VIE 26 DE ABRIL DE 2024 - 23:45hs.
Odorico Neto, fundador e CEO da ON808

“Deveria haver uma única lei, ampla e específica, para a derrogação dos jogos de azar”

Durante quase 20 anos de trabalho em cargos de gerência na Caixa, Odorico Neto adquiriu vasta experiência no setor de loterias e bingos. Hoje, fundador e CEO da agência ON808, uma consultoria jurídica em promoções comerciais, ele conversou com o GMB sobre os rumos do mercado lotérico, das apostas esportivas e a legalização do resto das modalidades. “Bem regulado e fiscalizado, o jogo é e sempre foi uma fonte eficiente de obtenção de recursos para os fins a que se destinam”, afirma.

GMB - Fale um pouco sobre sua empresa, a ON808. Como começou sua trajetória, que serviços presta e se planeja ou já atendeu empresas do mercado de jogos e apostas no Brasil?
Odorico Neto -
No início de 2018 resolvi criar a ON808 que, em sua essência, é uma consultoria jurídica em promoções comerciais, que visa principalmente levar conhecimento e experiência na criação e planejamento de promoções de vendas, com o objetivo de tornar suas mecânicas mais atraentes e com maior participação dos consumidores.

Na ON808, somos não só capazes de levar este conhecimento à criação e ao planejamento de uma promoção, mas também de autorizá-la na SECAP/ME, prestar a manutenção necessária durante sua realização, bem como prestar contas ao seu final.

Uma das maiores realizações da ON808, até o momento, foi a criação do curso “A Sorte nas Promoções Comerciais”, ministrado na Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo – ESPM/SP, que acredito seja o primeiro curso desta natureza.

Atualmente estamos trabalhando em um novo produto promocional, que acreditamos será inovador no mercado de promoções e que pretendemos lançar no momento oportuno.

Você atuou como Gerente Nacional de Bingos e Promoções Comerciais da Caixa durante 19 anos. Pode nos fazer um resumo da sua trajetória no banco e quais foram suas maiores contribuições para o setor?
Entrei para Caixa Econômica Federal, como Economiário, em julho de 1982 e fui alocado diretamente na GERLO – Gerência de Loterias, que naquele tempo cuidava das Loterias Federais de todo o Estado de São Paulo. Em 1990, fiz parte da equipe que criou, preparou e lançou a Loteria Instantânea Federal (a popular raspadinha). Fui nomeado como Gerente da Central de Logísticas das Loterias do Estado de São Paulo, no inicio de 1996, passando a cuidar de todas as modalidades de Loterias comercializadas até então.

No ano de 1997 assumimos um novo desafio: A implantação do Sistema On-Line Real Time de capitação de apostas. Na sequência, no final de 1999, com a questão da regularização dos Bingos no Brasil, fui convidado a participar do grupo que cuidaria da internalização dos Bingos pela Caixa. No inicio de 2001, fui nomeado como Gerente da Gerência Nacional de Bingos e Promoções Comerciais. Também, no inicio de 2001, se consolidou a transferência para Caixa das autorizações e das prestações de contas das promoções comerciais, realizadas por empresas comerciais e industriais. L,Ao final deste ano, havíamos autorizado mais de 500 casas de bingos e cerca de 1.300 promoções comercias.

Falando sobre o mercado de loterias, uma das principais conquistas da SECAP, Secretaria do Ministério da Economia reguladora da atividade, foi a quebra do monopólio com a venda da LOTEX para iniciativa privada. Concorda com isso?
Se verificarmos a história da Loteria Federal, veremos que até 1961 esta funcionava por meio de concessões de cinco anos e foram transferidas para a Caixas Econômicas Federal de cada estado, com o objetivo de lhes proporcionar recursos, tendo em vista o estado de desequilíbrio financeiro que apresentavam naquele tempo. O que quero dizer é que a Lotex vem num modelo já adotado anteriormente, mas que agora trará concorrência.

