JUE 28 DE MARZO DE 2024 - 17:40hs.
Artigo do New York Times

Com esportes presenciais interrompidos, o mundo das apostas se volta para os eSports

No meio da pandemia do coronavírus, apostadores recorrem aos jogos de computador e logo compreenderam as simulações digitais de futebol, basquete e futebol americano. Com os esportes tradicionais moribundos e os cassinos se arrastando, ninguém na indústria de apostas, que vale meio trilhão de dólares, está rindo dos eSports. Bem ao contrário: o setor está correndo para abrir mais mesas de bettings, segundo um artigo do The New York Times publicado pelo Estadão.

Marco Blume, diretor comercial do site de apostas Pinnacle, ainda se lembra do tempo em que apostar nas competições de videogames, conhecidas como eSports, era um conceito exótico.

“Quando começamos com os eSports, em 2010, recebemos uns US$ 100 em apostas numa semana e ficamos empolgados”, disse Blume por videoconferência de Londres. “A gente ficava olhando para a tela e comemorava a cada aposta que chegava. Na primeira vez em que falei sobre eSports para o meu conselho, eles disseram: 'Do que você está falando?' e deram risada”.

Agora, no meio da pandemia de coronavírus, com os esportes tradicionais moribundos e os cassinos se arrastando, ninguém na indústria de apostas, que vale meio trilhão de dólares, está rindo dos eSports. Bem ao contrário: a indústria está correndo para abrir mais mesas de apostas.

Mesmo com o declínio das apostas em geral, as empresas de apostas foram impulsionadas por um velho truísmo do mundo dos cassinos: os apostadores sempre encontram alguma coisa em que apostar. Desde março, os apostadores correram para os jogos de computador e logo compreenderam as simulações digitais de futebol, basquete e futebol americano.

Muitas produtoras de jogos de videogame estão se esforçando para acompanhar o aumento, e os relatórios do setor na Europa, onde as apostas esportivas são onipresentes, indicam que, desde o início de março, metade de todas as apostas foi nos eSports. Algumas casas de apostas tiveram aumentos de mais de 40 vezes nesse tipo de aposta durante o período.

“Quem manda agora são os eSports”, disse Blume. “Desde março, é a nossa categoria número 1 em todo o mundo e a grande maioria das apostas totais feitas conosco. Agora todas as principais casas de apostas oferecem eSports. Se não faziam antes, com certeza fazem agora”. (As casas de apostas online globais, como a Pinnacle, com sede em Curaçao, são ilegais nos Estados Unidos, mas geralmente legais e populares em grande parte do mundo. O trabalho de diretor comercial de Blume é comparável à execução de negociações e exposição a riscos numa empresa de médio porte de Wall Street).

No geral, a receita mundial de apostas em eSports deverá dobrar este ano, para cerca de US$ 14 bilhões. E, à medida que as apostas esportivas se espalham pelos Estados Unidos, na esteira de uma decisão da Suprema Corte de 2018, estados como Colorado, Nevada e Nova Jersey estão correndo para se antecipar aos outros nas ofertas em eSports. Em Nevada, as apostas esportivas são regulamentadas desde 1949. O estado aprovou sua primeira aposta legal em eSports no ano de 2016. E aprovou dois torneios em 2017, mas nenhum outro até o início da pandemia. Desde março, os reguladores de Nevada aprovaram apostas em 13 ligas e torneios de eSports.

“As pessoas querem apostar em alguma coisa, e nossos licenciados querem oferecer oportunidades de apostas para seus clientes e, pela natureza do funcionamento dos eSports, os jogadores podem competir mesmo fechados em casa”, disse numa entrevista James Taylor, chefe da divisão de fiscalização do Conselho de Controle de Jogos de Nevada.

Em meados de março, disse Taylor, as operadoras estavam fazendo solicitações para apostas em eSports a uma velocidade de “quase uma por dia”. Ele disse que sua equipe aprovou todos os pedidos, exceto dois cujas ligas não convenceram os investigadores quanto à existência de protocolos anticorrupção adequados. “Como reguladores, queremos garantir que as coisas sejam feitas corretamente, com a supervisão correta, para que todo o setor possa crescer”, disse Taylor.

