VIE 5 DE DICIEMBRE DE 2025 - 10:17hs.
Depoimento da influenciadora digital

Virgínia nega à CPI das Bets receber percentual sobre perdas em apostas

A influenciadora digital Virgínia Fonseca compareceu como testemunha à CPI das Bets nesta terça-feira (13) para esclarecer sua participação na promoção de apostas online. Ela negou que seu pagamento estivesse vinculado às perdas dos seguidores que utilizavam seus links promocionais. Também ressaltou que sempre tentou alertá-los sobre os riscos dos jogos. Parlamentares tiraram fotos com a apresentadora de TV, o que gerou polêmicas.

 

A CPI das Bets ouviu a influenciadora e apresentadora do SBT Virginia Fonseca. A mulher de Zé Felipe, filho do cantor Leonardo, entrou na mira dos parlamentares por ser uma das principais personalidades que fazem campanhas publicitárias para jogos de azar e apostas online nas redes sociais.

Com mais de 53 milhões de seguidores no Instagram e contratos milionários com empresas de apostas online, Virgínia é considerada peça-chave para entender a estratégia de comunicação dessas empresas, que têm usado figuras populares da internet para atrair novos apostadores — especialmente jovens.

A pedido da senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), relatora da CPI, Virgínia se comprometeu a entregar aos senadores os contratos das empresas de apostas que já divulgou: Esportes da Sorte e a Blaze, com quem ainda mantém parceria.

 



A influenciadora desmentiu matéria da revista Piauí, publicada em janeiro. O veículo de comunicação, para Soraya "tem poder e credibilidade". Virgínia ainda assegurou que seus contratos “não têm nada de anormal”.

Se a revista Piauí quis agir de má-fé, eu não vou gastar o meu tempo [processando]. Eu acredito na justiça de Deus. Se eu dobrasse o lucro [da empresa], eu receberia 30% a mais. Isso era uma cláusula padrão, na época, com todos os outros meus contratos, não só bets. Em momento algum [falava sobre] perdas dos meus seguidores, nunca teve [dispositivo] sobre isso no contrato”, disse.

O depoimento de Virgínia atendeu a pedido da senadora Soraya. A CPI investiga supostas irregularidades no setor de apostas e o uso de influenciadores digitais na divulgação de jogos online.

As apostas esportivas jogos de azar online tiveram sua atuação legalizada em 2018, com a Lei 13.756. O setor recebeu novas regras em 2023 (Lei 14.790) e, após seis meses de transição, passou a ter a regulamentação totalmente vigente a partir de janeiro de 2025. 

Antes da reunião, Soraya afirmou em coletiva de imprensa que "é possível haver uma discussão em relação à legalidade ou não" das operações de apostas e sua promoção no período entre 2018 e 2025.

 



Alertas

Virgínia explicou que seu contrato atual exige uma publicação por semana na rede social Instagram, onde possui perfil com mais de 50 milhões de seguidores. Segundo ela, suas postagens que divulgam jogos de apostas começaram em dezembro de 2022 e observam as regras sobre publicidade de apostas à medida que surgem.

Quando eu posto, sempre deixo muito claro que é um jogo, para se divertir, que [o usuário] pode ganhar e pode perder. Que para menores de 18 anos é proibido, que se possui qualquer tipo de vício o recomendado é não entrar, para jogar com responsabilidade... Coloco todas as imagens exigidas pelo Conar [Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária]. Nunca falei para a pessoa entrar para fazer o dinheiro da vida dela. Não estou fazendo nada fora da lei”, completou.

Thronicke afirmou que teve dificuldades em encontrar esses avisos nas publicações e que "gostaria de encontrar mais" desses alertas. A relatora questionou Virgínia sobre um vídeo, apresentado na reunião, em que considera que não há avisos claros sobre os riscos envolvidos.

Em resposta, Virgínia argumentou que se trata de vídeo anterior às regras mais rígidas para propaganda: “Lá atrás era diferente do que é hoje. Ainda não tinham essas exigências do Conar de que era para falar [sobre Jogo Responsável] no início do vídeo. O Conar está sempre mudando e mandando mais exigências. As casas de apostas já mandam tudo certinho, o que não pode falar. Por exemplo, as minhas filhas não podem aparecer”.

 



O Conar é um órgão privado de autorregulação — em que os agentes do setor privado se submetem às suas normas e às suas decisões — sem fins lucrativos, e possui parceria em curso com o Ministério da Fazenda, responsável por desenvolver e implementar as regras no setor de apostas.

Algoritmos

Soraya questionou se Virgínia, para produzir as peças de propagandas, utiliza a mesma conta que os usuários comuns. Segundo a relatora, há contas e aplicativos que empresas de apostas disponibilizam a quem divulga a empresa que enviesam os resultados para fins de publicidade.