Concorrência é sempre bom, pois exige esforço e criatividade para se diferenciar do outro o que, certamente, trará novos e bons produtos lotéricos, mais atrativos ao publico apostador, proporcionando a capitação de maiores recursos para a União.

Além da concorrência, maiores investimentos e capitação de recursos, com certeza a geração de empregos e a formação de um mercado mais amplo e maduro. Penso que poderemos nos aproximar novamente dos grandes mercados de loterias e jogos do mundo.

E tendo atuado na criação e implantação da Loteria Instantânea dentro da Caixa, que dicas pode dar ao consórcio vencedor da licitação para elaboração do novo produto?
Primeiro, acho que eles já fazem isto muito bem. Contudo, eu diria para criarem jogos interativos, que usem a melhor tecnologia que possuam, que caprichem na distribuição e acreditem em novas mecânicas de jogos.

Um dos principais pilares, senão o maior, de vendas das loterias é a rede lotérica. Qual a sua avaliação do atual momento da classe e o que poderia ser feito para melhorar o rendimento dela trazendo mais lucros tanto para a Caixa quanto para os lotéricos?
Considero a rede de casas lotéricas a maior rede de serviços do País. São alguns milhares de quilômetros de balcões à disposição da população, espalhados pelo Brasil a fora.

Sempre foram valorosos. Basta observar o trabalho que realizam hoje, auxiliando no pagamento do Bolsa Família e atualmente do Auxílio Emergencial por conta do Coronavírus, entre outros benefícios.

Não consigo, de onde estou hoje, ter uma visão precisa do momento que atravessam. Por esta razão é difícil para mim dar uma opinião abalizada. Precisaria estar mais próximo para isto.

Contudo, minha avaliação, baseado na experiência que tive com a rede, para que funcionem bem e tenham bom movimento, é preciso que lhe sejam proporcionados publicidade dos produtos que comercializam e dos serviços que prestam, boa tecnologia e insumos necessários para realizá-los, a oportunidade de bons serviços, com remuneração adequada, produtos lotéricos atrativos e rentáveis.

Fechando o tema loterias, a criação de uma empresa única de loterias, a Caixa Loterias, desvinculando a atividade do banco, está em desenvolvimento. Qual a sua opinião sobre essa mudança? Acredita que seja o passo certo a se dar para promover o crescimento da atividade?
Não conheço os detalhes da formação desta nova empresa, mas esta iniciativa precisa ser analisada com cuidado.

Se voltarmos lá no Decreto nº 204/1967 verificaremos que ali foi instituído o órgão Administração do Serviço de Loteria Federal, vinculado ao Conselho Superior das Caixas Econômicas Federais, com orçamento e contabilidade próprios e com a colaboração das Caixas Econômicas Federais de cada Estado.

Ademais, o DL 204/67 estabelecia que os seus serviços seriam atendidos por Economiários postos à sua disposição e por empregados contratados pelo regime de emprego previsto pela CLT.

Ou seja, o então chamado órgão Serviço de Loterias tinha uma natureza apartada da Caixa, funcionando independente dela, inclusive com orçamento e contabilidade próprios.

A partir da unificação das Caixas Econômicas Federais de cada Estado, em 1969, formando a atual empresa Caixa Econômica Federal, os serviços de Loterias foram se incorporando à sua estrutura interna.

Acontece que loteria é um produto específico, com natureza e dinâmica próprios, diferentes dos produtos bancários que a Caixa comercializa.

Não podem ser tratados da mesma forma, precisam mesmo de autonomia e agilidade para desenvolver um composto de marketing adequado à sua natureza, de modo a atrair apostadores e serem competitivos.

Contudo, é necessário reconhecer que a Caixa é uma empresa centenária e sólida, que garante às Loterias Federais solidez na sua comercialização e que administra com muita eficiência o pagamento dos prêmios e os repasses legais de recursos, sempre com credibilidade e transparência.

