JUE 28 DE MARZO DE 2024 - 15:16hs.
Buscando uma regulamentação

Projetos de lei sobre eSports no Brasil ainda geram divergências

Os eSports vêm crescendo e ganhando fãs pelo Brasil cada dia mais e por isso se tornou um mercado de grande interesse de diversos setores. De olho no potencial da modalidade diferentes projetos de lei tramitam no congresso a fim de regulamentar a atividade. O site UOL, em parceria com o canal Start, fez uma reportagem completa sobre esses projetos, seus caminhos legislativos e o impacto que cada um pode trazer aos esportes eletrônicos no país.

Os eSports podem ser reconhecidos pelo Estado brasileiro em breve, mas não sem muita polêmica. Três projetos de lei em tramitação no Congresso visam equiparar as competições com jogos eletrônicos aos esportes tradicionais. Pode parecer um avanço para o setor, mas a análise dos textos mostra que as coisas não são tão simples assim.

Por exemplo, a proposta em fase mais adiantada, no Senado, prevê que games de conteúdo violento, como "Counter-Strike Global Offensive" e "Rainbow Six Siege", não sejam considerados esportes eletrônicos, o que afetaria diretamente competições desses games no país.

Conhecendo as propostas

Apesar de disputas competitivas em games existirem desde a década de 1970 e a popularidade dos eSports ter explodido a partir dos anos 2010, não há legislação sobre a atividade no Brasil. Na Coreia do Sul, considerado o berço de tudo isso, esportes eletrônicos são modalidades competitivas reconhecidas oficialmente desde 2000.

Para mudar essa realidade, há dois projetos de lei em análise na Câmara (3.450/2015 e 7.747/2017) e um no Senado (383/2017). Porém, o assunto é polêmico: desenvolvedoras de jogos, associações e especialistas em Direito Desportivo veem pontos preocupantes nos textos e pedem mais discussão.
 

  • PL 3450/2015 - Autor: deputado federal JHC (PSB-AL)
    O que diz: acrescenta à Lei Pelé um artigo reconhecendo o desporto virtual como esporte. Situação: em tramitação na comissão do Esporte (Cespo); relatório anterior da Cespo recomendava a rejeição do projeto por considerar que os eSsports são contemplados na Lei Pelé; com o início da legislatura 2019-2022, outro relator fará novo parecer.
     
  • PL 7747/2017 - Autora: deputada federal Mariana Carvalho (PSDB-RO)
    O que diz: inclui na Lei Pelé um artigo reconhecendo o desporto virtual como esporte. Situação: a ser encaminhado a comissões internas para a avaliação; juntado ao PL 3450/2015.
     
  • PLS 383/2017 - Autor: senador Roberto Rocha (PSDB-MA)
    O que diz: define o que é esporte eletrônico; denomina o praticante como atleta; estipula que não são eSsports jogos com conteúdo violento ou de cunho sexual, que propaguem mensagem de ódio, preconceito ou discriminação ou que façam apologia ao uso de drogas; e prevê que os eSsports serão coordenados e normatizados por ligas e entidades de administração, que poderão se organizar em federação ou confederação. Situação: aprovado nas comissões de Educação, Cultura e Esporte (CE) e de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT), recebeu recurso para ser discutido em plenário.


Regulamentar pra quê?

Para especialistas ouvidos pelo START, a regulamentação dos eSports não é necessária e, embora possa servir como reconhecimento formal, não teria efeitos práticos importantes, além de esbarrar na propriedade intelectual que as desenvolvedoras possuem sobre os jogos.

 

Prof. Pedro Trengouse, FGV  
Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

 

O advogado Pedro Trengrouse, coordenador do curso de Gestão de Esportes da Fundação Getúlio Vargas (FGV), acredita que os projetos de lei são equivocados. "Games pertencem a uma desenvolvedora. Quem determina como o jogo será jogado é a desenvolvedora, que detém a propriedade intelectual. É diferente de esporte tradicional, que não possui dono. É uma diferença essencial".

Ele aponta que, por isso, não é preciso haver uma regulamentação para os eSports. "Eles já são regulados pelos direitos do consumidor, pelas leis de propriedade intelectual e pelo Código Civil. Esta lei está criando estruturas cartoriais e burocráticas para tratar de algo que já está regulado".

 

Wladimyr Camargos, especialista em Direito Desportivo
Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

 

O advogado Wladimyr Camargos, especialista em Direito Desportivo, explica que o "esporte se reconhece pela prática social", ou seja, pelo engajamento das pessoas em uma atividade e pelo aumento do número de praticantes. Não é tarefa do Estado definir o que é esporte. "Nós não temos reconhecimento estatal para outros esportes. Não é uma lei que diz que existe futebol, vôlei ou natação".

O especialista entende que os eSports devem ser vistos como esportes, mas sem intervenção do Estado. "Isso não combina com o espírito esportivo e a tradição brasileira".

No Senado está em tramitação o projeto de lei 68/2017, que institui a Lei Geral do Esporte no Brasil. Wladimyr participou da elaboração do texto ao lado de outros juristas e diz que a concepção do que é esporte na proposta abrange os eSports. Assim, não seria necessário um reconhecimento específico.

O advogado analisa que os projetos da Câmara são impróprios, porque os eSports já estariam contemplados na Lei Pelé, e o do Senado tem melhor conteúdo, embora com dois pontos controversos: a possibilidade de criação de uma federação ou confederação única e o não-reconhecimento de games violentos.