Muitas das solicitações vieram da subsidiária de Nevada da William Hill, uma gigante britânica que opera mais de 100 mesas de apostas no estado.

Seth Schorr, executivo-chefe da empresa de gerenciamento de cassinos Fifth Street Gaming e fundador da Nevada Esports Alliance, disse a respeito desse crescimento: “Espero que, nos próximos cinco ou dez anos na América do Norte, os eSports sejam o terceiro em termos de apostas totais, depois da NFL e da NBA”.

As tendências de hoje “estão sendo aceleradas pelo coronavírus”

As ofertas já foram além das simples apostas em um jogador de videogame de elite vencendo o outro.

Se as apostas em futebol e basquete ainda dependem de atletas vivos (geralmente), os seres humanos se tornaram opcionais nos eSports. Algumas mesas de apostas globais agora oferecem lances sobre partidas de futebol totalmente automatizadas dentro do jogo FIFA 20, da Electronic Arts – computador contra computador. Nos Estados Unidos, o DraftKings e o FanDuel (que organizam torneios em cerca de 40 estados) estão abrindo novas competições gratuitas baseadas em jogos automatizados do Madden NFL 20, outro título da Electronic Arts.

O FanDuel e o DraftKings, que abriram capital em abril, também oferecem torneios, pagos por dinheiro de verdade, dos principais eSports tradicionais, como League of Legends, da Riot Games, e Counter-Strike: Global Offensive, da Valve Corp. Um porta-voz do DraftKings disse que os campeonatos de eSports pagos estão atraindo 20 vezes mais clientes e 50 vezes mais inscrições do que antes de março.

“Como muitas outras coisas, essas tendências que existem há muito tempo, especialmente na internet, estão se acelerando com o coronavírus”, disse Cory Fox, vice-presidente de assuntos governamentais do FanDuel, que é controlado pela Flutter, empresa internacional de jogos de azar sediada em Dublin.

Os estados que adotaram as apostas esportivas estão se adaptando mais uma vez

Com tantos estados em dificuldades financeiras, alguns lobistas acreditam que mais governos se abrirão para as apostas online – e para os eSports, especificamente – como fonte de renda tributável.

“Inicialmente, eu esperava que mais três ou quatro estados se abrissem para as apostas esportivas online este ano”, disse Bill Pascrell III, sócio do Princeton Public Affairs Group que representou os interesses do lobby das casas de apostas e empresas de tecnologia de jogos de azar. “Agora acho que veremos esse número dobrar quando as sessões legislativas voltarem”.

Em Nevada, o próximo passo para as apostas em eSports seria a pré-aprovação regulatória das apostas em determinadas ligas, como acontece na NFL e outras ligas esportivas tradicionais, em vez de petições caso a caso.

“Pode levar um ano ou dois, mas acho que agora é inevitável que vejamos uma lista de eventos de eSports pré-aprovados para apostas em Nevada”, disse Blaine Graboyes, executivo-chefe da GameCo, que desenvolve jogos para cassinos e vende dados de eSports para casas de apostas. “Este período consolidou os eSports como tema central dos debates e das ofertas de cassinos e casas de apostas”.

Depois de liderar a luta junto à Suprema Corte para expandir as apostas esportivas, Nova Jersey está correndo para acompanhar os eSports.

De início, sua lei proibia explicitamente as apostas em videogames. Sob estímulos dos cassinos, essa situação logo se alterou, mas apenas para os jogos em que todos os jogadores tivessem 18 anos ou mais. Poucas ligas de eSports podem cumprir essa promessa (ou responder a apenas um estado). Mas agora o deputado democrata Ralph R. Caputo, presidente do comitê de turismo, jogos e artes da Assembleia Estadual de Nova Jersey, está elaborando um projeto de lei que permitiria apostas em eSports, desde que pelo menos metade dos concorrentes tenha 18 anos ou mais e proibindo apostas em eventos do ensino médio.

No geral, mais de 15 estados permitem alguma forma de aposta esportiva. No momento, os executivos de jogos de azar dizem que o Colorado, que liberou as apostas esportivas em 1º de maio, parece ter as regras mais liberais de eSports do país.

