VIE 5 DE DICIEMBRE DE 2025 - 09:21hs.
Em Nota Técnica

PF se posiciona favorável à legalização de cassinos e bingos mas quer parte da receita

A Polícia Federal (PF) se posicionou favorável ao projeto de lei que legaliza cassinos, bingos e jogo do bicho no Brasil. Ela fez uma única ressalva: de que parte da arrecadação com o setor seja destinada à corporação para prevenção e combate a crimes. A posição está em uma Nota Técnica à qual a Folha teve acesso.

Entretanto, o documento contraria a posição oficial do seu órgão superior, o Ministério da Justiça. A pasta comandada por Ricardo Lewandowski trabalha para a proposta não avançar. "Entendemos que o projeto abre uma brecha muito grande para o crime organizado atuar sobretudo com lavagem de dinheiro", diz o secretário de assuntos legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira.

"Acreditamos que o aumento da arrecadação que eventualmente pode vir a acontecer com esse tipo de atividade não justifica os problemas que ela traz, tanto na área da saúde, na área social e na área da segurança pública. A gente espera que essa posição prevaleça no Congresso Nacional", completou.

A Folha procurou a PF, por meio de sua assessoria de imprensa desde a sexta-feira (9), mas não teve resposta.

Outras pastas do governo Lula, como Fazenda, Turismo, Trabalho e Desenvolvimento Social, também discordam do Ministério da Justiça e apoiam a legalização.

O documento da PF foi enviado ao senador Irajá (PSD-GO), relator da matéria no Senado, em 2024.

Na nota técnica, a divisão de assuntos parlamentares da PF diz que é "favorável com ressalvas" à proposta, baseado em uma análise da Dicor (Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado e à Corrupção).

O único ajuste necessário, segundo a corporação, é que parte do dinheiro arrecadado com os jogos de azar precisa ir direto para ela.

O argumento é que a legalização de cassinos, bingos e o jogo do bicho deve aumentar o trabalho da própria Polícia Federal na prevenção e repressão de crimes ligados justamente a essas atividades.

Por isso, os investigadores vão precisar de treinamento específico e "equipamentos de alta performance".

O projeto em trâmite no Senado prevê que 6% da arrecadação com o setor vá para a área de Segurança Pública. A PF, porém, pede destinação específica para o seu fundo, o Funapol (Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-fim da Polícia Federal).

A Nota Técnica não menciona as ligações históricas do jogo do bicho com o crime organizado, nem detalha especial preocupação com a possibilidade de cassinos e bingos serem usados para lavagem de dinheiro —preocupação central do Ministério da Justiça.

Afirma apenas que os novos tipos penais ligados a essas atividades, "bem como crimes conexos, como lavagem de dinheiro", precisariam ser investigados pela PF, que portanto precisará investir nesta área.

A intenção da PF, segundo ela mesma, é usar os recursos do Funapol para contribuir "para a lisura dos jogos e apostas em âmbito nacional".

O projeto que legaliza jogos de azar físicos avançou no Senado em 2024, na esteira da liberação das apostas online, as chamadas bets. O texto aguarda para ir ao Plenário. Segundo parlamentares, ainda há resistência sobretudo da bancada evangélica.

Assim como no caso das bets, defensores da liberação de cassinos físicos e do jogo do bicho argumentam que hoje essas atividades já existem no Brasil, mas às margens da lei, o que não permite fiscalização.

O projeto trata de quatro tipos de jogo de azar em meios físicos (bingos, cassinos, jogo do bicho e o turfe) e traz regras sobre como essas atividades devem funcionar, além de penas para irregularidades.

O órgão de controle do setor (Sistema Nacional de Jogos e Apostas) seria integrado ao Ministério da Fazenda, e o governo federal poderia emitir apenas 34 licenças para cassinos físicos no Brasil, divididos de acordo com o tamanho dos estados. A Fazenda já é responsável pelas regras sobre as bets.

O texto também prevê mais duas categorias de cassino: em embarcações (limitados a dez em toda costa brasileira) e em resorts (um para cada polo turístico nacional).

As licenças de jogo do bicho estariam limitadas a um cálculo para cada 700 mil habitantes, por estado, e uma autorização para bingo a cada 150 mil habitantes, por município.

A proposta estipula uma tributação de 17% sobre a receita líquida bruta das operadoras de jogos de azar.

"Caso seja aprovado o projeto de lei, com incremento das atribuições da PF, entende-se pertinente que [...] seja destinado ao Funapol um percentual do produto da arrecadação", diz a nota da corporação.

Segundo a CNN Brasil, porém, no início de 2025 a PF enviou uma lista de prioridades ao Ministério da Justiça na qual queria barrar o projeto dos cassinos.

A liberação de cassinos e do jogo do bicho tem amplo apoio de entidades ligadas ao setor de hotéis, eventos, comércio e bets, mas levanta preocupações pelo risco de vício nos apostadores e pela ligação dessas atividades com o crime organizado. O projeto traz mecanismos de fiscalização e de combate a problemas de saúde.

Em outra Nota Técnica, o Ministério do Desenvolvimento Social afirma não ver "óbice jurídico" no projeto, mas alerta que ele "pode ser" contrário ao interesse público. Fazenda e Trabalho se manifestaram favoráveis, com ressalvas.

"Ao estabelecer regras claras e limites para a implantação destes empreendimentos, como a definição da quantidade e os locais de instalação desses empreendimentos, o PL contribuirá para o fortalecimento do setor no país, além de ser um forte segmento para geração de renda e empregos", disse o Ministério do Turismo.

Fonte: Folha