VIE 5 DE DICIEMBRE DE 2025 - 07:04hs.
Roger Amarante, sócio e CFO da S8 Capital

Manipulação de resultados: o que está em jogo no futebol brasileiro

As várias denúncias de match-fixing levam a sociedade a pensar que a culpa é do setor de apostas e o caminho é a proibição da atividade. Roger Amarante sócio e CFO da S8 Capital, vai na posição contrária e afirma em artigo exclusivo para o GMB que o problema não nasceu com as bets, mas se tornou evidente com elas. “O Brasil está em posição de agir antes que isso se torne sistêmico, já que a regulação cria um ambiente propício em integridade, compliance e articulação institucional.

A discussão sobre manipulação de resultados no futebol brasileiro está no centro do debate — não é difícil entender o porquê. O implemento da regulamentação no setor de apostas esportivas ampliou a visibilidade do tema, mas os desafios por trás dele são antigos, complexos e, muitas vezes, ignorados.

É importante reconhecer que o problema não começou com as bets. Ele é anterior e estrutural. Surge da desigualdade social, da fragilidade institucional e da informalidade que há décadas moldam parte do funcionamento do futebol brasileiro. O que as apostas fizeram foi apenas amplificar a visibilidade de algo que já acontecia, mas que agora precisa ser enfrentado com outra seriedade.

Esse aumento da exposição, embora incômodo, pode ser também o ponto de virada. Segundo dados recentes, cerca de 90% dos jogadores profissionais no Brasil ganham até R$ 5 mil por mês. Estamos falando de uma base enorme, responsável por sustentar o futebol nas divisões de acesso, nos campeonatos regionais e em clubes fora dos grandes centros.

Para muitos desses atletas, uma proposta de manipulação de resultado representa o dobro ou o triplo do salário mensal. E, em alguns casos, pode significar uma renda que supera o que se ganha em toda uma temporada.

Não se trata de justificar. Mas de entender o contexto. Em um país com ampla desigualdade de renda, baixa segurança financeira e poucas alternativas de ascensão social, a tentação de aceitar um “acordo” irregular cresce. O risco de corrupção individual se torna um sintoma de problemas maiores: falta de estrutura, baixa fiscalização e ausência de proteção sistêmica.

O jogador não é, isoladamente, o vilão. O problema se manifesta onde há espaço e o espaço, neste caso, é aberto por um modelo que oferece pouca estabilidade e muita vulnerabilidade.

No entanto, isso vale, inclusive, para atletas já consolidados. Em 2024, Bruno Henrique (Flamengo) foi indiciado no inquérito que apura manipulação de jogos, assim como outros nomes conhecidos como Lucas Paquetá (West Ham), Kevin Lomónaco (ex-Red Bull Bragantino), Moraes (ex-Juventude) e Paulo Sérgio (ex-Sampaio Corrêa).

Casos que mostram que o problema não se restringe a uma realidade periférica: ele também atravessa a elite do futebol.

Sempre que escândalos surgem, há uma reação instintiva: proibir. Impedir apostas em determinadas ligas, suspender mercados suspeitos, criminalizar a atividade como um todo. Só que a proibição, sozinha, não resolve. Na maioria das vezes, desloca o problema e o empurra para a informalidade.

Plataformas ilegais atuam no Brasil com estrutura profissional, canais de atendimento, sistemas próprios e campanhas agressivas nas redes sociais. São operadas sem qualquer tipo de supervisão e justamente por isso são o ambiente mais propício para a manipulação.

Quando se fecha o mercado regulado, o usuário apenas troca de canal. E perde-se o único espaço onde é possível monitorar, prevenir e agir com base em dados reais.

O que pode (e deve) ser feito

Nenhum sistema está imune à tentativa de manipulação. Mas é possível (e necessário) reduzir vulnerabilidades com medidas práticas e articuladas entre os diferentes agentes do setor.

Algumas medidas possíveis incluem a proibição de atletas e membros da comissão técnica de apostarem em qualquer competição da qual participem; estabelecimento de janelas de bloqueio para apostas, 24h antes e depois dos jogos; criação de mecanismos automáticos de alerta para movimentações atípicas em plataformas reguladas; e a promoção de campanhas de conscientização com foco em atletas da base e divisões inferiores.

A integridade é construída com infraestrutura, dados, formação e responsabilização. Não é uma tarefa simples, mas é totalmente viável com esforço coordenado e visão de longo prazo.

A manipulação de resultados é, sim, um risco ao esporte. Porém, o dano não para por aí. Quando um setor inteiro é contaminado por ilegalidades silenciosas, o efeito colateral é profundo: perda de credibilidade, fuga de patrocinadores, retração de investimentos e ceticismo público.

A boa notícia é que o Brasil está em posição de agir antes que o problema se torne sistêmico. A regulamentação das apostas esportivas, aprovada em janeiro, cria um ambiente propício para que se evolua rapidamente em integridade, compliance e articulação institucional.

A responsabilidade não é de um único agente. E sim de jogadores, clubes, casas de apostas, plataformas de mídia, influenciadores e reguladores: todos fazem parte desse ecossistema.  

E, se hoje as apostas estão no centro desse debate, que essa conversa seja madura o suficiente para entender que o problema não é o jogo em si, mas o que fazemos (ou deixamos de fazer) em torno dele.

Preservar a integridade do futebol brasileiro é, sim, proteger um ativo cultural. Mas é também proteger a confiança de um país inteiro em algo que sempre foi muito maior do que um placar.

Roger Amarante
Sócio e CFO da S8 Capital