“Nada é certo nesta vida, exceto a morte e os impostos”. A frase, eternizada por Benjamin Franklin, segue atual — especialmente no Brasil, onde, para lidar com problemas estruturais, a resposta mais rápida e certa costuma ser... aumentar impostos.
Quando um time vai mal no Brasil, a saída mais fácil costuma ser demitir o técnico pagando multas milionárias. É uma solução rápida, que dá satisfação à torcida no curto prazo, mas quase nunca resolve o problema desportivo de verdade. O elenco continua fraco, a estrutura ruim, o planejamento ausente. No setor público, aumentar imposto tem se tornado o equivalente a essa demissão simbólica: um gesto imediato, que finge ação, mas ignora a raiz da ineficiência.
Exatamente isso que estamos vendo com o possível aumento da alíquota do imposto sobre o GGR das apostas no Brasil, de 12% para 18%. A medida gerou reações imediatas de todo o setor — e com razão. A carga tributária brasileira já é alta, e o aumento repentino compromete previsibilidade, investimento e inovação em um mercado em crescimento que ainda está em consolidação.
Além disso, aumentos abruptos como esse podem gerar um efeito colateral perigoso: empurrar parte do mercado para a informalidade ou para operadores internacionais sem licença, dificultando o controle, a arrecadação e a proteção dos apostadores.
Mas o problema vai além da alíquota. Pouco se tem falado sobre a destinação dessa arrecadação. E é aí que a Lei nº 14.790/2023, que regulamenta as apostas de quota fixa no Brasil, traz um dado que precisa ser discutido com seriedade: somente 1% da arrecadação vai para o Ministério da Saúde.
A saúde ficou no banco de reservas
Esse 1% é alarmante. Justamente a área mais diretamente ligada à principal crítica ao setor de apostas — a ludopatia e seus impactos na saúde mental — recebeu a menor fatia da arrecadação. Se o discurso em torno da regulamentação é proteger a população dos riscos do vício, por que a saúde ficou tão subfinanciada?
A conta não fecha. É como reconhecer que há um incêndio, mas destinar só um balde d’água enquanto o resto dos recursos vai para pintar a fachada da casa.
Claro que há méritos em destinar recursos à educação e ao esporte. Se forem aplicados com propósito — como forma de prevenção, formação crítica, valorização de talentos e combate à manipulação de resultados — podem ser potentes aliados em uma política pública equilibrada para o setor. A educação pública básica e técnica precisa, sim, de mais investimentos. O esporte, se orientado com ética e integridade, move economias, inspira pessoas e ajuda a manter jovens longe da marginalidade e de vícios.
Mas não podemos cair na armadilha da romantização: esses recursos precisam de transparência, fiscalização e estratégia, ou serão mais uma oportunidade desperdiçada.
Turismo e publicidade: prioridades invertidas?
O setor de turismo recebe muito mais que a saúde. Mesmo que parte das apostas possa impulsionar o turismo (em especial com casas físicas no futuro e eventos esportivos), essa desproporção levanta dúvidas.
E a proposta de proibir publicidade de apostas? Aqui cabe um debate maduro: sou contra a proibição total. Defendo vedações específicas, principalmente para públicos vulneráveis, como crianças e adolescentes.
Enxergo um caminho mais responsável e moderno: exigir que as publicidades das apostas incluam obrigatoriamente mensagens sobre jogo responsável, alertas de risco, indicação de canais de acolhimento, apoio psicológico e denúncias.
A comunicação deve ser clara, ética e informativa, com linguagem acessível e visível. Mais do que disclaimers apressados, quase inaudíveis, ou frases em letras miúdas no rodapé, é preciso que o jogo responsável seja o foco — e não uma mera consequência ou exigência burocrática.
As campanhas devem destinar um percentual significativo de seus investimentos em mídia especificamente para conteúdos educativos e preventivos. Não se trata apenas de “informar o risco”, mas de fazer disso parte ativa e protagonista da comunicação.
