VIE 5 DE DICIEMBRE DE 2025 - 07:24hs.
Fred Justo, diretor de PLD na Legitimuz

Coaf em crise: o papel das bets na prevenção à lavagem de dinheiro

Fred Justo, diretor de prevenção à lavagem de dinheiro (PLD) da Legitimuz e ex-coordenador-geral da área na Secretaria de Prêmios e Apostas, explica neste artigo como as bets podem colaborar com o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para fortalecer a comunicação de operações suspeitas e melhorar o combate à prática. Ele compartilha experiências e estratégias para engajar o setor em uma ação conjunta, visando criar um mercado mais seguro e regulado.

Quem acessa nossa coluna está acostumado a acompanhar questões mais técnicas voltadas à prevenção à lavagem de dinheiro no setor de apostas. Mas interrompemos nossa publicação para um pedido de ajuda muito importante.

Seja com o antigo chapéu de coordenador-geral de PLD na Secretaria de Prêmios e Apostas-MF ou agora, como diretor de PLD da Legitimuz, sempre me perguntam por que, na elaboração da Portaria SPA/MF 1.143/2024, não instituímos um valor mínimo para comunicação obrigatória de atividade suspeita ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

A resposta sempre esteve na ponta da língua: a ideia foi não automatizar esse tipo de comunicação. Não é segredo para ninguém que atua na área de PLD-FTP que, ao automatizar a comunicação, ela pode chegar fraca e pobre em detalhes. O ente obrigado atua como se estivesse lavando as mãos, ele comunica, cumpre o que diz a lei, e agora, o Coaf que se vire para analisar o conteúdo do reporte. 

Foi justamente pensando nessa situação que nós, na época da elaboração da norma, chegamos à conclusão de que o operador de apostas tinha a obrigação de entregar uma comunicação mais ampla e mais detalhada. 

E por que isso? Porque ninguém melhor que o próprio operador para conhecer suas vulnerabilidades e por um outro detalhe que merece toda nossa atenção: porque o Coaf vive, e não é de hoje, um momento delicado, sem estrutura tecnológica e principalmente sem pessoal.

Coaf: o que é e qual sua função?

O Coaf é a Unidade de Inteligência Financeira do Brasil, criada pela Lei 9.613/1998. Sua principal função é receber, analisar e encaminhar para as autoridades competentes operações financeiras suspeitas de lavagem de dinheiro.

Na teoria, esse órgão é essencial para identificar e interromper o fluxo de dinheiro ilícito. No entanto, na prática, o Coaf se tornou uma peça-chave nas investigações de organizações criminosas

Ele passou a ser considerado a melhor ferramenta para enfrentar o crime organizado no Brasil, pois as forças de segurança perceberam que seguir o dinheiro é mais eficaz do que simplesmente confrontar essas organizações diretamente.

Desafios estruturais do Coaf

Embora o COAF tenha se tornado mais relevante ao longo dos anos, ele ainda enfrenta sérios desafios estruturais, que impactam diretamente sua capacidade de operação:

* Falta de investimentos: nenhum governo investiu adequadamente no fortalecimento do Coaf desde sua criação.

* Carência de servidores exclusivos: o Coaf não conta com funcionários próprios; os que lá trabalham são cedidos por órgãos como o Banco Central, Receita Federal, Tesouro Nacional e Polícia Federal.

Esses problemas estruturais prejudicam a eficácia do órgão e, consequentemente, o combate à lavagem de dinheiro.

Dados preocupantes: a realidade do Coaf

Semana passada, na tradicional e histórica Faculdade de Direito da USP, no Largo São Francisco, em São Paulo, participei de um evento do GELD (Grupo de Estudos sobre Lavagem de Dinheiro), coordenado pelo excelente professor Pierpaolo Bottini

O tema central da discussão era o papel do Coaf no combate ao crime organizado. O auditório Goffredo da Silva Telles Júnior ficou pequeno para receber o novo presidente do órgão, o experiente delegado da Polícia Federal Ricardo Saad

Em que pese a mesa contar com outras relevantes autoridades do judiciário, do Ministério Público e da Academia, os convidados queriam mesmo é ouvir o zero um do Coaf. E o que ele nos revelou foi algo muito preocupante, mesmo conhecendo um pouco da estrutura da nossa UIF, jamais imaginei que o cenário seria esse. 

Vamos aos fatos:

* Em 2024, o Coaf recebeu cerca de 7,5 milhões de comunicações de operações suspeitas oriundas dos setores obrigados (bancos, casa de câmbio, joalheria, bets).

* Desse total de comunicações, 18 mil geraram Rifs (Relatório de Inteligência Financeira) e foram encaminhados às autoridades nacionais e internacionais.

* As comunicações passam primeiro por um sistema informatizado, criado em 1999, que por óbvio, não conta com inteligência artificial.

Soma-se a esses dados um fator que, não fosse dito pelo próprio presidente do Coaf, até pareceria mentira: apenas 9 servidores analisam as comunicações depois que elas passam pelo sistema inicial de cruzamento de dados. 

Nove servidores é um número extremamente pequeno
para tanta demanda e pela importância do Coaf no combate à lavagem de dinheiro. Esse gargalo faz com que comunicações levem até dois, três anos para serem analisadas.

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O papel das bets no apoio ao Coaf

Os operadores de loterias de apostas de quota fixa, as chamadas bets, podem ser grandes aliados ao Coaf. Vale sempre lembrar que loterias estão no rol dos entes obrigados pela Lei 9.613/1998, que devem fazer comunicação de operações e transações suspeitas ou de não ocorrência de ilícitos de lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo

Vivemos um momento em que tal obrigação extrapola o mero cumprimento do dever legal, quanto mais os operadores investirem em tecnologia, processos e pessoal, melhor será a análise e, consequentemente, melhor será a comunicação ao Coaf, o órgão ganha e lá na ponta a sociedade se mantém mais protegida.

Outra forma de contribuir para a melhoria da nossa UIF seria financiar estudos para a criação de sistemas mais modernos, há inúmeras startups de tecnologia por trás das bets. 

Hoje, no mercado de apostas, existem tecnologias robustas de prevenção à lavagem de dinheiro, por que não criar um acordo de cooperação técnica cujo objetivo seria compartilhar soluções que possam melhorar o recebimento, a depuração e o compartilhamento de dados financeiros pelo Coaf?

Ah, mas o operador não tem essa obrigação, já paga tanto imposto... Certamente alguém que está lendo este artigo pensou por aí. Mas a gente não luta por um mercado legalizado e protegido? 

A quem interessa um Coaf fraco?

Apoiar o Coaf é uma atitude mais que necessária, é o órgão que pode identificar situações suspeitas e encaminhá-las à autoridade competente que, por sua vez, terá condições de combater quem atua às margens da lei. 

No fim do dia não é esse nosso grande objetivo? A quem interessa um Coaf fraco e sem força de trabalho? Vale a pena refletir.

Fonte: Legitimuz