A segunda temporada da KLB - Kings League Brasil está prestes a começar, as novidades inflamam os amantes da modalidade. Em 19 de maio mais de 40 mil pessoas foram ao Allianz Parque assistir à grande final da primeira edição desta competição, que consagrou o time da Fúria como o primeiro campeão deste inusitado torneio.
Com regras diferenciadas, tempo reduzido de jogo e forte apelo interativo, a KLB foi um verdadeiro sucesso, se tornando a edição mais assistida da história da competição na sua primeira temporada, atingindo cerca de 78,8 milhões de visualizações em transmissões ao vivo ao longo da temporada. A final da KLB foi transmitida via Youtube, pela CazéTV, atingindo o pico de 900 mil3 aparelhos conectados, com uma média de audiência de 635 mil ao longo da partida
A liga foi idealizada com o objetivo de oferecer aos espectadores um formato mais dinâmico e voltado ao entretenimento, visando conquistar especialmente a geração "Z". A proposta diverge do futebol tradicional, ao mesclar elementos de espetáculo, de games e participação direta de influenciadores e ex-jogadores renomados, tornando-se um fenômeno de audiência e engajamento nas redes sociais.
A Kings League é uma competição de futebol 7 criada em 2022 pelo ex-jogador espanhol Gerard Piqué em parceria com o streamer Ibai Llanos, com o objetivo de transformar o futebol em um produto de entretenimento, com forte apelo nas redes sociais e visando alcançar o público jovem. A competição mistura elementos do futebol com inovações inspiradas em jogos eletrônicos e reality shows, como cartas com poderes especiais, pênalti presidente, ativação de patrocinadores, dentre outros.
Com o sucesso da edição espanhola, a Kings League chegou ao Brasil neste ano, sob a presidência do ex-jogador campeão do mundo, Kaká, bem como a participação de celebridades e jogadores profissionais figurando como presidentes dos clubes, como Neymar Jr, Ludmilla, Whinderson Nunes, Gaules, Luva de Pedreiro, Jon Vlogs, Nobru, entre outros.
As partidas possuem a duração de 40 minutos, sendo divididas em dois tempos de 20 minutos. A partida se inicia com um duelo entre dois jogadores (de cada time), e a cada minuto um novo atleta é adicionado ao campo, até a formação completa das equipes (sete jogadores).
Como foi dito, o campeonato permite que os times ativem "cartas" com efeitos especiais (como gols dobrados, pênaltis ou exclusão temporária do adversário), além de permitir a entrada de jogadores convidados. Há ainda o "pênalti do presidente", que autoriza o presidente da equipe a entrar em campo para cobrar um pênalti, reforçando o caráter lúdico da competição.
Não há, até o momento, vínculo com federações esportivas oficiais, como a CBF - Confederação Brasileira de Futebol ou a CBF7 - Confederação Brasileira de Futebol 7, o que caracteriza a Kings League como um torneio privado e desregulamentado no cenário esportivo tradicional.
A lei 14.790/235, que trata sobre a exploração das apostas de quota fixa em território nacional, dispõe que, para que os eventos esportivos sejam considerados aptos à exploração pelas casas de apostas, é imprescindível que: (i) o resultado não seja manipulado; (ii) a integridade esportiva seja assegurada; e (iii) a disputa seja caracterizadamente autêntica e baseada em mérito esportivo.
Nesse sentido, a Kings League levanta questionamentos quanto ao cumprimento desses requisitos. As intervenções externas dos presidentes, as regras modificáveis via cartas especiais, e a ausência de federação autônoma que assegure a fiscalização e integridade esportiva são fatores que colocam a liga sob uma zona cinzenta de insegurança jurídica no que diz respeito à sua aptidão para integrar a lista de eventos habilitados à exploração comercial por casas de apostas.
Outrossim, a portaria MESP 36 de 20256, em sua redação lista as modalidades esportivas e entidades de prática esportiva que podem ser objeto de apostas de quota fixa de que trata o inciso I do art. 3º da lei 14.790.
