VIE 5 DE DICIEMBRE DE 2025 - 08:32hs.
José Francisco Manssur e Ana Carolina Monguilod, advogados

Bets vão criar empregos e pagar mais que 12% em impostos

As inverdades que vêm sendo ditas sobre as bets, como a não geração de empregos e o pagamento de “só” 12% de impostos, são desmentidas pelo ex-assessor da Fazenda José Francisco Manssur e a Ana Carolina Monguilod. Em artigo no Poder360, eles afirmam que os tributos podem chegar a mais de 60% e apontam que o setor gera centenas de milhares de postos de trabalho para desenvolvedores de software, programadores e profissionais de call centers, entre outros.

O contexto do mundo atual faz com que mentiras se sedimentem como verdades em questão de horas. Não responder de forma imediata e assertiva a uma inverdade pode causar danos irreversíveis.

No recém-regulado ambiente das apostas esportivas e jogos online no Brasil, duas inverdades vêm sendo repetidas por agentes públicos, de diversas vertentes políticas, desvirtuando e maculando o debate:

* as apostas e jogos online não criam empregos no país;

* os operadores de apostas, segundo a legislação atual, pagam “só” 12% de impostos.

Desde que as apostas de quota fixa foram determinadas na legislação, em 2018, o Brasil se tornou um dos maiores mercados do mundo. A partir de 2024, com a regulação do mercado –que inclui apostas esportivas digitais e outros jogos virtuais– feita pela Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, esse crescimento se intensificou.

Segundo o Statista, a receita global de jogos online superou US$ 100 bilhões em 2023, com expectativa de ultrapassar US$ 136 bilhões até 2029. Com esse crescimento, a criação de empregos acompanha a curva ascendente, com estimativas que mostram mais de 300 mil empregos diretos e indiretos no iGaming em 2023 – e crescendo.

O Brasil, atualmente, está entre os 3 maiores mercados do mundo, e não poderia deixar de acompanhar proporcionalmente a criação global de empregos no setor.

Os empregos diretos produzidos pela regulação brasileira são consequência lógica e imediata da obrigação legal de que as operadoras tenham sede, operação e sócios estabelecidos no Brasil. Esses empregos envolvem desenvolvedores de software de iGaming, programadores de sistemas de apostas, operadores de sites e jogos, analistas de risco, traders de apostas esportivas e especialistas em segurança cibernética. Hoje, o Brasil conta com 78 empresas autorizadas, abertas e em funcionamento no país.

A legislação brasileira exige o funcionamento de call centers 24 horas por dia, 7 dias por semana, com atendentes que falem português, o que forçou empresas terceirizadas a ampliar suas equipes para atender às operadoras, conforme as exigências legais. Esse fenômeno se repete entre diversos outros fornecedores de serviços ao setor. Portanto, é superficial – e até ingênua – a percepção de que, por se tratar de um ambiente virtual, a atividade não resultaria na produção de empregos.

O mercado brasileiro de apostas e jogos online tem potencial para criar centenas de milhares de trabalhos. A indústria já deveria ter contratado, há tempos, empresas especializadas para calcular e divulgar esses números com precisão à sociedade.

A afirmação de que as empresas pagam “apenas 12%” de tributos é outra falácia.

As operadoras autorizadas a atuar no Brasil já pagaram ao governo R$ 30 milhões por autorização, válida para até 3 marcas, por 5 anos. Com 76 empresas autorizadas atualmente, a arrecadação já supera R$ 2,3 bilhões só com outorgas.

O percentual de 12% refere-se unicamente às destinações legais incidentes sobre a receita bruta dos jogos – o GGR (Gross Gaming Revenue), apurado depois do pagamento de prêmios – e do Imposto de Renda retido na fonte de apostadores.

Além desses 12%, as operadoras pagam ainda 25% de IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica), 9% de CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), de 3,65% a 9,25% de contribuição para PIS e Cofins, a taxa de fiscalização, os impostos previdenciários de mais de 20% sobre folha de salários e remunerações pagas a prestadores de serviços, bem como o ISS (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza), de 2% a 5%.

Ou seja, as alíquotas nominais dos tributos devidos pelas operadoras autorizadas poderão somar mais de 60%, criando uma das cargas tributárias efetivas mais expressivas dentre todos os setores da economia, dependendo da forma de recolhimento, das receitas e da margem de lucro.

Isso tudo sem falar no cenário tributário futuro, a ser materializado com a implementação da reforma da tributação sobre o consumo. O PIS/Cofins e o ISS serão substituídos por novos tributos (CBS e IBS, respectivamente) estimados em 28% para os operadores de apostas, setor que arcará com tributação integral por não ter sido agraciado com alíquotas reduzidas, nem regimes específicos beneficiados, como tantos outros.

Os operadores poderão ser também penalizados com o Imposto Seletivo, em alíquota a ser definida, mas assustadoramente especulada em patamares que inviabilizarão a atividade das empresas regularizadas no Brasil. Verdadeiro presente para negócios que atuam na ilegalidade, se sufocar a concorrência legalizada e devidamente tributada.

Se o segmento de apostas esportivas e jogos online no Brasil realmente pretende se consolidar e prosperar, precisa se unir em uma única entidade representativa e criar mecanismos rápidos e eficazes para combater inverdades e apresentar suas versões dos fatos.

Diante dos ataques – muitos deles não respondidos – sofridos nos últimos meses, fica evidente que divulgar dados falsos sobre o setor pode ser uma estratégia político-populista eficaz, sobretudo em um cenário pré-eleitoral como o de 2026. Permitir que mentiras prevaleçam, ou acreditar –de forma soberba e quase infantil– que desaparecerão sozinhas com o tempo, é uma péssima aposta.

José Francisco Cimino Manssur
Professor convidado de direito desportivo da USP e sócio da CSMV Advogados. Em 2023, foi assessor especial da Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda, responsável pela regulação das apostas esportivas e jogos online. Participou do grupo especial de trabalho do Ministério do Esporte responsável pela redação dos textos do Estatuto do Torcedor. Também atuou no São Paulo Futebol Clube e é um dos autores do texto que redundou na lei que instituiu a SAF (Sociedade Anônima de Futebol).

Ana Carolina Monguilod
Advogada e sócia de CSMV Advogados e diretora da ABDF (Associação Brasileira de Direito Financeiro). Doutorando em Universidade de Lausanne em tributação internacional - preços de transferência - Apas e Bapas e professora do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa).