Nos últimos tempos, parece que descobrimos o verdadeiro vilão do Brasil: as Bets.
Esqueça os juros altos, a burocracia, o jeitinho, a desigualdade, o tráfico, a corrupção, o clientelismo, a educação capenga e o Estado obeso. Nada disso! O grande culpado por todos os males nacionais, de acordo com a nova narrativa pública, são os donos das casas de apostas esportivas.
E são vilões sórdidos, não pagam impostos, não se preocupam com os apostadores, incentivam o jogo irresponsável para ganhar mais dinheiro. Essa é a narrativa oficial. Inclusive o Governo encampou esse discurso. E o pior, tá colando na opinião pública. Nas rodinhas ouvimos que as BETs não pagam impostos e precisam fazer esforço e pagar o que não pagam.
É verdade? Não!!! Narrativa pura. As BETs já são tributadas com 12% ADICIONAIS a todos os impostos que as empresas de outros segmentos pagam. As BETs pagam PIS, COFINS, ISS, INSS, IRPF, CSLL, Taxa de Fiscalização. Além disso tudo PAGAM 12% ADICIONAIS, fazendo a carga tributária chegar, a números estratosféricos. E tem gente que acha pouco.
Se o trânsito parou? Culpa das Bets.
Se o VAR anulou o gol do seu time? As Bets mandaram.
Se o dólar subiu, a inflação deu sinal de vida e o café queimou na garrafa... pode anotar: é coisa das Bets.
A histeria moral é tamanha que não me surpreenderia se, em breve, alguém redescobrir o clássico mistério da TV brasileira e perguntar: “Afinal, qual dono de BET matou Odete Roitman?”
O novo bode expiatório nacional
O Brasil tem um talento quase artístico para fabricar vilões convenientes. Já tivemos o “imperialismo ianque”, a “elite branca”, o “mercado financeiro”, os “influencers”, o “agronegócio”, e agora, a bola da vez, literalmente, são as Bets.
Empresas tecnológicas, jovens, digitais, de crescimento rápido, que empregam gente, pagam impostos e competem em um setor que o próprio Estado legalizou e tributa. E essas empresas, que acreditaram no Brasil e na regulamentação proposta pelo Governo, são surpreendidas com propostas de majoração tributária, ao mesmo tempo que assistem, impassíveis, a baixa velocidade no combate ao jogo ilegal, esse sim o vilão capaz de "matar Odete Roitman"...
Mas quem se importa com isso? É muito mais divertido dizer que o dono da BET é o novo dono do crime.
E, claro, é irresistível: elas têm nomes chamativos, patrocínios em camisas de futebol, influenciadores e jingles pegajosos. São visíveis demais para não serem culpadas por algo.
De repente, tudo o que é visível vira vilão. E o que é invisível, o que realmente causa o problema, continua flutuando impune no ar.
A moral seletiva e o faro investigativo de novela
É curioso como a indignação moral contra o jogo é seletiva.
O brasileiro joga, há séculos, na Loteria Federal, no bicho, na Raspadinha, no Bingo, no bolão da firma, na rifa dos influencers...
Mas, se o jogo for digital e tiver nome em inglês, aí é demais! Nosso "Complexo de Vira Latas", como diria Nelson Rodrigues, não aceita que o povo encontre uma forma de se divertir sem pedir licença a ninguém.
É o caos, a ruína da juventude, a porta de entrada para a perdição, mesmo que isso não se confirme nos países que exploram a atividade, de forma regulada, há muito tempo.
Aqui no Brasil isso não vai dar certo. O povo é inculto. Não temos capacidade de escolha consciente. Precisamos do Governo como muleta para dizer o que podemos e o que não podemos fazer. É assim que muitos pensam. É conveniente pensar assim, pois proibindo isso tudo não temos que realmente fazer o trabalho de conscientização de que tudo que é bom em excesso pode fazer mal.
Gosta de vinho? Uma taça é bom. Uma garafa, pode complicar. Cinco garrafas em poucas horas, é porre na certa. Cinco garrafas todos os dias, alta chance de virar cirrose.
Com as BETs é assim. Como moderação é uma forma de entretenimento prazeroso como muitos outros. Em excesso é nocivo. E muito. Mas só os efeitos do jogo regulado para tratar desse tema de forma direta, objetiva. Tentar proibir e demonizar é jogar a sujeita para baixo do tapete. Você sabe que ela está lá, mas só pelo fato de não ver já fica mais confortável.
O mesmo sujeito que gasta o salário inteiro no cartão de crédito para ver o show da moda, sai para tomar a sua cervejinha todo fim de semana ou troca de celular todo ano, aponta o dedo e diz: “Essas Bets estão acabando com o país”.
Mas quando ganha R$ 200 numa múltipla improvável, já corre pra postar no Instagram: “Apostar é viver! E tira sarro com os amigos...
É quase uma novela. E em toda boa novela, precisa haver uma vilã poderosa, elegante, cínica, cheia de frases cortantes, que morre misteriosamente e vira símbolo de tudo o que o público odeia.
Pois bem: Odete Roitman está morta. E, ao que parece, o assassino da vez é o dono da BET.
A ironia final: o Brasil adora o que finge odiar
A verdade, no entanto, é que o Brasil não odeia as Bets.
O Brasil quer ser uma Bet.
Quer se entreter, fazer suas escolhas conscientes, ser educado a encarar os jogos como entretenimento, aparecer na TV, ter um logo no time do coração para que ele possa contratar craques que lhe tragam o campeonato, faturar sem precisar de papelada nem de fila no cartório, receber uma premiação justa, definida em lei em 85% no mínimo, ao passo que nas loterias federais a devolução não passa de 30% do total arrecadado .
As Bets são a caricatura perfeita do nosso desejo reprimido de eficiência, ousadia e libertação, tudo o que o sistema tradicional brasileiro trata como pecado.
É por isso que elas incomodam tanto?
Elas mostram, sem pedir licença, que é possível criar algo fora da lógica do atraso.
E o país que ainda não superou a cultura do “culpado conveniente” precisa urgentemente encontrar alguém para culpar por esse desconforto.
Então, quem matou Odete Roitman?
Talvez tenha sido o dono da BET.
Mas talvez, e isso é o que mais dói, tenha sido o mesmo país que mata qualquer tentativa de prosperar fora do script.
Amilton Noble
CEO da Hebara e especialista em jogos & loterias | estratégia, inovação e responsabilidade no iGaming