O art. 3° desta portaria veda expressamente as apostas em eventos e competições esportivas de caráter não profissional que não sejam reconhecidas oficialmente pelas entidades competentes, especialmente aqueles que envolvam praticantes não profissionais sem vínculo com entidades esportivas reconhecidas ou que não atendam aos critérios de profissionalização estabelecidos pela legislação vigente.
Diante desse cenário normativo, e tendo em vista que a Kings League Brasil não atende aos requisitos legais de profissionalização, integridade institucional e reconhecimento federativo, conclui-se que os jogos desta competição não estão, atualmente, aptos a serem explorados como objeto de apostas esportivas legalizadas no Brasil.
Ademais, KLB apresenta situações que ensejam conflitos de interesses, especialmente porque grande parte dos presidentes de times e jogadores são patrocinados por casas de apostas e, inclusive, realizam publicamente campanhas promocionais incentivando seus seguidores a apostarem nas partidas que disputam. Em diversos casos, esses mesmos indivíduos afirmam realizar apostas nos jogos em que participam diretamente, seja na qualidade de atletas ou gestores estratégicos das equipes.
Tal conduta é expressamente vedada pelo art. 14, inciso V, alíneas "a" e "d" da lei 14.790/23, que proíbe que pessoas com influência direta ou indireta sobre o resultado do evento esportivo realizem apostas ou participem de ações promocionais ligadas à exploração comercial daquele evento. A vedação visa justamente prevenir o desequilíbrio competitivo, o conflito de interesses e a manipulação de resultados motivada por interesses financeiros extradesportivos.
Além disso, a situação se agrava quando se analisa o perfil dos atletas que foram selecionados por meio do sistema de draft7, os quais, segundo informações públicas, recebem a remuneração mensal equivalente a um salário-mínimo8 para competir na liga.
Como esses jogadores representam a maioria dos atletas em atividade na competição e atuam sob baixa remuneração, sem proteção institucional ou representação sindical, encontram-se em condição de maior vulnerabilidade econômica e contratual, o que eleva significativamente o risco de manipulação de partidas mediante interesses externos.
Somando-se a isso a ausência de fiscalização por parte de qualquer entidade desportiva independente, tem-se um ambiente normativo permissivo, onde o risco de integridade compromete não apenas a confiabilidade da competição, mas também a legalidade da eventual exploração de seus jogos por operadores de apostas esportivas.
Diante do atual contexto normativo e estrutural da Kings League Brasil, constata-se que a competição, nos moldes atuais, não atende aos requisitos legais e regulamentares exigidos para ser explorada como objeto de apostas de quota fixa no Brasil.
A ausência de reconhecimento oficial por entidade desportiva competente, a natureza predominantemente não profissional dos atletas, os potenciais conflitos de interesse - sobretudo pela atuação simultânea de jogadores e dirigentes como promotores comerciais de casas de apostas e apostadores -, e a falta de mecanismos autônomos de fiscalização e integridade inviabilizam, neste momento, a legalidade das apostas envolvendo a liga.
Para que esse cenário possa ser revertido, será necessário que o Ministério do Esporte, promova a inclusão da Kings League na lista de esportes e modalizadas autorizadas a serem alvo de exploração de apostas esportivas, retificando a portaria MESP 1259, incluindo a competição no rol das modalidades previstas no inciso VI, do art. 2°.
Além disso, a estrutura da competição precisará evoluir: será indispensável elevar a remuneração dos jogadores draftados, estabelecer mecanismos formais de integridade esportiva, e implementar fiscalização independente e contínua sobre as apostas e seus efeitos no ambiente competitivo.
Somente com essas reformas estruturais e regulatórias será possível compatibilizar o caráter inovador da Kings League com os princípios da integridade esportiva e da segurança jurídica que norteiam o sistema brasileiro de apostas legalizadas.
Eduardo de Jesus Junior
Especialista atuante em Direito Regulatório da WFaria Advogados, com foco em Apostas, Compliance & Investigações. Membro da Comissão de Compliance da OAB/SP, possui experiência em compliance, regulatório, societário, contratual.