MIÉ 8 DE MAYO DE 2024 - 16:15hs.
OPINIÃO - Marcello M. Corrêa, advogado da LOTERJ

Loterias estaduais: MP 846/18, mais uma oportunidade perdida

O texto final na Medida Provisória 846/2018, que trata da destinação dos recursos das loterias, principalmente para a Segurança Pública está sendo muito festejado. E não é para menos. Depois de muitos anos sem grandes inovações legislativas, o art. 29 do Projeto cria a modalidade lotérica de apostas de quota fixa, consistindo em um sistema de apostas relativas aos eventos reais com temática esportiva. Por outro lado, perdemos a oportunidade de colocar o mercado brasileiro de loterias em um patamar muito mais elevado.

Em outras palavras, a MP traz a previsão para exploração das apostas esportivas pela União Federal, na forma de serviço público exclusivo, que poderá ser autorizado ou concedido, bem como comercializado até por meio virtual (§2º do art. 29).

Aprovado o texto na Comissão Especial, a Presidência do Congresso Nacional encaminhou o mesmo para apreciação dos Plenários (Câmara e Senado), no último dia 08/11/2018. Isso quer dizer que em breve teremos apostas esportivas no Brasil.

O cenário é animador! E causa um verdadeiro frenesi nos mais diversos agentes públicos e privados, incluindo no futuro Presidente da República, JAIR BOLSONARO, e o futuro Ministro SÉRGIO MORO, visto que os recursos das loterias, sobretudo o das apostas esportivas, irão reforçar o caixa de uma temática fundamental para o novo governo (vide: https://www.gamesbras.com/legislao/2018/11/16/bolsonaro-pede-aprovao-da-mp-que-da-recursos-de-loterias-apostas-segurana-10550.html).  

Vale comentar que a aposta esportiva é a modalidade que mais cresce em nível mundial e nasceu altamente tecnológica (acessível em qualquer smartphone). Tem potencial para gerar vultosos recursos para Segurança Pública (sem aumento da carga tributária).

Mas apesar de toda festa, a Comissão Especial, pelo que podemos extrair do relatório do Senador FLEXA RIBEIRO, manteve a visão limitada do Ministério da Fazenda (mais precisamente a Secretaria de Acompanhamento Fiscal, Energia e Loteria – SEFEL) sobre o desenvolvimento do mercado das loterias. Vamos explicar.

Para a SEFEL, só existe a Loteria da União Federal. Por isso o órgão insiste em atribuir à União uma exclusividade (monopólio) para explorar as modalidades lotéricas em detrimento dos Estados e do Distrito Federal. É perceptível a influência da SEFEL no projeto de conversão em foco e, nessa trilha, vislumbra-se a concentração de poder e de recursos.

Vale comentar que há quase 10 anos, a SEFEL (por sucessão da SEAE) busca extinguir as loterias estaduais através dos mais variados constrangimentos, tudo para estabelecer um monopólio não previsto na Constituição de 1988. Dentre os constrangimentos utilizados, há a tentativa de impor as limitações comerciais (e tecnológicas) do Decreto-Lei 204 de 1967. Ainda no campo jurídico, faz uma interpretação particularizada e equivocada da Súmula Vinculante n.02, induzindo os agentes de mercado ao erro, pois confunde a capacidade legislativa com monopólio (dois institutos jurídicos distintos).

O resumo da obra é a insegurança jurídica. Insegurança que se traduz em perda de receitas para todos, desde os Estados da Federação (e o Distrito Federal) até a União (vamos recordar o fracasso da tentativa de concessão da LOTEX).

O texto legal em comento não trará solução para o conflito federativo instaurado pelos técnicos da SEFEL. Cabe destacar que o conflito já foi levado ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal (STF) pelas Loterias Estaduais. E, corroborando o entendimento dos Estados, o Colégio Nacional dos Procuradores Gerais dos Estados e do Distrito Federal ingressou como amicus curiae na ADPF 493 (da Associação Brasileira de Loterias Estaduais - ABLE).

Em outras palavras, 14 Estados e o Distrito Federal, através de renomados juristas defendem a constitucionalidade e a legalidade da exploração dos serviços públicos de loteria pelos estados membros, em igualdade de condições – inclusive competindo com a União Federal pela preferência dos apostadores, nos moldes do já decidido pelo STF, quando do julgamento da ADIN n. 2.847 – DF, leading case da Súmula Vinculante n. 02, cujo voto do Min. CARLOS AYRES BRITTO merece a transcrição do seguinte trecho: (...) instituído, ou autorizado que seja um determinado jogo pela pessoa jurídica central da Federação (ainda que por lei ordinária, tão-somente), qualquer das duas unidades estatais periféricas (Estado-membro ou Distrito Federal), pode concorrer com ela, União Federal.  

Com efeito, quando a Comissão rejeitou as Emendas n. 34 e n. 35 (ambas de autoria do Deputado OTÁVIO LEITE), perdemos a oportunidade de colocar o mercado brasileiro de loterias em um patamar muito mais elevado. Isso porque tais emendas asseguravam a justa competição, a descentralização e a ampliação do mercado. Mais ainda, tais emendas harmonizavam a legislação federal com as decisões do STF. Por exemplo, vejamos o texto do caput da Emenda n. 35: sem prejuízo da autonomia financeira, administrativa e operacional, compete aos Estados da Federação e ao Distrito Federal, adequar suas legislações, no couber, às normas gerais da presente lei, para exploração de suas loterias, no âmbito de seus respectivos territórios.

Se a Comissão tivesse incluído o espírito de tais emendas no texto, estaríamos falando agora do desenvolvimento de vários mercados (e oportunidades), tanto em nível nacional, a ser explorado pela União Federal, quanto em nível regional, a ser explorado pelos Estados interessados – cada qual com suas potencialidades e características. Aquelas emendas permitiriam um arranjo jurídico-institucional sintonizado com o Pacto Federativo atual. Mas isso não aconteceu.

Agora o texto que irá ser votado no Congresso é a materialização de uma visão limitada das loterias, apesar dos avanços - foi um passo adiante, quando se poderia ter dado 10! No mais, esperamos que o Governo BOLSONARO faça as devidas correções através de uma nova MP e recupere a oportunidade perdida, antes dos prejuízos que se anunciam.

Marcello M. Corrêa (Advogado da LOTERJ)