A regulação das apostas esportivas no Brasil inaugurou uma nova era para o setor. Com a Lei nº 14.790/23 e as portarias complementares da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda (SPA/MF), o país finalmente conta com um arcabouço normativo robusto, que equilibra as regras de as principais relações entre os stakeholders do mercado. O desafio agora vai além do cumprimento das regras: é hora de construir lideranças para diálogo com o poder público e segurança jurídica.
Depois de anos de um marketing agressivo, marcado por promessas de lucro fácil, as operadoras precisam mudar o discurso, já que o consumidor brasileiro ainda associa apostas a investimento, não a entretenimento. E é justamente essa percepção que a regulação tenta corrigir. Em que pese o ano eleitoral, o foco do setor em 2026, segundo representantes da indústria, será transformar a comunicação em uma ferramenta de educação e transparência, pilares do chamado jogo responsável, de forma que traga segurança jurídica para os consumidores finais.
Afinal, o sucesso da regulação não depende apenas da fiscalização, mas de uma mudança cultural dentro das operadoras que impactará a forma de praticar a respectiva atividade. A publicidade precisa informar, não iludir. Não por acaso, a experiência internacional demonstra que a legitimidade social do setor depende diretamente da clareza e responsabilidade de sua comunicação.
Um recente estudo de pesquisadores da Universidade de Madri realizou uma revisão sistemática de 103 estudos que analisam as estratégias de comunicação digital de operadoras de jogos de azar online. A pesquisa revela que a legitimidade social do setor depende diretamente da clareza e responsabilidade das mensagens, pois táticas de normalização, narrativas emocionais, promessas de retorno de investimento e promoções personalizadas aumentam a vulnerabilidade de jovens ao vício em apostas.
Segundo a análise, Austrália, Reino Unido e Espanha lideram o panorama internacional sobre riscos e boas práticas. Embora a regulamentação espanhola (Real Decreto?958/2020²) ainda seja insuficiente, a adoção de princípios de transparência e ferramentas de autorregulação (alertas ao atingir?90?% do limite semanal, mensagens de jogo responsável integradas ao fluxo) pode melhorar a percepção ética e a aceitação social das atividades do setor.
No Brasil, essa transformação está em curso. A Portaria nº 1.231/24 detalhou as regras de comunicação do setor, proibindo campanhas com apelo infantil, vedando o incentivo ao jogo como fonte de renda e exigindo mensagens de alerta sobre comportamento responsável. Além disso, reforçou a responsabilidade solidária entre operadoras e afiliados, um ponto sensível para um mercado que cresceu impulsionado pelo marketing de influenciadores.
O Conar, por sua vez, ganhou protagonismo ao atuar lado a lado com a SPA na autorregulação, coibindo campanhas enganosas e diferenciando o que é publicidade licenciada das ações de empresas que operam irregularmente. Essa parceria sinaliza um novo padrão de autorregulação no set, mais próximo do modelo britânico, que há anos alia regulação estatal e responsabilidade setorial.
O movimento regulatório também avança em outras frentes: bloqueio de sites ilegais em parceria com a Anatel, monitoramento de transações suspeitas pelo Coaf e a obrigação de as operadoras impedirem apostas por beneficiários de programas sociais, como Bolsa Família e BPC. Apesar dos desafios, o objetivo é claro: reduzir drasticamente o mercado ilegal e legitimar o consumo de apostas no ambiente seguro, regulado e socialmente legítimo.
Para as operadoras, o recado é direto: o compliance publicitário e a governança da comunicação serão tão estratégicos quanto a tecnologia oferecida. Revisão de contratos de marketing, treinamento de equipes, controle rigoroso de afiliados e monitoramento contínuo de campanhas passam a ser práticas obrigatórias para quem quer competir de forma sustentável.
Mais do que cumprir regras, trata-se de reconstruir a relação de confiança com o público. A comunicação, que já foi instrumento de engajamento, torna-se agora um vetor de legitimidade e reputação institucional. O futuro do mercado regulado brasileiro dependerá, em grande medida, da capacidade de o setor se comunicar com ética, clareza e responsabilidade, mostrando que o jogo, como entretenimento, pode sim ser limpo e transparente.
André Feher
Advogado sênior da área Digital do PK Advogados. Mestre pelo Instituto Superior de Direito e Economia (ISDE), em Madri, com especializações em contratos, pela FGV-SP; e em Direito de Propriedade Intelectual, Entretenimento, Mídias Digitais e Moda, pela Escola Superior de Advocacia (ESA-OAB).
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