Relator do caso, o Ministro André Mendonça, que havia votado por negar o recurso, foi voto vencido. Prevaleceu o entendimento do Ministro Gilmar Mendes, acompanhado pelo Ministro Dias Tofolli. Eles alegaram a “atipicidade da conduta” – ou seja, a lei não explicita a ação como um crime. Os ministros Nunes Marques e Luiz Fux não participaram do julgamento.
Com a decisão, a ação penal da qual Cariús é réu fica trancada. Cariús foi denunciado pelo artigo 198 da Lei Geral do Esporte, que afirma:
"Solicitar ou aceitar, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado."
O Ministro Gilmar Mendes acolheu a tese da defesa, de que a atitude do atleta não teve a intenção de alterar o resultado da partida ou do campeonato, mas o de promover o êxito de uma aposta esportiva – o que, segundo ele, não é criminalizado pela Lei Geral do Esporte.
Gilmar rejeitou o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que havia negado o habeas corpus com o argumento de que cartões são critério de desempate no Campeonato Brasileiro e que, por isso, forçar punições do tipo alteraria o resultado do evento.
“Penso que a conduta de tomar um único cartão amarelo não é suficiente para alterar o resultado de uma competição”, afirmou Gilmar durante a leitura de seu voto.
A decisão vai de encontro com o pensamento de especialistas em integridade esportiva, que defendem punições na esfera penal a atletas que forcem cartões a mando de apostadores.
“A legislação esclarece que a proteção da integridade esportiva não se limita ao resultado final, mas abrange todas as circunstâncias que possam impactar a lisura e a transparência do esporte. Portanto, a prática de forçar um cartão amarelo, que pode influenciar a classificação em campeonatos, é considerada uma infração grave e sujeita a penalidades severas”, afirmou o ex-Procurador-Geral do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), Paulo Schmitt, que hoje preside o Comitê de Integridade da Federação Paulista de Futebol.
Na Justiça Desportiva, Cariús foi punido. Ele foi suspenso por um ano por ter recebido, segundo o Ministério Público, R$ 30 mil de apostadores para forçar um cartão amarelo no jogo do Cuiabá contra o Atlético-MG, em 2022.
A decisão do STF não se aplica automaticamente a todos os casos do tipo. O atacante Bruno Henrique, do Flamengo, por exemplo, está sendo processado por ter supostamente tomado um cartão amarelo em 2023 para beneficiar seu irmão e outros conhecidos em apostas esportivas. Ele foi absolvido no STJD.

A defesa de Igor Cariús, formada pelos advogados Vinicius Costa Rocha, Ademar Rigueira e Rafael Carneiro se manifestou em nota:
"Na data de hoje, em sessão composta pelos Ministros André Mendonça, Gilmar Mendes, e Dias Toffoli, a 2ª Turma do STF concedeu, por maioria, a ordem de habeas corpus (AgRg no RHC nº 238757) para trancar a ação penal decorrente da "Operação Penalidade Máxima III" pela manifesta atipicidade da conduta imputada ao atleta Igor Aquino da Silva (Igor Cariús), do Sport Club do Recife.
A conduta imputada na denúncia era a de aceitação de vantagem indevida para receber punição com cartão amarelo durante o jogo entre Atlético-MG e Cuiabá (equipe na qual atuava), pela Série A do Campeonato Brasileiro de 2022 – o que configuraria, na visão do Ministério Público do Estado de Goiás, a prática do crime previsto no art. 198 da Lei Geral do Esporte (Lei n.º 14.597/2023).
A discussão da defesa se centrou na atipicidade da conduta imputada ao atleta diante da análise jurídico-penal do caso, uma vez que o art. 198 da Lei Geral do Esporte incrimina apenas os pactos de vantagem indevida destinados a alterar ou falsear o resultado da competição esportiva.
Na sessão deste dia 02 de dezembro, o Min. Gilmar Mendes acatou a tese defensiva para dar provimento ao Agravo Regimental e conceder a ordem de habeas corpus impetrada, pois “o tipo penal imputado teve sua hipótese de incidência restringida a condutas que almejem alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado, tem-se que o reconhecimento da atipicidade da conduta é medida que se impõe no caso concreto”.
No mesmo sentido, o Min. Dias Toffoli acompanhou a divergência por entender que “há atipicidade em razão do déficit de posicionamento que comprometesse o resultado do campeonato apresentado na inicial da denúncia”.
Com o trancamento da ação penal, cessam imediatamente todos os efeitos criminais que recaíam sobre Igor Cariús, impedindo que ele permaneça submetido a um processo sem justa causa e afastando qualquer risco de condenação por fato que não constitui crime. Além de restaurar plenamente sua condição jurídica de inocente, a decisão permite que o atleta retome sua carreira sem a sombra de uma imputação penal indevida e preservando sua integridade moral diante de acusações que extrapolavam os limites da legalidade estrita.
Fonte: ge