Assim, com relação a esta nova empresa de que me fala, a Caixa Loterias, talvez a iniciativa seja necessária, vez que já há uma abertura do mercado de jogos, com o advento da LOTEX e da Loteria de Quota Fixa, e que as Loterias da Caixa precisarão ter velocidade e autonomia para responder à esta concorrência, competindo com os produtos de uma e na concessão da outra.

Com franqueza, penso mesmo que esta iniciativa só terá resultado se funcionar como pensaram lá no inicio: uma empresa autônoma, vinculada à direção da Caixa, com o apoio e a colaboração desta, mas com seu orçamento e contabilidade próprios.

Outras modalidades como bingos, cassinos e jogo do bicho têm sua legalização debatida em diferentes projetos de lei no Congresso. Qual sua posição sobre a liberação dessas atividades e o que falta para que o parlamento aprove uma nova lei sobre o tema?
Desde o tempo que cuidei dos Bingos, minha avaliação é que se a sociedade deseja jogar, isto precisa ser regulado e controlado, como qualquer outra atividade. Não o proibir.

A proibição leva à marginalização do jogo, que continua existindo (volta e meia ouço no noticiário que “um bingo clandestino foi estourado” em algum lugar) e não contribui com qualquer recolhimento de imposto ou taxa e nem atendem a um objetivo específico.

Com relação ao Parlamento, é preciso perceber que o jogo de azar já está definido em nosso ordenamento, na Lei de 1941, e que o que é preciso legalizar são as de derrogações desta norma, com um objetivo específico de contribuição, como forma de arrecadação, geração de recursos e empregos.

Vejo atualmente ao menos quatro derrogações desta norma do Jogo de Azar, que funcionam muito bem: 1 - As Loterias Federais, com finalidade social; 2 - As Promoções Comercias, com a finalidade de incrementar vendas de produtos e serviços; 3 - Os Sorteios dos Títulos de Capitalização, como incentivo à venda destes produtos e 4 - as Corridas de Cavalo, com o objetivo de incentivar a criação nacional de cavalos. As quatro são reguladas e cumprem o papel a que se destinam. Por que não fazer o mesmo com o Bingo e o Cassino?

Assim, penso que é necessário levar a eles uma visão mais precisa do que são os jogos que se quer derrogar, enquanto um negócio que, com a regulação e fiscalização adequados, se constituem em uma forma muito eficiente de obtenção de recursos e geração de negócios e empregos.

Além disso é preciso fazer ver que, como dizia Simão Brayer, um dos maiores mestres em jogos que conheci: “O ser humano, por instinto, é um jogador. O risco faz parte do desejo lúdico de apostar. O alvo é a vitória ou o enriquecimento rápido. Isto não tem nada a ver como o bem e o mal. É tão instintivo quanto o desejo de viver...”

Acredita que podemos ter uma lei que autorize todas as modalidades ou que seria melhor conseguir aprovação de uma modalidade por vez?
Particularmente, minha opinião é que deveria haver uma única lei, ampla e especifica, para a derrogação dos jogos de azar, em que se estabeleça somente as várias modalidades a serem derrogadas, o percentual de contribuição de cada uma delas, a previsão de infrações e penalidades e o órgão que irá autorizar e controlar as atividades. Esta Lei deve, também, estabelecer que a mecânica dos jogos e suas formas de operacionalização, distribuição e comercialização serão regulamentados pelo órgão autorizador e controlador.

Acho que desta forma é bom para o controle e para o negócio. Veja que os dispositivos sobre jogos estão espalhados por vários dispositivos ainda em vigor, da Lei de Contravenções Penais de 1941, passando pelos Decretos-Lei 6.259/44 e 204/67 até a recente Lei 13.756/2018.

Digo isto, com base na experiência que tive com os bingos, onde o fato de sua legalização estar incrustrada na Lei Zico, dificultou muito a regularização da atividade.

