MAR 7 DE MAYO DE 2024 - 14:10hs.
Opinião - Escritório Rato, Ling, Lei & Cortés

Bons ventos para o jogo no Brasil

Convidados pelo Game Magazine Brasil, os advogados Pedro Cortés e Madalena Perestrello, do prestigiado Escritório Rato, Ling, Lei & Cortés com sede no Macau, deram suas primeiras impressões acerca da minuta do decreto que irá regulamentar as apostas esportivas no País. “Aguardamos com ansiedade os resultados da consulta pública a este decreto e com ainda mais ansiedade o passo decisivo para a economia brasileira que será a possível legalização dos jogos”, expressaram os especialistas.

A República Federativa do Brasil parece estar cada vez mais perto de ver chegar ao fim a proibição geral de existência de jogos de azar em território nacional, agora que a minuta do decreto que irá regulamentar a Lei 13.756, de 12 de Dezembro de 2018, se encontra disponível para consulta pública.

Quaisquer jogos de azar em território brasileiro estão proibidos desde 1946. Transatlânticos que possuam cassinos a bordo só podem operá-los quando entrem em águas internacionais, mas hoje, com o jogo online legal em várias jurisdições, um número considerável de brasileiros acabam por fazer apostas em jogos de azar diariamente, já para não falar do jogo ilegal, que é uma realidade no Brasil.

Para quem tem contato diário com jurisdições como a de Portugal e a da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China (doravante, Macau), onde os jogos de fortuna ou azar são atividades permitidas por lei e regulamentadas nas suas várias vertentes, é interessante ter a oportunidade de ver surgir uma regulamentação do zero, como uma tela em branco, numa jurisdição de matriz e língua igual às nossas, mas com realidades sociais muito diferentes.

O texto da proposta de decreto em discussão foca-se principalmente na estipulação do destino dos montantes arrecadados, na previsão do regime de autorização de funcionamento das operadoras de jogo e no jogo responsável.

Tomando em conta o aspecto da publicidade, em Macau, não podem ser objeto de publicidade os jogos de fortuna ou azar, enquanto alvo essencial da mensagem publicitária – talvez porque, além da especial preocupação nos dias que correm em relação ao Jogo Responsável por parte das entidades públicas em Macau, não há, de fato, necessidade de publicidade do jogo em Macau.

Pelo contrário, de acordo com o decreto, será possível a publicidade da modalidade lotérica de apostas de quota fixa, à semelhança do regime atualmente em vigor em Portugal, cuja publicidade às apostas online é, muitas das vezes, agressiva.

Ainda assim, o decreto faz alusão a uma publicidade baseada na defesa do jogo responsável, i.e. deve a publicidade pautar-se por responsabilidade social e pela promoção da consciencialização do jogo responsável e sempre acompanhada de cláusulas de advertência. Já em Portugal a preocupação principal é a proteção dos menores, bem como de outros grupos vulneráveis e de risco e, por outro lado, a não associação do jogo a atividades mutuárias (alterações estas introduzidas em 2015, o regime anterior era semelhante ao que se encontra atualmente em vigor em Macau).

Quanto à prevenção do branqueamento de capitais e financiamento de terrorismo, não podemos deixar de referir que é de louvar a exigência de adoção e implementação por parte das operadoras de uma política de prevenção (não se esperando, aliás, outra coisa), contudo parece-nos existir um certo conflito entre o controle do jogo e a correspondente política que vem impedir a relação das apostas com atividades ilícitas e o que a comunidade internacional entende como uma eficiente proteção de dados pessoais. De acordo com os artigos 33 e seguintes do decreto, praticamente toda a informação acerca das pessoas envolvidas nas atividades em causa, não só a clientela, deverá ser recolhida, processada e armazenada pelos operadores.

É também de ressalvar que o artigo 52 do decreto dispõe que “De maneira a salvaguardar o interesse público na exploração da modalidade lotérica apostas de quota fixa, o Ministério da Economia ou órgão que virá a sucedê-lo expedirá, nos limites de suas competências institucionais, normas complementares com vistas ao cumprimento do disposto neste Decreto.”, ou seja, o decreto que vem regulamentar as apostas de quota fixa relativas a eventos reais de temática esportiva poderá ainda ser desenvolvido pelas entidades referidas, a fim de se aprofundar a matéria ora regulamentada.

Lidando, diariamente, em Macau – a Las Vegas da Ásia –, com uma realidade que gira à volta do jogo, havendo assim uma grande exigência no que toca aos diplomas que regulam essas atividades, é curioso acompanhar o que está acontecendo no Brasil, onde estão dando os primeiros e essenciais passos num caminho que parecia ter acabado em 1946. Aguardamos com ansiedade os resultados da consulta pública a este decreto e com ainda mais ansiedade o passo decisivo para a economia brasileira que será a possível legalização dos jogos de fortuna ou azar em cassinos, a que voltaremos num próximo artigo.

Pedro Cortés & Madalena Perestrello


Autores

Pedro Cortés

Advogado em Macau desde 2003, é sócio do escritório Rato, Ling, Lei & Cortés – Advogados (que tem escritórios na República Popular da China, Macau e Portugal). Tem experiência em direito do jogo, comercial, financeiro, mercado de capitais e arbitragem.

Está inscrito como advogado na Associação de Advogados de Macau, Ordem dos Advogados, Ordem dos Advogados do Brasil (São Paulo), Departamento de Justiça de Guangdong (como advogado transfronteiriço) e pode também exercer em Timor-Leste. É membro da IAGA (International Association of Gaming Advisors), Hong Kong Institute of Directors, IBA (International Bar Association), CIArb (Chartered Institute of Arbitrators) e Hong Kong Institute of Directors.

É docente convidado da Cadeira de Direito do Jogo da Faculdade de Direito de Lisboa da Universidade Católica Portuguesa e foi docente do programa de Mestrado em Ciências Sociais – Política Econômica Global na Universidade Chinesa de Hong Kong. Contribui regularmente para publicações jurídicas e não-jurídicas, sendo orador em várias conferências e seminários (sobretudo nas ligadas à indústria do jogo).

 

Madalena Perestrello

É Advogada Estagiária no escritório Rato, Ling, Lei & Cortés – Advogados, desde 2017, com especial ênfase nas áreas de Direito do Jogo, Comercial e Societário, Civil e Administrativo. É licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e tem uma Pós-Graduação em Corporate Finance pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

Fonte: Exclusivo GMB