O governo federal tem sinalizado a intenção de elevar a carga tributária incidente sobre os operadores de apostas de quota fixa e jogos online legalizados no Brasil, o que vem gerando grande preocupação entre os operadores autorizados do setor. Essa possibilidade deve ser avaliada com cautela, pois envolve riscos significativos tanto para o ambiente de negócios quanto para a eficácia do modelo regulatório recém-implementado.
1. Ruptura com o princípio da isonomia
Um ponto crucial e digno de destaque é que tal medida, caso aprovada, configura uma violação ao princípio da isonomia entre as diferentes modalidades lotéricas operadas sob a égide do Governo Federal. Todas são igualmente definidas como serviços públicos da União, mas a proposta de aumento de carga fiscal recai exclusivamente sobre as apostas de quota fixa, mantendo inalterada a tributação das loterias tradicionais, como a Mega-Sena. Trata-se de um tratamento desigual que não encontra justificativa técnica ou jurídica razoável.
2. Desestímulo ao investimento e à adesão ao modelo legal
A proposta surge em um momento sensível, logo após a promulgação da Lei nº 14.790/2023, que regulamentou o setor e deu início a um ambiente regulado. Desde então, diversas empresas realizaram investimentos significativos para operar legalmente no país. Esses investimentos incluem:
• Pagamento da outorga de autorização;
• Constituição de reservas financeiras;
• Estruturação de equipes qualificadas;
• Campanhas de marketing;
• Aportes tecnológicos robustos para segurança da informação, mecanismos de Jogo Responsável, processos de KYC (Conheça Seu Cliente) e prevenção à lavagem de dinheiro.
A elevação de tributos neste contexto fragiliza a segurança jurídica e compromete o retorno esperado desses investimentos, minando a confiança no ambiente regulatório recém-estabelecido.
3. Concorrência desleal com operadores ilegais
O setor regulado já enfrenta a concorrência predatória de operadores ilegais que atuam no Brasil sem licença, sem controle fiscal e sem observar as obrigações de compliance exigidas dos operadores autorizados. Essas plataformas frequentemente oferecem vantagens artificiais, como bônus agressivos e ausência de tributação ao apostador, o que desequilibra a concorrência. Aumentar a carga tributária sobre os operadores legais, sem garantir o combate efetivo aos ilegais, só ampliará essa distorção.
4. Fragilidade na capacidade de fiscalização
A atual capacidade do poder público em fiscalizar e aplicar sanções ainda é limitada. Mesmo após a regulamentação federal, o mercado ilegal segue crescendo. Um aumento de carga tributária, neste cenário, poderá incentivar a migração de operadores e consumidores para o ambiente informal ou não licenciado, com perdas de arrecadação e de controle estatal.
5. Fragmentação reguladora no país
Diversos estados e municípios têm promovido regulações próprias, com exigências e custos inferiores aos definidos no modelo federal. Isso cria um ambiente de competição regulatória, desorganizando o setor e comprometendo a construção de um mercado nacional forte, previsível e sustentável.
6. Judicialização e insegurança jurídica
A manutenção de um tratamento fiscal desigual entre modalidades de jogos administradas pelo mesmo ente federativo poderá provocar questionamentos judiciais com base nos princípios constitucionais da isonomia, da segurança jurídica e da confiança legítima. Operadores que investiram com base na regulamentação vigente poderão pleitear reequilíbrio contratual e reparações por eventuais prejuízos.
Conclusão
A elevação da carga tributária sobre as apostas de quota fixa e jogos online regulamentados, da forma como está sendo discutida, representa um risco considerável à consolidação do mercado legal. Ao comprometer a isonomia, gerar distorções competitivas, desestimular a adesão ao modelo federal e favorecer o mercado ilegal, essa medida tende a produzir efeitos contrários aos objetivos da regulamentação: controle, arrecadação e proteção ao consumidor.
É fundamental que qualquer alteração na carga tributária do setor seja debatida de forma técnica, transparente e dialogada com os agentes regulados, respeitando os princípios constitucionais e promovendo um ambiente estável, competitivo e sustentável.
Waldir Eustáquio Marques Júnior
Presidente do Conselho na Aigaming e diretor de assuntos regulatórios na WA.Technology.
Graduado em Direito, com extensão universitária na University of Nevada, Las Vegas UNLV (Essentials of Gaming Law & Regulation Course) e University of Nevada, Reno (Strategic Perspectives in the Gaming Industry). Atuou no Ministério da Fazenda (2007-2022), participando como membro da ENCCLA - Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e a Prevenção à Lavagem de Dinheiro e no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Foi presidente da Caixa Loterias e subsecretário de Regulação de Prêmios e Sorteios, da Secretaria de Avaliação de Políticas Públicas, Planejamento, Energia e Loteria da Secretaria Especial de Fazenda do Ministério da Economia.