VIE 5 DE DICIEMBRE DE 2025 - 08:32hs.
Zeina Latif, associada do Gibraltar Consulting

Em coluna no Globo, economista afirma que a Caixa desvia seu papel público ao lançar site de apostas

A Caixa Econômica Federal anunciou o lançamento em breve de uma bet própria. En forte coluna de opinião no Globo, a economista Zeina Latif, associada do Gibraltar Consulting e ex-secretária de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, assegura que “avançar no mercado de apostas esportivas pode até fazer sentido para a lógica de negócios da Caixa, mas é incoerente com a missão de um banco público”.

Caixa Econômica Federal anunciou o lançamento em breve de uma plataforma própria de jogo esportivo online (bet). A iniciativa reflete provavelmente a busca de receita, tendo em vista a eventual queda do interesse pela loteria, que rendeu 10% menos neste primeiro trimestre.

Em entrevista à Folha, o presidente da instituição, Carlos Vieira, falou também do financiamento a grandes empresas e do crédito imobiliário para pessoas com renda entre R$ 8 mil e R$ 12 mil.

Em todos esses casos, a Caixa desvia-se do papel de um banco público, que é o de oferecer crédito para segmentos não atendidos pelo setor privado, pela baixa rentabilidade e pelo elevado risco — como microempresas —, mas cujas atividades produzem ganhos públicos.

O foco do presidente da instituição no pagamento de dividendos fica claro ao afirmar que “se eu puder dar mais resultado para dar mais dividendos, eu vou fazer isso”. Isso em um contexto de menor pagamento de dividendos ao Tesouro em relação ao padrão do passado e déficits fiscais do governo.

Em que pese o necessário zelo com a política de crédito estatal, já que operações sistematicamente deficitárias penalizam os cofres públicos e podem ser inviabilizadas, o objetivo do banco público não deve ser o de dar lucro ao acionista, como os bancos privados, mas sim promover o bem-estar social.

A Caixa tem um desenho peculiar. Diferentemente da experiência mundial, onde o crédito público é financiado principalmente com recursos orçamentários do governo, a operação da Caixa tem como pilar o crédito direcionado.

Seu crédito imobiliário tem como fonte de recursos a caderneta de poupança de correntistas (a Caixa detém 37% do mercado) e o FGTS (a Caixa é o principal operador), ambos com remuneração abaixo das taxas de mercado.

Esse modelo permite uma política de crédito oficial robusta (a Caixa é o maior banco do país em operações de crédito), mas não sem efeitos colaterais, como o de reduzir a potência da política monetária e de piorar a eficiência alocativa do mercado de crédito.

A busca por mais dividendos ao Tesouro e para o financiamento de gastos públicos se estende no caso das loterias — a Caixa é o principal agente lotérico do país, sendo que a atuação de banco público em loterias é uma peculiaridade brasileira, não havendo nada comparável na experiência mundial.

Os recursos excedentes da loteria vão para os cofres do governo (R$ 11 bilhões em 2023), principalmente para a Seguridade Social, Segurança Pública e Esportes, além de contribuir para o resultado do banco.

Avançar no mercado de bets pode até fazer sentido para a lógica de negócios da Caixa, mas é incoerente com a missão de um banco público. Pior, parece insensato diante da grande preocupação com o crescimento dessas plataformas de aposta desde 2018, quando foram liberadas no país. Esse mercado talvez venha a demandar regulação mais rigorosa, a exemplo do que fazem outros países.

Pesquisa recente de Scott Baker, Justin Balthrop e outros autores mostrou que as apostas esportivas online nos EUA machucam as finanças familiares mais do que outras formas de jogo, por reduzir significativamente a poupança e aumentar a dívida no cartão de crédito (o uso do cartão de crédito foi proibido no Brasil a partir de outubro de 2024). Os autores destacam os potenciais efeitos adversos sobre famílias vulneráveis.

Segundo o Banco Central, de janeiro a março deste ano, os apostadores destinaram até R$ 30 bilhões por mês às bets. O BC estimou que cerca de 24 milhões de pessoas físicas participaram de jogos online em agosto de 2024. Cinco milhões são beneficiários do Bolsa Família (BF), tendo enviado R$ 3 bilhões às bets por meio do Pix.

Cerca de 17% dos cadastrados no BF fizeram apostas no período. Dos que ganham até 2 salários-mínimos, 38% apostam em bets.

Além disso, pesquisa feita pela Unifesp mostra que 10,9 milhões de pessoas fazem uso perigoso de apostas no Brasil. Entre os jogadores de bets, são 66,8%, ante 26,8% de outras modalidades.

A busca por resultados financeiros não deveria ser o objetivo da Caixa, mas sim a atuação para preencher lacunas deixadas pelo setor privado, de preferência evitando sobreposições.

Pior ainda é atuar em atividades que podem ser prejudiciais às finanças e à saúde mental da população. Não há ação para a cultura do Jogo Responsável que justifique a empreitada.

Zeina Latif
Economista associada do Gibraltar Consulting, ex-secretária de Desenvolvimento Econômico do Governo do Estado de São Paulo e ex chief economist do XP INVESTIMENTOS.