A conta que é feita para eu jogar não necessariamente é uma conta fake. [Eu jogo] na mesma plataforma [que todos os outros usuários], ganha e perde”, comentou.

Segundo Soraya, irregularidade em algoritmos de apostas online é um dos pontos que a CPI investiga. A senadora defendeu que o relatório final será satisfatório em sua apuração e nas providências a serem tomadas. Diante de críticas de senadores quanto ao prazo curto para apresentação do documento, Soraya assegurou que a CPI "não será inefetiva".

Há documentos que são sigilosos e a nossa equipe está trabalhando há muito tempo. Jamais vai terminar em pizza. Só se não aprovarem o relatório”, assegurou.

Debate

O senador Dr. Hiran (PP-RR), presidente da CPI, afirmou que Virgínia está amparada por habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o que a protege de ser presa. Ele apontou que o objetivo da reunião não seria "apontar o dedo" ou "criminalizar" a influenciadora.

O senador Jorge Kajuru (PBS-GO) criticou a convocação de Virgínia e elogiou a disposição da influenciadora en colaborar. Ele afirmou que foi instado a criticar Virgínia durante a reunião, mas que suas propagandas não são ilegais: “O que ela faz é testemunhar um produto. Eu pergunto: o produto que ela testemunha está ilegal? Não”.

Os senadores Cleitinho (Republicanos-MG) e Eduardo Girão (NOVO-CE) criticaram a legalização dos jogos de azar digitais em razão dos danos financeiros e mentais associados. Girão sugeriu a Virgínia que a influenciadora reavaliasse sua produção de conteúdos que envolvam apostas.

A senhora tem o talento de se comunicar bem. Poucos estão ganhando [com apostas], inclusive gente poderosa, e a população toda está perdendo. Casamentos estão sendo desfeitos, há suicídios. O vício escraviza”, advertiu.

Na avaliação de Virgínia, a solução deve vir por meio de leis, de forma que alcance a todos os envolvidos no setor de apostas.

[Propagandas de apostas] estão em todo lugar, não tem para onde fugir. A solução tem que vir daqui de dentro. Temos que achar uma solução onde todo mundo vai fazer a mesma coisa. [A relação com apostas] vai ser algo que eu vou pensar, mas eu tenho um contrato. Não é simples acabar com contrato”, explicou.

O senador Izalci Lucas (PL-DF) ainda indagou se Virgínia ou sua equipe recebem mensagens de seus seguidores com reclamações sobre consequências negativas relacionadas a apostas. A convocada informou que não tem conhecimento sobre isso.

Publicidade

Na avaliação do senador Carlos Portinho (PL-RJ), a publicidade de apostas por influenciadores digitais deve ser restrita. Ele é relator de um projeto de lei que trata do tema (PL 2.985/2023). 

Precisamos apertar a publicidade, ela está solta. Muitas vezes está levando a mensagem a quem não é o público-alvo e está levando essas pessoas a sites que não são legalizados. Vamos ter que restringir a participação de pessoas nessas publicidades. A frase "Jogo Responsável" não diz nada. Tem que ser "aposta causa dependência", "aposta causa prejuízo financeiro a você e a sua família". Isso tem que estar bem claro”, diz Portinho.

 



Fotos finais da polêmica

Uma foto postada pela influenciadora após o depoimento dela na CPI, deixou senadores incomodados. A imagem, publicada nos stories do Instagram, mostra Virginia ao lado do presidente da CPI, Dr. Hiran (PP-RR), e da relatora, Soraya Thronicke (Podemos-MS), com os três sorrindo e a legenda: “Obrigada pelo respeito e acolhimento”.

Minutos após ser publicada, parlamentares questionaram o clima de descontração e intimidade que a foto passa. Nos bastidores, senadores classificaram a imagem como inadequada pois, embora tenha sido convocada como testemunha, Virginia possui relação com essas empresas de aposta online, que são o alvo da investigação da CPI.

Na avaliação desses senadores, a foto reforça um “comportamento equivocado” que foi manifestado por integrantes da CPI durante a sessão, como o do senador Cleitinho (Republicanos-MG), que chegou a pedir selfie com a influenciadora no meio do depoimento.

Parlamentares ressaltaram preocupação com um possível “descrédito” do trabalho da CPI, caso os senadores se comportem como “tietes” na presença de outros influenciadores famosos que ainda devem depor. Um integrante da comissão disse que poderia passar a impressão de que tudo que envolve a influenciadora e seus contratos de publicidade com bets já foi elucidado.

