DOM 19 DE MAYO DE 2024 - 01:33hs.
Carla do Couto Hellu Battilana, Claudio Coelho de Souza Timm e Patrícia Helena Marta Martins, advogados

Gaming, eSports e os seus desafios jurídicos

Aspectos de direito trabalhista, cível e de propriedade intelectual, além de enquadramento dos eSports como uma prática esportiva sujeita à regulação são desafios à modalidade, apontam Carla do Couto Hellu Battilana, Claudio Coelho de Souza Timm e Patrícia Helena Marta Martins, advogados e sócios na área de gaming & eSports do TozziniFreire Advogados. Para eles, os games estão se profissionalizando e ganhando cada vez mais atenção de um mercado que ainda tem muito para crescer.

"Antes visto apenas como recreativo e amador, o mundo dos games atualmente vivencia o fenômeno da profissionalização, ao mesmo tempo que observa o crescimento de todo um ecossistema ao seu redor. Da utilização de tecnologia de ponta na transmissão ao vivo (streaming) de competições ou de novas possibilidades de desenvolvimento de software e hardware de games (cloud gaming aliado ao 5G), passando por construções homéricas de arenas de jogos especialmente projetadas para eSports até chegar a plataformas de apostas esportivas patrocinando atletas e times de modalidades esportivas, é possível dizer que 'não se fazem mais jogos como antigamente'. O mercado, subitamente e atualmente, é muito maior do que estávamos acostumados.

Desse cenário emergem oportunidades de crescimento tão grandiosas quanto seus desafios jurídicos. Os debates na doutrina têm sido alimentados pela prática negocial e também pela judicialização de controvérsias, de modo que a jurisprudência certamente contribuirá para a construção do campo teórico dessa temática. Diante desse cenário, é claro, o Direito é acionado e a indústria de games passa a criar uma face própria, com demandas específicas relacionadas a seu desenvolvimento. Na esfera trabalhista, por exemplo, discute-se a existência ou não de vínculo trabalhista entre clubes ou gestores de times e atletas; na esfera desportiva, o enquadramento de eSports como uma prática esportiva sujeita à regulação desportiva nos termos da Lei Pelé, o que conferiria maior proteção jurídica a atletas, equipes e profissionais envolvidos; na esfera cível, os limites de exploração dos direitos de imagem e de arena de atletas, bem como negociação de contratos de patrocínio de grandes eventos; a propriedade intelectual, por sua vez, pode ser avaliada sob o contexto da comercialização de jogos eletrônicos, propriedade de software e demais questões relacionadas à tecnologia da informação; por fim, na esfera consumerista, há de se atentar ao aumento considerável de demanda por jogos eletrônicos e frustrações na prestação de serviços e entrega dos produtos.

Nesse sentido, estabelecer as bases e os fundamentos dessa indústria é um dos primeiros passos para a imersão em seu contexto – e, é claro, para entender seus aspectos jurídicos a fim de pensar nas melhores soluções. Diante desse cenário, é perfeitamente possível afirmar que o ambiente dos games, sob a ótica do Direito, pode ser entendido em três grandes grupos: jogos em geral, jogos de sorte (ou de azar) e eSports. Cada um deles tem, portanto, questões jurídicas específicas, algumas vezes completamente diferentes entre si.

De maneira geral, jogos podem ser entendidos como a modalidade amadora e recreativa dos games. Com consoles ou portáteis, software baseado ou não em nuvem, presentes em nossos bolsos todos os dias com os jogos mobile, jogos recreativos têm suas questões jurídicas mapeadas há algum tempo. Apenas para exemplificar, pode-se citar o desenvolvimento de um jogo de videogame do início ao fim: ao longo dessa jornada, discutem-se os direitos de criadores pela obra (ilustradores, designers, músicos), registros perante órgãos governamentais (INPI e ECAD, por exemplo), formas de captação de recurso para pequenos e médios projetos, organização e definição da estrutura societária do negócio, produção e proteção de derivados de personagens dos jogos para o mundo real (por exemplo bonecos), entre outras questões.

Além das demandas rotineiras, é importante dizer que o mercado de games também envolve uma cadeia logística, muitas vezes internacional, para suprir a alta demanda por componentes utilizados na fabricação de consoles, acessórios e outros jogos, por exemplo. Além disso, quando os produtos são de fato liberados para venda, surgem desafios consumeristas. Em cenários de escassez, quando a transação é feita por marketplaces, são quase instantaneamente comprados por bots de compra (para revenda). Esses são apenas alguns exemplos de como a indústria, por si só, já possui debates jurídicos de sobra.

Contudo, há muito mais a discutir. Começando por eSports, estamos diante de uma nova modalidade de jogos atrelada à competição e à profissionalização de atletas. É, literalmente, a junção da indústria dos jogos com as indústrias do esporte e do entretenimento. Dessa combinação aparecem transações de valores bilionários (patrocínios, direitos de imagem, transmissão, etc.) e até novas profissões, como apresentadores de eventos de eSports, atletas, treinadores desses atletas e até assessoria de imprensa especializada. A multidisciplinaridade dos desafios exige um amplo conhecimento jurídico para as diversas situações narradas: seja no direito trabalhista, cível, ou de propriedade intelectual, entre outros.

Por fim, ainda temos os jogos de sorte, ou azar, que estão se ampliando significativamente, especialmente nas modalidades de loterias, como com a promulgação da Lei nº 13.756/2018, que legalizou as chamadas 'apostas de quota-fixa relativas a eventos reais de temática esportiva'. O diploma limita a exploração da atividade econômica de apostas esportivas à iniciativa privada em ambiente concorrencial, impondo a necessidade de regulamentação por Decreto que, até o momento, não foi publicado. Assim, a exploração dessa atividade ainda requer cuidados que podem ter consequências jurídicas cíveis e até criminais caso não sejam endereçadas corretamente a tempo.

É notório, assim, que o mercado de games é gigantesco no Brasil, e no mundo, e ainda está em franco crescimento. Entender os desafios jurídicos e se preparar para enfrentá-los é parte importante do desenvolvimento de qualquer indústria, e por isso é preciso entender como o Direito de fato se relaciona com essas demandas específicas. Temos, então, a tarefa de destravar este potencial de crescimento e mantê-lo em alta, também considerando suas questões jurídicas."

Carla do Couto Hellu Battilana

Claudio Coelho de Souza Timm

Patrícia Helena Marta Martins

Sócios na área de gaming & eSports no escritório TozziniFreire

Fonte: Showmetech