A Betano foi a primeira a solicitar uma licença no Brasil no ano passado e, segundo a H2 Gambling Capital, é atualmente a principal operadora do mercado regulado. Mas, assim como seus concorrentes licenciados, a Betano enfrentou desafios iniciais — especialmente no entendimento dos novos e rigorosos requisitos de KYC e da ainda proeminente presença do mercado ilegal. Obter uma licença no país foi um processo caro e árduo para os operadores, com muitas barreiras à entrada.
Apesar do processo longo, que prometia beneficiar os licenciados por meio de proteções mais fortes aos jogadores e uma forte repressão ao mercado ilegal, operadores ilegais ainda continuam ativos.
Em março, o cofundador e CEO do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), André Gelfi, alertou que o mercado ilegal ainda era responsável por cerca de 60% da receita bruta mensal de jogos (GGR) no país.
Ioannis Spanoudakis afirma que o “mercado ilegal muito significativo” continua sendo o principal desafio para os operadores licenciados no Brasil.
“O jogo online é uma indústria grande e em rápido crescimento, que deve operar de forma responsável”, disse ele ao iGB. “Uma parte fundamental disso é eliminar o mercado ilegal e migrar os jogadores para o ecossistema legal. Claro que, quando os operadores ilegais prosperam, o Estado perde uma receita tributária significativa que poderia ser reinvestida em serviços públicos, incluindo programas de prevenção e tratamento”.
Apesar dessas preocupações contínuas, Spanoudakis considera necessário reconhecer os avanços que foram feitos desde o lançamento do mercado em 1º de janeiro. “Claro que, devido ao grande volume de operadores não autorizados, combater o mercado ilegal será um esforço complexo e demorado”, continua ele.
“[Mas] muitos jogadores já começaram a migrar de plataformas não reguladas para operadores licenciados e legais, o que é um sinal positivo para o futuro do mercado brasileiro”.
Os atrasos na regulamentação no Brasil realmente ajudaram?
A jornada do Brasil para regulamentar o jogo online foi marcada por atrasos, com cerca de cinco anos entre a aprovação inicial da legislação pelo Congresso Nacional e a aprovação final pela Câmara dos Deputados.
Na visão de Spanoudakis, isso deu ao Brasil o tempo necessário para se basear em experiências internacionais e nas melhores práticas, a fim de estabelecer uma “estrutura regulatória abrangente e em grande parte completa”.
“Embora o país tenha sido relativamente tardio na regulamentação do mercado, o atraso proporcionou uma oportunidade para aprender com jurisdições mais maduras e adotar estratégias comprovadas. As autoridades consultaram operadores internacionais e especialistas em apostas e jogo responsável para moldar sua estrutura regulatória”, explica.
Exigências de KYC: uma faca de dois gumes
Como parte da nova estrutura, a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) introduziu uma série de restrições rigorosas de KYC para os operadores.
Agora, a Betano exige que os clientes forneçam nome completo, data de nascimento e CPF no momento do cadastro. Em seguida, a empresa realiza um processo completo de verificação de identidade e idade, utilizando bancos de dados públicos e privados, além de tecnologia obrigatória de reconhecimento facial.
A integração do reconhecimento facial tem se mostrado um dos maiores desafios, segundo Spanoudakis. “Isso não apenas exige um alto nível de sofisticação técnica, mas também demanda uma experiência de usuário fluida para evitar atritos durante o onboarding”, afirma.
Embora as exigências de KYC sejam “essenciais” na visão de Spanoudakis, elas também impactaram a competitividade dos operadores licenciados no Brasil frente ao mercado ilegal, onde os jogadores não enfrentam o mesmo nível de dificuldade.
“Os operadores legais estão investindo pesado em sistemas robustos de verificação, tecnologia de reconhecimento facial e infraestrutura de compliance, tudo isso podendo criar uma experiência de cadastro mais complicada e demorada”, acrescenta Spanoudakis.
“Enquanto isso, operadores offshore muitas vezes oferecem acesso instantâneo sem checagens de identidade — sendo acessíveis até mesmo para menores de idade e grupos vulneráveis — e criando uma ilusão de conveniência.
“Isso destaca a necessidade de fiscalização mais rígida contra operadores ilegais e de campanhas de conscientização pública para ajudar os usuários a entenderem o valor de um ambiente de apostas mais seguro e em conformidade”.
Temor de excesso de regulação e impactos do mercado ilegal
Spanoudakis tem confiança na estrutura regulatória atual e acredita que ela está entre as melhores não apenas da América Latina, mas do mundo. Sua confiança também se baseia no fato de que, até agora, a SPA tem evitado medidas excessivamente restritivas vistas em outros lugares.
Mas, com o Senado brasileiro aprovando na semana passada novas medidas sobre publicidade — como limites de horário para anúncios de apostas e proibição de endossos por celebridades — Spanoudakis enfatiza a importância de uma regulação equilibrada.
“A regulação excessiva pode afastar os jogadores dos operadores licenciados e empurrá-los para o mercado ilegal, o que mina os próprios objetivos da regulamentação”, afirma.
Regulação atual é apoiada, apesar dos obstáculos
Apesar dos desafios iniciais do mercado, Spanoudakis considera que o influxo de operadores internacionais demonstra o quanto o Brasil é atrativo como mercado, bem como o valor da estrutura regulatória da SPA.
“Claro que ainda há desafios, mas reconhecemos que o Brasil está passando por uma transformação completa do mercado e, naturalmente, levará tempo até que todos os elementos se estabilizem totalmente”, conclui Spanoudakis.
“Há um entendimento comum por parte da maioria dos stakeholders, incluindo operadores, autoridades e consumidores, de que um ambiente regulatório forte é essencial para o crescimento de longo prazo da indústria e para uma proteção eficaz ao consumidor”.
Fonte: iGB