VIE 19 DE ABRIL DE 2024 - 11:13hs.
Opinião - Hélio Schwartsman, filósofo e colunista da Folha

“Não vejo como opor-me a uma eventual legalização do jogo”

O filósofo e jornalista brasileiro Hélio Schwartsman, editorialista do Folha de S.Paulo, escreveu esta manhã uma coluna de opinião sobre a legalização do jogos de azar no Brasil. Ainda que ele não esteja a favor da atividade, Schwartsman acredita que a sociedade deve poder escolher em que gasta seu dinheiro e é o Estado que tem a obrigação de prover o cidadão com informações confiáveis e fornecer a usuários problemáticos o apoio dos serviços de saúde.

Não jogo e não consigo deixar de achar que qualquer um que frequente casas de apostas ou faça regularmente sua fezinha na loteria tem algo de trouxa. O único jeito de ganhar num cassino é sendo o dono dele. Todas as modalidades de jogo de azar são desenhadas para que a casa ganhe, se as interações se repetirem por tempo suficiente. De modo análogo, a maioria dos apostadores de loterias morrerá sem ganhar a tão sonhada bolada.

Ainda assim, não vejo como opor-me a uma eventual legalização do jogo. Não dá para defender, como defendo, que as pessoas devem ter autonomia para decidir se vão consumir drogas, eventualmente comprometendo sua saúde e suas finanças, mas não para apenas torrar seu dinheiro na roleta. Quem pode o mais pode o menos.

A discussão é menos em torno dos malefícios provocados por essas atividades, que são reais, e mais sobre o tipo de sociedade que queremos ser. Eu pelo menos jamais assinaria um contrato social no qual delegaria a meus vizinhos a decisão sobre quais substâncias posso ingerir ou no que posso gastar o dinheiro que ganhei honestamente.

Há um problema em sustentar esses níveis de autonomia individual, dirão os defensores de posições menos liberais. Seres humanos têm uma série de “bugs” cerebrais que os tornam presa fácil para certas drogas e para hábitos capazes de desencadear comportamentos obsessivos. Precisamos protegê-los contra esses defeitos de fabricação.

Concordo que algo deve ser feito, mas penso que a primeira linha de intervenção do poder público deve estar limitada a prover o cidadão com informações confiáveis. Secundariamente, o Estado pode fornecer a usuários problemáticos o apoio dos serviços de saúde. Não acredito, porém, que a possibilidade de escolha deva ser obstada. Em sociedades abertas, as pessoas têm o direito de fazer o que quiserem com seus próprios corpos e carteiras —e de errar nas tentativas.

Hélio Schwartsman

Filósofo e jornalista brasileiro, editorialista e colunista do jornal Folha de S.Paulo. Publicou Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão em 2001. Escreve para a Folha diariamente, exceto às segundas e quintas, e semanalmente, as quintas, na Folha.com.

Fonte: Folha de S. Paulo