As entidades pleiteiam ordem judicial para que o governo Lula compartilhe dentro de 15 dias com os portais de apostas uma base de dados com CPFs dos beneficiários do programa Bolsa Família.
A petição estipula que, em caso de condenação, seja aplicada multa de R$ 500 milhões para as empresas de apostas —dinheiro que será revertido para auxílio de famílias em situação de vulnerabilidade.
A ação é movida pela Educafro e pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Mônica Paião Trevisan, que têm como objetivo a defesa dos grupos sociais vulneráveis e dos direitos sociais. Os alvos são a União, as bets e o IBJR (instituto que reúne grande parte dos sites).
Os advogados escrevem que, de acordo com o Banco Central, beneficiários do programa enviaram R$ 3 bilhões às empresas. Hoje, o Bolsa Família atende quase 54 milhões de famílias.
"Esses números são alarmantes e evidenciam o desvio de finalidade das verbas públicas destinadas ao combate à fome e à pobreza", escreveu o advogado Márlon Reis, um dos autores da ação.
Reis diz que o objetivo da iniciativa é fazer com que os recursos destinados a pessoas em situação de vulnerabilidade sejam utilizados para os seus devidos fins.
"Nosso principal foco é a devolução ao Ministério do Desenvolvimento Social de todo o dinheiro que foi parar ilegalmente no caixa das bets. De nenhum modo pode ser admitida a apropriação de valores destinados a eliminar a insegurança alimentar e a incentivar a frequência escolar e os cuidados com a saúde de crianças e adolescentes", afirmou o advogado ao Congresso em Foco.
As entidades também requer que os sites informem nas campanhas de publicidade que não é possível usar recursos de programas sociais nas apostas e alertem a população sobre os riscos sociais, econômicos e psicológicos.
Omissão do poder público
Apesar de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e de alertas do Tribunal de Contas da União (TCU), a União ainda não adotou medidas efetivas para coibir o acesso de famílias do CadÚnico às plataformas de apostas, segundo os autores da ação.
Eles defendem que é possível tecnicamente bloquear os CPFs desses usuários com cruzamento de dados, sem ferir a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), bastando que os operadores de jogos implementem filtros de exclusão automatizada.
O que pede a ação
A petição solicita à Justiça:
- a implementação, pelas empresas rés, de um sistema de exclusão por CPF para impedir o cadastramento e a permanência de beneficiários do CadÚnico;
- a citação da União para que adote medidas contra as empresas e o instituto que as representa;
- a condenação das empresas e do IBJR ao pagamento de R$ 500 milhões a título de danos morais coletivos, com destinação ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD) ou a projetos e políticas públicas voltados à prevenção da ludopatia (vício em jogos), à proteção de famílias em situação de vulnerabilidade e à promoção da segurança alimentar;
- a restituição em favor do Ministério do Desenvolvimento Social, para destinação exclusiva aos integrantes do CadÚnico, da integralidade dos valores recebidos por meio de transações realizadas por CPFs inscritos no cadastro;
- o bloqueio imediato do acesso às plataformas por parte de beneficiários do Bolsa Família e de outros programas sociais, enquanto a ação não for julgada definitivamente.
Ações no STF
A petição menciona decisões do STF em duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 7721 e 7723), nas quais o ministro Luiz Fux determinou que o governo impedisse o uso de recursos de programas sociais em apostas. Segundo os autores, mesmo com essa determinação e com os alertas do TCU, o problema se agravou, exigindo resposta urgente do Judiciário.
O estudo do Banco Central que detectou o uso do Bolsa Família em apostas foi realizado a partir de solicitação do senador Omar José Abdel Aziz (PSD-AM), para que fosse realizada análise técnica sobre o mercado de jogos de azar e bets no Brasil. O objetivo era mensurar o tamanho desse mercado no país.
A revelação gerou reação do ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, responsável pela execução do Bolsa Família. Ele chegou a afirmar que bloquearia o uso dos recursos do programa para a realização de apostas. O governo, no entanto, não encontrou até hoje instrumentos para interferir na utilização do dinheiro. A ação das duas entidades na Justiça tenta contornar essa dificuldade.
Dilema
"O cartão do Bolsa Família tem liberdade de uso para acessar necessidades da família, alimentação e outras. Certamente, jogos não são uma necessidade. Para não criar inclusive um preconceito contra cartão do Bolsa Família, a medida geral que vale para todos os cartões vale também para o cartão do Bolsa Família", explicou Wellington Dias, na época, acrescentando que as bets regularizadas estavam ajudando o governo no bloqueio.
O ministro demonstrou preocupação em estigmatizar os beneficiários do programa por causa de apostas feitas por um grupo:"Quando a gente olha toda a população brasileira, são 52 milhões de pessoas que jogam. Quando a gente olha o público do Bolsa Família, são 3 milhões. Quando a gente faz a proporção, são 52% de toda a população e 17,5% dos beneficiários do Bolsa Família que jogam. Quem usou o cartão [do programa] foi apenas 1,4%. Toda minha preocupação é em não demonizar o público do Bolsa Família e dos demais programas sociais”.
Fonte: GMB