A indústria de videogames, que vale US$ 160 bilhões, não tem certeza de como reagir

As empresas de jogos de azar e eSports operam sob a crença de que não precisam de permissão legal de nenhuma produtora de videogames para oferecer apostas ou campeonatos de eSports.

E, ao contrário das grandes ligas esportivas que se opunham às apostas em seus jogos antes da decisão da Suprema Corte, nenhuma grande produtora tentou bloquear as apostas em seus produtos (embora os executivos de cassinos tenham dito que uma solicitação de Nevada para abrir apostas na Liga Overwatch da Activision Blizzard, em 2018, tenha sido rejeitada pelos reguladores, em parte porque a empresa se opunha às apostas naquele momento).

Fora dos Estados Unidos, as casas de apostas geralmente podem oferecer novas apostas rapidamente e sem aprovação regulatória específica, o que ajuda a impulsionar um boom que deixou hesitante a indústria global de videogames, que vale US$ 160 bilhões.

Algumas produtoras parecem estar se interessando pelas apostas e vêm contratando monitores de integridade, os quais também vendem dados e serviços para as casas de apostas. Por exemplo, em meados de abril, os reguladores de Nevada aprovaram apostas para torneios de Call of Duty e Overwatch League. Três semanas depois, as ligas anunciaram um acordo de “serviços de integridade” com a empresa suíça Sportradar, feito no modelo de acordos semelhantes que a Sportradar firmou com organizações esportivas tradicionais, como a NFL e a Riot Games, pioneira dos e-Sports e criadora da League of Legends, um dos eSports mais populares.

“Na primeira vez que olhamos para os eSports, parecia o Velho Oeste”, disse Doug Watson, chefe de inovação da Riot, pertencente à Tencent, gigante chinesa de mídia e jogos. “As apostas esportivas são uma grande parte do ecossistema e estariam acontecendo independentemente da nossa permissão. Por isso, decidimos investir para proteger o esporte e garantir sua longevidade e legitimidade”.

Mas também está surgindo um outro caminho para o monitoramento da integridade dos e-Sports. Reguladores de apostas em Nevada, Grã-Bretanha e Malta, bem como empresas de apostas como a William Hill, fortaleceram seus laços com a Comissão de Integridade de e-Sports, um grupo britânico que tenta se tornar uma autoridade central para ajudar a interromper a manipulação de resultados e outras formas de corrupção – ajudando a legitimar as competições para apostadores, torcedores e patrocinadores.

Mas as principais produtoras de jogos relutam em participar. Os executivos da indústria de games explicaram que as produtoras talvez não queiram dar a impressão de que apoiam ativamente as apostas, ou de que seus jogos precisem de uma comissão internacional de integridade. Na Ásia, terra natal dos grandes negócios em eSports, os escândalos de manipulação de resultados derrubaram carreiras, equipes e ligas inteiras.

A questão é claramente desconfortável para as principais empresas americanas de videogame. A Electronic Arts (FIFA, Madden) e a Take-Two Interactive (NBA 2K) não quiseram comentar sobre as apostas. A Activision Blizzard recusou uma entrevista e ofereceu apenas uma declaração superficial de Pete Vlastelica, executivo-chefe da divisão de eSports da empresa: “A Activision Blizzard Esports está interessada em salvaguardar a integridade de nossas competições, pois esta é a nossa maior prioridade e o motivo da parceria anunciada com a Sportradar”.

Independentemente da reação da indústria de videogames, a adoção dos e-Sports pela indústria de apostas dos Estados Unidos pode estar apenas começando, pois as principais empresas estão indo além do foco nos eventos de verdade.

“Demoraram para jogar online, demoraram para apostar nos esportes e demoraram para entender os e-Sports”, disse Pascrell, o lobista de Nova Jersey. “Mas agora, as pessoas estão reconhecendo que os e-Sports são uma indústria legítima, que dá empregos de verdade e dinheiro de verdade, e as pessoas se divertem. Os e-Sports vieram para ficar”.

Fonte: Seth Schiesel, The New York Times (Tradução de Renato Prelorentzou para o Estadão)