O mercado de apostas online no Brasil ainda se acomoda em meio ao processo de regulamentação iniciado pela Lei 14.790/2023, mas um novo desafio se aproxima: o Projeto de Lei 2.985/2023, aprovado nesta quarta (28) no Senado.
Com autoria do Senador Styvenson Valentim e relatoria do Senador Carlos Portinho, o PL propõe restrições severas às práticas de marketing, publicidade e patrocínio no setor de apostas de quota fixa.
O texto, votado de forma simbólica, agora vai à Câmara dos Deputados e pode representar um verdadeiro divisor de águas para o modelo de aquisição de clientes via mídia, afiliados, patrocínio esportivo e influenciadores digitais.
A seguir, analisamos os principais impactos do projeto e como os operadores devem se preparar para uma nova era de comunicação no mercado regulamentado.
Visão Geral do PL 2.985/2023
O objetivo declarado do projeto é proteger a população — especialmente crianças, adolescentes e grupos vulneráveis — da exposição excessiva à publicidade de apostas, alinhando o setor a padrões semelhantes aos da publicidade de bebidas alcoólicas e tabaco.
O substitutivo ao projeto inclui:
* Restrições severas de horário e conteúdo para campanhas em TV, rádio e eventos ao vivo
* Vedações ao uso de influenciadores, atletas em atividade e personalidades com apelo infantojuvenil
* Regras estritas para publicidade digital e redes sociais, exigindo autenticação e opt-in
* Proibição de qualquer material que ensine ou estimule a prática de apostas, mesmo de forma indireta
Restrições à publicidade tradicional
* Veiculação limitada ao período entre 21h e 6h
* Em transmissões ao vivo: somente 5 minutos antes e 5 minutos após o evento
* Proibida a exibição de odds dinâmicas, bônus e promoções em tempo real
* Obrigatoriedade da mensagem: “Apostas causam dependência e prejuízos a você e à sua família”.
Isso coloca o Brasil em um modelo semelhante ao “whistle-to-whistle ban” adotado no Reino Unido, com o objetivo de proteger o público infantojuvenil e evitar o estímulo impulsivo.
Publicidade digital e controle do usuário
* Permitida apenas para usuários maiores de 18 anos e devidamente autenticados
* Opt-in obrigatório para push notifications, e-mails e mensagens promocionais
* Direito do usuário de desabilitar anúncios de apostas — inclusive em plataformas com conteúdo compulsório (versões gratuitas)
Essas medidas demandarão fortes ajustes em mídia programática, remarketing e campanhas por CRM, forçando os operadores a investir em segmentações de primeira parte e comunicação altamente permissiva.
Marketing de influência e endossos
Proibição total do uso de:
* Atletas em atividade
* Celebridades, comunicadores e artistas
* Influenciadores digitais com público geral
Exceção: apenas ex-atletas aposentados há mais de 5 anos, sem apelo infantojuvenil
Impacto direto: redução do alcance, do engajamento orgânico e da prova social gerada por campanhas com rostos conhecidos. Isso compromete significativamente estratégias em redes sociais, streaming e campanhas de awareness.
Programas de afiliados sob alvo
* Afiliados estarão sujeitos às mesmas restrições de horário e conteúdo
* Proibidos conteúdos que ensinem, estimulem ou façam comparativos entre apostas, mesmo de forma didática
* Plataformas, operadores e afiliados podem ser responsabilizados solidariamente
Isso representa uma ameaça direta ao modelo de afiliados tradicional, exigindo revisão urgente de contratos e estratégias de conteúdo.
Patrocínios e naming rights
Permitido o patrocínio a times, estádios e eventos, mas com restrições:
* Proibição em uniformes de menores de 18 anos
* Proibição em camisas infantis comercializadas
* Naming rights permitidos, mas sob regras específicas
Essa mudança impacta diretamente clubes, ligas e plataformas de mídia esportiva, que têm nas bets uma das principais fontes de receita atualmente.
Impactos nos indicadores de negócio
* CAC (Custo de Aquisição por Cliente) deve subir, com menos canais e janelas de mídia
* LTV (Valor do Cliente ao Longo do Tempo) pode cair, devido à redução de recorrência induzida por campanhas e bônus
* Brand awareness será enfraquecido, especialmente com a limitação de mídia espontânea e influenciadores
* Operadores terão que compensar via gamificação, CRM, fidelização e dados próprio
Recomendações para operadores
Embora o PL 2.985/2023 ainda esteja em tramitação no Congresso e possa sofrer alterações na Câmara, flexibilizações ou até ser arquivado, o texto atual revela uma clara sinalização política e social sobre a direção que a publicidade de apostas pode tomar no Brasil.
Diante disso, os operadores devem adotar uma postura proativa e preventiva, incorporando boas práticas que reduzam riscos regulatórios e fortaleçam sua reputação junto ao público e aos órgãos fiscalizadores:
* Mapeie todos os canais de marketing utilizados atualmente, com atenção especial a campanhas com influenciadores, mídia programática e patrocínios esportivos.
* Reforce as diretrizes internas de compliance publicitário, mesmo sem obrigação formal, adotando políticas similares às de setores regulados como bebidas alcoólicas e produtos financeiros.
* Implemente sistemas robustos de verificação de idade e consentimento, especialmente para push notifications, e-mails e campanhas digitais segmentadas.
* Reveja contratos com afiliados e influenciadores, incluindo cláusulas de adequação imediata caso novas restrições sejam implementadas.
* Invista em canais próprios e em first-party data, reduzindo a dependência de mídia de massa e construindo uma base de relacionamento mais qualificada.
* Acompanhe ativamente o processo legislativo e regulatório, com apoio jurídico e institucional, para se antecipar a mudanças e adaptar-se rapidamente.
Mesmo que o projeto não avance na forma como está, o movimento regulatório mais restritivo ao marketing de apostas já está em curso, e operar com responsabilidade e transparência não é apenas prudente — é estratégico.
Conclusão: Um alerta para o futuro do marketing no iGaming
O PL 2.985/2023 representa uma proposta ambiciosa e restritiva para o marketing de apostas no Brasil — e, embora seus objetivos estejam alinhados à proteção do consumidor e à promoção do jogo responsável, seus impactos operacionais e comerciais são significativos.
Ainda que o projeto esteja em tramitação e possa ser modificado, flexibilizado ou até mesmo não prosperar, ele já serve como alerta para os operadores: a tendência é de um ambiente publicitário mais controlado, com foco em transparência, segmentação e responsabilidade social.
Por isso, mesmo sem a aprovação imediata do PL, as casas de apostas devem começar a repensar suas estratégias:
* Reduzir a dependência de mídia de massa e influenciadores;
* Priorizar canais próprios, CRM e first-party data;
* Implementar políticas de publicidade responsável, mesmo antes da obrigação legal.
Em um mercado regulado cada vez mais maduro, quem estiver à frente das exigências — e não apenas reagindo a elas — terá vantagem competitiva e reputacional.
Elvis Lourenço
Chief Product Officer do Grupo Aposta Ganha