VIE 19 DE ABRIL DE 2024 - 15:08hs.
Sérgio Garcia Alves, Presidente da Comissão de Direito dos Jogos da OAB/DF

Desatualizações regulatórias sobre apostas esportivas no Brasil

A demora na regulamentação das apostas esportivas e a falta de ação do governo no sentido de adotar um caminho para a atividade é o ponto chave do artigo de Sérgio Garcia Alves publicado no site domtotal. O advogado e presidente da Comissão de Direito dos Jogos da OAB/DF descreve o cenário para 2022 e aponta que “o governo federal perdeu três anos de arrecadação”. Além disso, indica que “os apostadores estão desinformados e ávidos pelo entretenimento”.

No trâmite da Medida Provisória nº 846/2018, editada pelo Presidente Michel Temer, parlamentares inseriram e aprovaram a inédita "modalidade lotérica, sob a forma de serviço público exclusivo da União, denominada aposta de quota fixa" no Brasil.

Como resultado, a Lei nº 13.756/2018 formalizou a criação da modalidade que "consiste em sistema de apostas relativas a eventos reais de temática desportiva, em que é definido, no momento de efetivação da aposta, quanto o apostar pode ganhar em caso de acerto do prognóstico" e determinou que o então Ministério da Fazenda (atual Ministério da Economia) regulamentasse a matéria em até quatro anos.

Em palavras mais simples e atualmente estampadas no formato de patrocínio em uniformes da quase totalidade dos clubes do futebol brasileiro, ao redor de campos e quadras desportivas, em ringues de MMA, nos metros quadrados da carenagem de carros de corrida, no marketing dirigido online, no intervalo do seu esporte favorito em canal aberto ou por assinatura, a Lei nº 13.759/2018 legalizou as apostas esportivas ("sports betting") em território nacional.

Deu-se, assim, início à continuidade de um processo (afinal, as apostas esportivas certamente já existiam no Brasil antes disso, em ambientes físicos e digitais) cheio de emoções quase-normativas, riscos regulatórios e retorno financeiro-institucional proporcional para quem os encara.

Nesse intervalo, o mercado experimentou os primeiros raios de luz a trazerem transparência moral e comercial para suas operações.

No judiciário, o Supremo Tribunal Federal autorizou a criação de serviços públicos lotéricos em todos os estados brasileiros a partir de Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs 492 e 493), tendo decidido que os artigos do Decreto-Lei nº 204/1967 que garantiam o monopólio da exploração de loterias pela União não haviam sido recepcionados pela Constituição de 1988.

Em paralelo, o Executivo Federal ensaiou balões de regulamentação por meio de minutas de decretos que não vingaram; posteriormente, qualificou a modalidade no Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República (PPI), como alternativa para construção do caminho de desestatização da modalidade, a ser facilitado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), nos termos do Decreto nº 10.467/2020.

Agora, fala-se (ou melhor, ouve-se) que o processo de modelagem via PPI e BNDES teria sido abandonado e que a regulamentação emergiria a partir do próprio governo. Também se ouve o oposto. A ver.

De concreto, sob a ótica normativa e regulatória, o mercado obteve uma vitória parcial, ao ter a operacionalização do arranjo tributário baseado na soma de todas as apostas efetuadas ("turnover") finalmente alterada e substituída para considerar a incidência tributária com base no lucro bruto da operação ("gross gaming revenue" ou GGR), por decorrência da Medida Provisória nº 1.034/2021 e da consequente Lei nº 14.183/2021.

O derradeiro ano eleitoral de 2022 receberá o seguinte cenário:

1) governo federal perdeu três anos de arrecadação;

2) os apostadores estão desinformados e ávidos pelo entretenimento;

3) os órgãos de controle enxergam uma fotografia em baixíssima resolução do mercado;

4) ainda não há regras sobre publicidade ou marketing;

5) ainda não há regras sobre saúde pública e jogo responsável;

6) ainda não há regras para fornecimento de informações sobre apostadores ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), para fins de prevenção de lavagem de dinheiro e de financiamento ao terrorismo;

7) os estados esboçam a criação de suas próprias loterias prevendo a exploração de apostas esportivas em seus territórios incertos dos limites de suas competências materiais para modularem o serviço, ao largo do governo federal;

8) parte dos operadores aguarda (e atua) ansiosamente por esse desfecho para oferecer produtos aderentes a um quadro regulatório mais maduro; e

9) outras centenas de operadores, no Brasil ou a partir de fora do País, oferecem a modalidade (ix.a) se espelhando em boas práticas de reguladores estrangeiros ou (ix.b) simplesmente ignorando todo sinal de que haveria regras para oferta de apostas esportivas.

O mercado confia na capacidade de quem lidera esse processo no governo federal. Falta pouco para que o Estado faça o que tem que ser feito: suprir as lacunas do marco regulatório das apostas de quota fixa, conforme determinado em lei e demandado pelo ecossistema de apostas esportivas, incluindo-se aqui operadores, afiliados, apostadores, meios de pagamento, ligas esportivas, representantes de saúde pública e uma infinidade de agentes interessados na lisura desse processo.

Somente então poderemos anunciar atualizações regulatórias sobre apostas esportivas no Brasil.

Sérgio Garcia Alves
Mestre em Direito & Tecnologia pela Universidade da Califórnia, Berkeley. Mestre em Regulação pela Universidade de Brasília. Sócio de Abdala Advogados. Presidente da Comissão de Direito dos Jogos da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Distrito Federal (OAB/DF).

Fonte: domtotal