 

Daniela Vendramini, especialista em Direito Desportivo e eSports
Foto: Divulgação

 

Já a advogada Daniela Vendramini, especialista em Direito Desportivo e eSports, considera que um dos projetos da Câmara seria suficiente para reconhecimento das competições de jogos eletrônicos.

"Há diversas modalidades e todas estão dentro da Lei do Esporte. Por que fazer diferente com os eSports? Eu não vejo sentido, a não ser que fizessem uma proposta muito detalhada. Mas o projeto do Senado não traz questões de incentivo", comenta Daniela. "Será que precisa de lei mesmo? Seria bom no sentido de que não haveria discussão, que eSport é esporte, mas o efeito prático é questionável".

Ela também vê que o não-reconhecimento de jogos com violência criaria uma separação indevida, e que a propriedade intelectual das desenvolvedoras pode barrar projetos de regulamentação dos eSports.

Carta ao Senado

Em 12 de julho, a Riot Games (criadora do "League of Legends") e a Ubisoft (publisher de diversos títulos, como o "Rainbow Six Siege") enviaram uma carta ao Senado pedindo mais discussão sobre o projeto em tramitação na Casa, para que uma futura regulamentação "seja condizente com o emergente e cada vez mais relevante cenário brasileiro".

Na carta, as empresas apontam que, nos eSports, as desenvolvedoras e publicadoras têm direitos sobre os jogos e investem na organização de campeonatos, em um ecossistema "que não se assemelha" à "normatização que hoje rege os esportes tradicionais".

Procuradas pelo START, a Riot e a Ubisoft não quiseram se pronunciar para fazer comentários adicionais.

Audiência pública, por favor

Os clubes de eSports do Brasil, a associação de produtoras de jogos e a organizadora de eventos ESL também se manifestaram em carta ao Senado requisitando a continuidade das discussões. Com o aval que recebeu das duas comissões internas, o projeto seria considerado aprovado e iria para a Câmara. A manifestação fez a senadora Leila Barros (PSB-DF) entrar com recurso para que a proposta seja discutida em plenário. Uma audiência pública pode ser marcada para que entidades e empresas do mercado de eSports sejam ouvidas.

"Eu considero o assunto ainda pouco explorado e conversado. As pessoas tendem a dizer que não querem regulamentação, mas existe pouco estudo para saber se faz sentido", afirma o diretor geral da Associação Brasileira de Clubes de Esports (ABCDE), Christian Costantini.

Segundo o executivo, representantes de clubes, desenvolvedoras e organizadores de eventos irão se reunir para discutir a questão e apresentar sugestões ao Senado. Christian diz que a ABCDE é contra o texto que saiu das comissões, relatado pelo ex-senador Eduardo Gomes (SD-TO).

Um dos relatórios iniciais, do mesmo parlamentar, previa liberdade na forma de contratação de jogadores, liberava a criação de associações, protegia a propriedade intelectual das empresas de games e não discriminava os jogos com conteúdo violento. Porém, o projeto sofreu alterações e tudo isso saiu do texto final.

Reconhecimento institucional

 

Senador Roberto Rocha
Foto: Moreira Mariz/Agência Senado

 

Autor do projeto do Senado, o senador Roberto Rocha (PSDB-MA) diz que ficou satisfeito com o texto aprovado nas comissões, semelhante ao original, e argumenta que a proposta somente reconhece os eSports, não se tratando de uma regulamentação. "Isso dará mais garantias de um trabalho protegido por lei e [reconhece] uma profissão que poderá usufruir de muitos benefícios, desde redução de impostos em insumos e materiais de prática desportiva a Bolsa Atleta, passaporte de atleta, pós-carreira, entre outros benefícios".

Ele aponta que a livre associação é assegurada pela Constituição, que já existe a lei de proteção aos direitos autorais e que o projeto garante a liberdade de diversas formas de contratação. Não houve resposta sobre jogos violentos.

Roberto sustenta que a lei é importante para fomentar a prática institucional dos eSports, o que não afetaria o lado comercial e privado das empresas envolvidas no cenário competitivo. "O medo maior é que haja centralização de poder, mas de maneira nenhuma isso ocorrerá, pois o que já é praticado no privado continuará a ser praticado livremente e da maneira como operadoras ou desenvolvedoras desejarem. No institucional é diferente".

Para o senador, o efeito prático da aprovação do projeto será a entrada do eSport para o sistema nacional de esporte. "O atleta será reconhecido legalmente como profissional da categoria e terá direitos e deveres. Os times que se filiarem a entidades, independentemente de desejarem ou não a prática institucional além da privada, terão para si ainda mais recursos diversos e benefícios".

Citada pelo parlamentar como apoiadora do projeto, a Confederação Brasileira de Desporto Eletrônico (CBDEL) publicou nota em que alega que as propostas do Congresso "apenas reconhecem a modalidade do desporto eletrônico e dos seus atletas e condiciona as administradoras da modalidade às mesmas bases legais que organizam o desporto nacional. Nada interferem na organização do mercado comercial já atuante, não gerando, portanto, qualquer conflito ou distorção". A CBDEL é credenciada pela Secretaria Especial do Esporte, do Governo Federal, mas não é reconhecida por entidades do setor.

Burocracia e impostos?

Uma das principais preocupações da comunidade com o reconhecimento pelo Estado, a de burocratização e cobrança de impostos, não tem fundamento, segundo os advogados entrevistados pelo START. Eles são unânimes em apontar que os tributos já são cobrados, na produção, importação e comercialização dos jogos e na promoção dos campeonatos.

Então você, fã e torcedor de eSports, pode ficar tranquilo(a) por enquanto, porque essa história ainda tem muito chão pela frente.

Fonte: GMB/UOL/Start