JUE 16 DE MAYO DE 2024 - 23:51hs.
Análise

O que pode acontecer com a legalização dos jogos no Brasil com a volta de Lula?

Os governos anteriores de Lula mantiveram uma posição ambígua sobre a legalização dos jogos de azar. Em 2003, auxiliares do novo presidente chegaram a preparar uma MP para liberar os bingos, mas veio o escândalo de Waldomiro Diniz e desde então foram 13 anos do PT no poder sem avanços para o setor. Agora espera-se que ainda neste ano o Senado debata o marco legal dos dois jogos. Ao contrário de Bolsonaro que prometeu vetar o PL, a ideia de Lula seria respeitar uma possível aprovação parlamentar.

Luiz Inácio Lula da Silva claramente não é um homem pró-jogo. Apesar das tímidas intenções de legalizar a atividade no início de seu primeiro mandato, ele encerrou os bingos em 2004 e a partir daí manteve uma posição contrária durante todos os seus anos no poder onde o setor não avançou e seu discurso de resistência ao jogo foi endurecido.

Na área de loterias, foi durante seu governo que a Caixa Econômica Federal se consolidou como uma entidade estatal federal monopolizadora da atividade, deixando de fora a iniciativa privada e a possibilidade de os estados possuírem loterias próprias e concessões.

A situação mudou no ano passado, quando o STF decidiu acabar com esse monopólio e dar aos estados a chance de ter seus próprios produtos lotéricos com os mesmos direitos da Caixa. A partir daí, será mais um cenário que Lula enfrentará, sem chance de centralizar novamente a atividade e com a obrigação de respeitar uma medida do STF.

Legalização dos jogos de azar

É claro que não será fácil levar a questão à votação no Senado apenas 20 dias antes do início da Copa do Mundo e próximo ao período de férias de fim de ano e recesso parlamentar. Após os resultados do primeiro turno, a nova composição do Congresso Nacional, principalmente pelo sucesso do PL em conquistar 99 cadeiras na Câmara e 8 no Senado, foi muito preocupante para as empresas de jogos caso a votação passe para o próximo ano.

O Centrão, grupo de apoiadores do atual presidente, conta agora com 235 representantes federais. No Senado, onde atualmente se encontra o PL 442/91, que legaliza todas as formas de jogos de azar, tais como bingo, cassinos e apostas esportivas, um terço das cadeiras disputadas foram conquistadas por membros do PL. O PL é um partido conservador que apoia a agenda de Bolsonaro.

Damares Alves, do Republicanos, e Alan Rick (União Brasil), entre outros, juntaram-se às fileiras conservadoras do Senado. Magno Malta, que sempre se opôs à atividade, também está de volta. De todas as cadeiras em disputa no Senado, 14 foram conquistadas por apoiadores do presidente. Por sua vez, Davi Alcolumbre, reeleito senador com influência significativa entre seus pares, pode ser um incentivo para o setor, apoiando a iniciativa.

Poucos dias antes das eleições deste domingo, Veja afirmou de forma chamativa que o Congresso deve aprovar – e Jair Bolsonaro sancionar – ainda neste ano o marco legal dos jogos de azar. A revista afirmou que o projeto segue no parlamento e é contestado por diferentes bancadas, mas ganhou força por ser um importante canal de receitas para o governo, que começará janeiro duramente endividado pelos gastos eleitorais deste ano.

Mas a situação pode mudar já que não será o governo Bolsonaro que fará a gestão da economia e do orçamento a partir de 2023 e essa correria para aprovar a lei pode ser freada. O plano do atual presidente contemplava vetar a possível aprovação do projeto pelo parlamento para manter sua palavra diante da bancada evangélica que sempre o apoiou para que depois o próprio Congresso derrubasse esse veto e apoiasse a legalização do jogo no Brasil.

Se o Parlamento aprovar o PL 442/91, será estranho o novo presidente Lula tomar rapidamente uma medida de veto e por ir contra a aprovação como uma de suas primeiras medidas de governo. Apesar de não gostar do assunto e não concordar com a legalização dos jogos de azar no Brasil, o novo presidente respeitaria as decisões do Congresso como prometeu em seu primeiro discurso após ser eleito.

Os parlamentares que atuaram na discussão dessa proposta e defendem a regulamentação do jogo estimam em 150 bilhões de reais o potencial de arrecadação de todas as atividades que passarão a ser tributadas com a aprovação do marco legal.

Sem dúvidas, os deputados federais reeleitos que compuseram o Grupo de Trabalho do marco regulatório dos jogos terão muito trabalho pela frente para convencer a nova bancada, no Senado, a votar pelo segmento, demonstrando a eles todo o entendimento que tiveram sobre o setor. Vermelho, Felipe Carreras, Bacelar e Eduardo Bismark, todos eles com um desempenho admirável à frente do GT no passado, continuam a mostrar seu apoio à atividade.

