma que os recursos injetados pelo setor no esporte têm ajudado o futebol brasileiro a se desenvolver. "Então, se tirarmos do futebol, vai ter a vantagem de não aparecer tanta marca para as pessoas? Talvez. Vai ter uma desvantagem muito clara, que os clubes não vão continuar a se desenvolver como têm se desenvolvido", completa Forjaz.

Fonte: BBC News / GMB