Na minha visão, como disse antes, cabe à lei dar legalidade ao jogo, estabelecer sua contribuição, quem vai regular e fiscalizar e quais as infrações e sanções a serem aplicadas em caso de irregularidades na realização do jogo. Neste aspecto, julgo como modelo o Decreto 6.717/79, que autorizou a exploração dos concursos de prognósticos numéricos e deixou a regulamentação, a forma de se fazer e comercializar para Ministério da Fazenda e a execução para a Caixa Econômica Federal.

Tendo atuado como Gerente Nacional das Autorizações, Fiscalização e Validação das prestações de contas dos jogos de bingo no Brasil pela Caixa, qual a sua opinião sobre essa modalidade em especial?
Particularmente, gosto muito, principalmente pela interação que proporciona entre os jogadores. O bingo, como as Loterias de Bilhetes ou de prognósticos de números fazem parte do costume dos seres humanos, onde podem exercitar a esperança por meio da sorte.

Veja os bingos de igreja e de creches, realizados com a intenção de arrecadar recursos para atender seus objetivos, onde as pessoas se integram, convivem, contribuem e se divertem.

Além disto, são uma forma eficaz de arrecadação de recursos e que geram um grande número de empregos.

Acredita que os bingos podem operar em conjunto com os futuros cassinos ou haverá algum tipo de concorrência entre os dois?
Não vejo concorrência entre eles. Penso que se destinam a públicos diferentes. A maior parte dos jogadores de bingo gosta da interatividade do salão de bingo, gostam de passar seu tempo disputando prêmios menores, quase que como uma forma de diversão.

Os jogadores de Cassino são diferentes, gostam de jogos de impulso, tanto pelo lado da diversão e do desafio, quanto de maior ganho financeiro. Além disto, existe um glamour em jogar nos Cassinos. Por esses dois tipos diferentes de jogadores, acredito que o Bingo e o Cassino possam coexistir, sem problema algum.

Em meio a todo o debate da legalização dos jogos e uma “reforma” na legislação das loterias, foram aprovadas e estão em processo de regulamentação as apostas esportivas, como loteria de quota fixa. Tem acompanhado o desenvolvimento dessa atividade no Brasil?
Sim, de longe. Tenho observado os sites que estão realizando este tipo de apostas e que aparecem nas camisas de vários times de futebol. Analisei também os artigos na Lei 13.756/18 destinados a esta nova Loteria e, na minha avaliação, são adequados. Acredito que funcionarão bem. Creio que lucro darão certamente. Contudo o quantum vai depender da aplicação e funcionamento dos percentuais de rateio fixado na Lei 13.756/18.

Finalizando, qual a sua perspectiva para o mercado de jogos e apostas no Brasil considerando que todas as modalidades, loterias, cassinos, bingos, apostas esportivas, estejam legalizadas e regulamentadas? O setor pode ser um forte impulsionador de uma futura recuperação econômica?
Minha perspectiva é de um mercado maduro, regulado e lucrativo. Penso que ainda há muito a ser explorado e que existam condições de atender aos anseios dos vários tipos de jogadores que existem dentro e fora do Brasil. Contudo, friso que para que isto aconteça é preciso que a regulamentação seja bem construída, que respeite as características de cada jogo, que os percentuais de rateio funcionem bem e proporcionem bom movimento para quem os explora e consiga arrecadar recursos ao fim a que se destinam.

Penso mesmo que deva existir um órgão controlador, capaz de produzir esta regulamentação adequada e interagir com os que vão comercializar o jogo, de modo que a atividade respeite estas normas e seja conduzida de forma harmônica e eficiente. Não tenho dúvida que o jogo autorizado, bem regulado e fiscalizado, é e sempre foi uma fonte eficiente de obtenção de recursos para os fins a que se destinam, com a realização de investimentos, geração de lucros, aumento de empregos e incremento do turismo.

Fonte: Exclusivo GMB