Se o Senado brasileiro aprovar o PL 442/91, o presidente Bolsonaro declarou que vetará o projeto. Entretanto, com a atual composição do Congresso, seria mais fácil para eles revogarem seu veto. Se o Congresso aprovar o projeto de lei, ele terá que ser aprovado por ambas as câmaras antes do final do ano. Se for adiado para a próxima sessão, a nova composição do Senado pode dificultar a aprovação do projeto, com Lula no poder.

Por outra parte, o governo de Bolsonaro agora e até mesmo o de Lula, a partir de janeiro, terão de buscar uma solução definitiva para a nova lei do piso salarial da enfermagem que está suspensa até o início de novembro, prazo estabelecido para que possibilidades orçamentárias fossem apresentadas para aplicar a lei com o reajuste.

A suspensão foi decretada em 4 de setembro pelo ministro Roberto Barroso, do STF, diante do impasse financeiro indicado por instituições de saúde sobre a falta de verbas para o custeio. Precisamente, a regulamentação dos jogos e apostas no território nacional foi mais uma ideia apresentada para ajudar a custear o piso salarial da enfermagem e sua aprovação poderia facilitar a resolução do tema.

Apostas esportivas

Antes de deixar o poder, o presidente Bolsonaro deve confirmar sua decisão de levar para o Ministério da Justiça a regulamentação das apostas esportivas, que até o momento estava sob a responsabilidade do Ministério da Economia. Já no final do limite do prazo processual pautado na lei, a mudança de pasta é vista como mais um empecilho para a regulamentação ainda nesse ano.

As empresas responsáveis pelos sites de apostas esportivas esperavam que a regulamentação fosse aprovada ainda no governo atual, uma vez que no ano que vem sua aprovação será dificultada por um Congresso Nacional mais conservador e, no caso da vitória de Lula, por um governo que beneficiaria mais os interesses do Estado, como as loterias Caixa, que da iniciativa privada.

A massiva presença das casas de apostas, a dependência dos clubes e associações dos fortes rendimentos dos patrocínios e a perda de rendas em impostos vão obrigar o novo governo a acelerar as medidas. Essa é uma questão que não existia na agenda de Lula em seus governos anteriores e sua real posição no setor não é conhecida, pois ele nunca se pronunciou sobre o assunto.

Um estudo da Zion Market Research mostra que esse mercado deve crescer 10% ao ano, atingindo cerca de 155,5 bilhões de dólares em 2024. No Brasil, a estimativa é que os sites de apostas esportivas devem movimentar entre 7 bilhões e 10 bilhões de reais por ano assim que a regulamentação acontecer.

Antecedentes

O governo Lula tem mantido posição ambígua em relação à legalização de jogos de azar desde o primeiro mandato do novo presidente. Em 2003, auxiliares de Lula chegaram a preparar uma medida provisória para liberar os bingos no país. Mas, antes mesmo do texto ficar pronto, veio o escândalo Waldomiro Diniz, e o governo mudou de direção. A medida provisória, que seria para liberar, acabou proibindo o jogo.

Ex-assessor da Casa Civil, Diniz foi flagrado pedindo propina ao contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. As cenas foram gavadas em 2002, quando Diniz era presidente da Loterj. Mas quando as imagens foram divulgadas, em fevereiro de 2004, o governo editou uma medida provisória para proibir os jogos.

O caso deu origem à CPI dos Bingos, para investigar a utilização das casas de jogos para prática de crimes de lavagem de dinheiro. Mas o foco da investigação ampliou tanto que ao longo de dois anos de duração ganhou o apelido de CPI do Fim do Mundo.

Em 2007, já no segundo mandato, Lula disse que pessoalmente era contra os bingos, mas a palavra final sobre o assunto seria do Congresso. “Eu sou a favor de não ter bingo. Já fiz uma MP para acabar com os bingos, porque eu estava convencido naquele instante das informações que eu recebia da própria Polícia Federal de que o bingo era utilizado como lavagem de dinheiro”, disse o ex-presidente.

Mas, logo em seguida, acenou com a liberação dos jogos: “Dizem que tem uma diferença, que uma coisa é o bingo, onde vão as mulheres, as velhinhas jogar; e outra coisa são as máquinas, parece que ali é que há distorção. De qualquer forma, acho que o Congresso pode regulamentar, proibindo ou não proibindo”, afirmou.

A Polícia Federal e o Ministério Público Federal fizeram várias operações para fechar casas de bingos e apreender máquinas. Delegados e procuradores diziam que, além de ilegal, jogos de azar serviam para lavar dinheiro da corrupção e do narcotráfico.

Numa entrevista depois da posse, em 2 de janeiro de 2011, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse que era contra o projeto de legalização dos bingos: “Esse projeto, da forma que está, realmente favorece sobremaneira a lavagem de dinheiro e, portanto, indiretamente o crime organizado”.

Fonte: GMB