Inserções publicitárias, transmissões esportivas, redes sociais, plataformas digitais — tudo isso deve incluir blocos regulares de conscientização, com linguagem adequada, acessível e inclusiva. Isso pode se dar por meio de depoimentos reais, explicações sobre os sinais da dependência, simulações financeiras, ou indicações de onde e como buscar ajuda.
É nesse ponto que o papel de instituições como o CONAR se torna ainda mais relevante. O CONAR já tem um histórico de estabelecer limites e diretrizes claras para publicidade de bebidas alcoólicas, medicamentos e outros setores sensíveis — e deve atuar de forma ativa também no setor de apostas, garantindo que as campanhas respeitem princípios éticos, não se dirijam a públicos vulneráveis, e promovam, de fato, responsabilidade.
Por outro lado, é fundamental reconhecer que nenhum setor se sustenta sem poder apresentar sua marca, seus serviços e sua proposta de valor. Vedar totalmente a publicidade pode provocar um efeito colateral perigoso: empurrar o mercado para a clandestinidade, levar à retirada de patrocínios de clubes e eventos, ou dificultar a entrada de operadores comprometidos com boas práticas. O desafio está no equilíbrio. Regulamentar com critérios claros é muito mais eficaz do que apagar o setor ou fingir que ele não existe.
Então, o que deveria estar em pauta?
- Rever urgentemente o percentual da saúde, elevando o repasse ao Ministério da Saúde, especialmente para ações de prevenção e tratamento da ludopatia via SUS.
- Garantir que os percentuais do esporte e da educação sejam usados com foco em integridade, formação e inclusão.
- Transparência na aplicação de recursos do turismo e da segurança, com metas e impacto social mensurável.
- Rejeitar soluções simplistas como proibir totalmente a publicidade: o ideal é regulamentar com critérios claros, exigências de responsabilidade e foco em proteção ao consumidor, principalmente os mais vulneráveis.
Sou absolutamente contra aumentos de impostos como primeira resposta a qualquer desafio fiscal. Seja nas apostas, combustíveis ou serviços, a elevação da carga tributária deveria ser o último recurso, nunca o primeiro. Pior ainda é cobrar mais e continuar aplicando de forma incoerente, desproporcional e sem escuta ativa.
No caso das apostas, o maior risco alegado é o vício. A resposta pública deveria refletir isso, destinando mais recursos à saúde e fortalecendo políticas públicas com orçamento, estrutura e ações coordenadas.
Também é hora de ouvir mais quem está dentro do setor — profissionais sérios, independentes e comprometidos com integridade, e não apenas os interesses individuais ou comerciais. Iniciativas como a ABC-BET Associação Brasileira de Conformidade, Boas práticas, Ética e Transparência em Apostas, por exemplo, reúnem especialistas com experiência em regulação, prevenção à lavagem de dinheiro, governança, integridade esportiva e responsabilidade social. Ouvir essas vozes é fundamental para equilibrar os avanços econômicos com proteção ao consumidor e sustentabilidade do setor.
A regulamentação bem construída pode trazer inúmeros benefícios: geração de empregos, arrecadação consistente, incentivo ao turismo, patrocínio a modalidades esportivas e fortalecimento da integridade no esporte e no entretenimento. Mas isso só será possível se a escuta ativa fizer parte do processo regulatório, com diálogo transparente, base técnica e compromisso com o interesse público.
Porque, do jeito que está, o técnico continua sendo penalizado — mas o time segue perdendo.
Vinicius Pinho
Fundador e vice-presidente da Associação Brasileira de Conformidade, Boas Práticas, Ética e Transparência em Apostas Esportivas (ABC-Bet).
Especialista em compliance, integridade, gestão de riscos, prevenção a ilícitos e capacitação estratégica, com foco em ética corporativa e boas práticas nos setores financeiro, de meios de pagamento e no ecossistema de apostas e jogos.