LUN 22 DE DICIEMBRE DE 2025 - 06:10hs.
Opinião - Cesar Grafietti, Economista

Liberar as apostas pode ser bom para o futebol brasileiro?

Muito em breve terá no Brasil a liberação da atividade de apostas em eventos esportivos. Esta é uma indústria que movimenta muito dinheiro no mundo, além de algumas dores de cabeça. O economista Cesar Grafietti*, em sua coluna no site InfoMoney, traçou um perfil breve do cenário internacional, como os clubes e federações ganham dinheiro com isso e o que esperar para o futuro do Brasil com um mercado bilionário de palpites esportivos pela frente.

Trata-se de um mercado que tem graus muito diferentes de regulamentação e transparência. Os dados disponíveis estão na Europa, que é o grande mercado ocidental quando falamos em Apostas Esportivas. Aliás, é importante uma qualificação inicial sobre a diversificação do mercado de apostas. A European Gaming & Betting Association estima que haja cerca de 12 milhões de apostadores ativos na Europa, em 19 países que possuem regulamentação de jogo. Isso representa 3,5% da população acima de 18 anos desses países.

No maior mercado europeu, o Reino Unido, há regulamentação efetiva desde 2005. As regras, em 2014, sofreram ajustes para absorver a enorme quantidade de sites de apostas online que operavam fora da jurisprudência legal. O tamanho desse mercado é da ordem de € 26,2 bilhões e distribuído da seguinte forma:

 

 

Os dados significam que as apostas em futebol, online e offline, representam 35% do total do segmento. Dessas receitas a parcela que fica com a casa de aposta (GGY – Gross Gambling Yield) é de € 3,0 bilhões (cerca de 9%), sendo que no futebol o valor é de € 1,7 bilhões (margem de 12%). Esta é uma indústria que além de gerar receitas, gera impostos e empregos. No Reino Unido as apostas esportivas deixaram cerca de € 1,5 bilhões aos cofres do estado, enquanto todo o setor gerava 106 mil empregos diretos.

Mas não são apenas flores. Há grandes questionamentos em relação ao impacto social das apostas na vida das pessoas. Além da parte financeira, há questões como vício, que afetam cerca de 430 mil pessoas na Inglaterra, segundo dados da UK Gambling Commission. Por conta disso, o setor está buscando uma autorregulamentação, e por decisão própria, deixou de fazer publicidade nas partidas a partir de 10 minutos antes dos jogos, bem como durante suas realizações.

Atualmente, já é proibido fazer propaganda antes das 21h e as maiores casas de apostas querem proibir por completo. Isso já ocorreu na Itália, mas através de uma lei, que proibiu não apenas propagandas na TV e online, mas também nas camisas dos clubes italianos de futebol. Como exemplo, isto significou à Lazio perder uma receita anual de € 7 milhões, que era uma das 10 maiores da Itália.

Para os clubes, há basicamente dois impactos das apostas esportivas: o primeiro é o patrocínio das casas de apostas nas camisas ou como “partners” de apostas. Na Premier Legue, a 1ª Divisão Inglesa de futebol, 10 clubes possuem como principal patrocinador uma casa de apostas, o que representa 50% dos clubes. Um detalhe importante é que nenhum dos seis maiores está entre os patrocinados. Como os valores aportados são relativamente baixos, as casas procuram equipes menores, mas que jogarão contra os grandes e terão suas marcas expostas a preços módicos.

O maior valor de patrocínio pago a um clube inglês é de € 11,5 milhões, ao West Ham. Na soma dos 10 clubes da Premier League o valor total não passa de € 70 milhões. Comparativamente, o Manchester United recebe € 70 milhões anuais da GM, o Manchester City outros € 50 milhões da Etihad e a Juventus, maior patrocínio da Itália, recebe € 20 milhões da Jeep.

Segundo dados da Sportcal, as casas de apostas esportivas investem cerca de € 300 milhões anuais em publicidade, sendo que o maior investimento é da SporToto turca, com € 25 milhões anuais. Nesse sentido, o futebol inglês absorve 23% do total de investimentos publicitários do setor. Mas, na prática, representa apenas 4% da margem (GGY) das casas de aposta. A outra forma dos clubes e federações se beneficiarem das apostas esportivas é vendendo os chamados “Betting Rights”, que na prática significam autorizar a o uso da imagem ou das marcas nos negócios.

 

E no Brasil, como estamos?

No final de 2018, foi aprovado um projeto de lei que autoriza a exploração das apostas chamadas “por quotas fixas” de premiação. Ou seja, quem aposta sabe de antemão qual o prêmio caso acerte o prognóstico. A lei definiu a distribuição do valor arrecadado da seguinte forma:

 

 

Fazendo umas contas rápidas, usaremos dois mercados potenciais, indicados em estudo da FGV: R$ 4,5 bilhões seria o mercado atual de apostas em sites estrangeiros e R$ 10,0 bilhões seria o mercado quando regulado no Brasil. Se tomarmos a referência inglesa, onde 10% das apostas são feitas em lojas e 90% online, teríamos os seguintes valores:

 

 

Assim, a parte que caberia aos clubes não deve ser muito diferente dos R$ 100 milhões anuais, a serem divididos entre todos os clubes – pelo menos das quatro Séries Nacionais, mais Copa do Brasil e Estaduais – indicando valor pequeno por clube. Deveremos ter uma negociação entre clubes e casas de apostas para uso das marcas. Daí virá algum valor, que ainda não está claramente definido e pode ser negociado no individualmente.

Já da publicidade que as casas de apostas farão pode vir algo. Mas, num primeiro momento, é possível que haja um aquecimento de mercado para divulgar as marcas, porém se tomarmos como referência novamente a Inglaterra, apenas 4% da parte que fica com as casas é aportado nos clubes. No Brasil, isso significaria algo entre R$ 25 milhões e R$ 32 milhões quando em funcionamento normal. No início, deve ser mais, mas não dá para esperar rios de dinheiro vindo das apostas. Por exemplo, a Caixa aportava perto de R$ 140 milhões anuais no futebol, e não parecem serem as casas de aposta a ocuparem este espaço.

Algo que pode gerar mais dinheiro são os Betting Rights, que hoje não existem. Na Lei Pelé, há um regulamento que permite o uso de imagens dos jogos gratuitamente para fins de apostas. Logo, é necessário primeiro alterar a lei para depois definir cobranças. A FGV estima em cerca de R$ 300 milhões anuais os Betting Rights no Brasil, o que deveria ser revertido para os clubes, aumentando então os ganhos com o negócio de apostas.

A atividade está em processo de regulamentação no país e, se seguir os trâmites esperados, deve entrar em operação no 2º semestre de 2020. Independente das previsões de valores a serem aportados nos clubes, é impossível dissociá-los à realidade financeira do negócio. Se para R$ 10 bilhões de movimento as casas de apostas ficarão com R$ 800 milhões brutos, não dá para imaginar que muito mais que 10% ou 20% acabe retornando aos clubes de alguma das formas citadas.

Obviamente, quanto maior for o mercado, maior o bolo a ser distribuído, assim como, no início, há mais investimentos em construção de marca e indústria. Mas a ideia de que as apostas transformarão o futebol brasileiro é exagerada. Não mudaram o futebol na Europa e não o farão no Brasil.

* Cesar Grafietti
Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia a dia da economia real.

Fonte: GMB/ InfoMoney