Tanto o presidente da CPI, Dr Hiran, quanto a relatora Soraya Thronicke, compartilharam a postagem em seus próprios perfis no Instagram. Dr Hiran também compartilhou uma postagem da própria filha, que estava presente na comissão e fez foto com Virginia, e um outro vídeo em que a influenciadora, já no hotel no qual está hospedada em Brasília, contava aos seguidores sobre o depoimento no Congresso.

 



Os principais pontos do depoimento de Virgínia Fonseca

1. Por que Virgínia foi chamada à CPI?

A convocação de Virgínia Fonseca foi motivada pela investigação da CPI sobre o uso de influenciadores digitais na promoção de casas de apostas. A comissão apura se celebridades digitais incentivaram o público – especialmente menores de idade – a apostar de forma irresponsável.

A relatora da CPI, senadora Soraya Thronicke, explicou que a intenção é entender o papel de influenciadores na divulgação de jogos de azar, considerando os potenciais impactos sociais e psicológicos desse tipo de publicidade.

"Ninguém ganha das bets, elas existem para ganhar em cima do apostador. Isso é um problema de saúde pública", disse Soraya.

2. Contrato polêmico e 'cláusula da desgraça'

Um dos pontos mais discutidos durante o depoimento foi o contrato de Virgínia com a casa de apostas Esportes da Sorte. A CPI investiga se influenciadores recebiam um percentual sobre as perdas dos apostadores, o que ficou conhecido como "cláusula da desgraça".

Virgínia negou que seu contrato incluísse essa cláusula e explicou que a única bonificação prevista era um aumento de 30% no cachê caso ela conseguisse dobrar o lucro da empresa. No entanto, ela afirmou que essa meta nunca foi atingida.

"Esse valor nunca foi atingido, nunca recebi um real a mais do que meu contrato de publicidade que fiz por 18 meses. Era um valor fixo. Se eu dobrasse o lucro, eu receberia 30% a mais da empresa. Mas isso não chegou a acontecer", disse a influenciadora.

3. Alertas sobre os riscos das apostas

Durante a sessão, Virgínia ressaltou que sempre fez questão de alertar seus seguidores sobre os riscos das bets. Ela afirmou que seguia as diretrizes do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) e deixava claro que o jogo envolvia tanto a possibilidade de ganhar quanto de perder dinheiro.

"Eu sempre deixo muito claro que é um jogo, que pode ganhar e pode perder. Que menores de 18 anos são proibidos na plataforma. Se possui qualquer tipo de vício, o recomendado é não entrar. E para jogar com responsabilidade", afirmou Virgínia.

4. Uso de contas fornecidas pelas empresas

Outro ponto polêmico foi o uso de contas para realizar as apostas nos vídeos promocionais. Virgínia esclareceu que não utilizava sua conta pessoal para as gravações, mas sim contas fornecidas pela própria empresa de apostas.

"É uma conta que eles mandam senha. É uma conta feita para eu jogar. Não é uma conta fake", explicou. Ela destacou que, embora a conta não fosse a mesma dos seguidores, o aplicativo utilizado era o mesmo acessado pelo público.

5. Arrependimento e continuidade das parcerias

Questionada sobre o impacto social das apostas e se pretende continuar fazendo propaganda para casas de apostas, Virgínia disse que não se arrepende de nenhuma ação publicitária, mas admitiu que pretende refletir sobre a continuidade das parcerias.

"Eu não me arrependo de absolutamente nada do que já fiz na minha vida. Acredito que tudo serviu de ensinamento. Vou chegar em casa e pensar, pode ter certeza", afirmou.

Ela também destacou que não tem como socorrer seguidores que enfrentam problemas financeiros por causa das apostas. "Eu não tenho poder de fazer nada. Então, aí, tá complicado", disse a influenciadora.

O que acontece agora?

Após o depoimento, a CPI das Bets continuará ouvindo outros influenciadores e representantes de casas de apostas. A investigação busca entender como as campanhas publicitárias podem ter incentivado práticas de jogo irresponsáveis e quais medidas podem ser tomadas para proteger os consumidores.

Virginia entregou à comissão documentos relacionados aos contratos com as empresas Esportes da Sorte e Blaze, e eles serão analisados sob sigilo. A expectativa é que os depoimentos de outras personalidades ajudem a esclarecer o papel dos influenciadores na promoção dos jogos de azar.

Prazo apertado

O colegiado terá até 14 de junho para concluir seus trabalhos, após prorrogação de 45 dias. A CPI busca esclarecer o impacto das apostas digitais na saúde financeira dos brasileiros e apurar possíveis ilícitos. A relatora afirmou que a CPI busca, acima de tudo, aprimorar a legislação para que o setor funcione "de forma menos prejudicial possível aos brasileiros".

Fonte: GMB/Agência Senado