VIE 3 DE MAYO DE 2024 - 15:01hs.
Ulisses Schwarz Viana, procurador do Mato Grosso do Sul

“A sensibilização do STF quanto as loterias faz parte da solução para a crise dos estados”

(Exclusivo GMB) - O procurador do Mato Grosso do Sul é presidente da Câmara da Técnica do Colégio Nacional dos Procuradores Gerais dos Estados e do Distrito Federale protocolou pedido para que mais 14 estados sejam admitidos como amicus curiae na ADPF 493 da ABLE no STF. Em conversa com o GMB, ele fala sobre os tramites do processo, as chances de vitória e afirma que as loterias podem ser uma saída para a atual crise financeira dos estados.

GMB - Fale um pouco sobre o CONPEG. Como ele surgiu, quais as suas principais atividades e o maior objetivo a ser alcançado no momento?
Ulisses Schwarz Viana -
O CONPEG é o Colégio Nacional dos Procuradores Gerais dos Estados e do Distrito Federal já vem funcionando informalmente há muitos anos. Já há quase duas décadas havia reuniões informais dos procuradores gerais dos estados e DF e de quatro anos para cá o CONPEG partiu para a sua formalização e se tornou uma entidade civil que congrega os procuradores gerais dos estados e DF. A finalidade do CONPEG é exatamente discutir a questão do federalismo e cuidar da parte judicial das discussões que são travadas nos tribunais superiores que envolvam os interesses comuns dos estados. Então, nesse momento há uma reunião trimestral dos procuradores gerais em que são tratados temas federativos de interesse comum dos estados. Ou seja, em alguns momentos pode haver alguma divergência entre os estados e esses temas não vão para o CONPEG, só vão aqueles que produzem um alinhamento de interesses.

Junto ao CONPEG, existe a Câmara Técnica do CONPEG, a qual eu presido aqui em Brasília, ela é composta pelos procuradores de todos os estados brasileiros que atuam em Brasília. Então nós nos reunimos mensalmente na capital federal e vamos fazendo o acompanhamento de temas, como este da ADPF 943, que possam ter repercussão jurídica no interesse dos estados. Nós discutimos, elaboramos uma peça processual conjunta de pedido de ingresso de Amicus Curie nos processos, assinamos essa peça em conjunto e levamos ao conhecimento do STF, do STJ, do TST e demais tribunais superiores em Brasília questões que envolvam repercussões na esfera do interesse jurídico e econômico dos estados.

Como a questão da luta pelo direito dos estados de explorarem as loterias chegou à Câmara Técnica do CONPEG, qual a conclusão alcançada pelos procuradores e o que está sendo reclamado na ADPF 493 no STF?
Essa questão surgiu na Câmara Técnica trazida por um grupo de estados, porém, já era uma discussão que estava latente. Havia algum tempo que estávamos preocupados com isso, porque, como a nossa peça de ingresso informa, nós temos hoje uma situação muito complicada. Temos três estados que podem de forma muito limitada explorar alguns aspectos de loteria, 12 estados estão supostamente impedidos de criarem as suas loterias e essa é a questão. Nós queremos levar ao Supremo Tribunal Federal uma discussão ligada ao pacto federativo.

Esse decreto que está sendo questionado, o 204/1967, ele foi editado antes da Constituição de 88, então, há na teoria do direito constitucional uma discussão chamada de direito pré-constitucional, são normas que estavam em vigência antes da nova constituição de 88 entrar em vigor e há uma teoria que diz: ou essas normas estão recepcionadas, foram acolhidas pela constituição nova ou elas foram revogadas. A nossa tese é de que esse decreto, 204/67, não foi recepcionado, não foi acolhido, pela ordem constitucional de 1988.

E nós levamos também para o Supremo uma discussão eminentemente jurídico constitucional que é a questão de que o Supremo já reconheceu que a união tem competência privativa, só ela pode legislar sobre loterias, mas, isso não significa que os estados estejam impedidos pela constituição, não há nenhuma norma constitucional, que proíba os estados de explorar as loterias. O que a constituição diz é que a união pode regulamentar por lei, mas, não poderia impedir a atividade administrativa do estado de organizar e explorar essa atividade de loteria.

Quais são as teses elaboradas pela Câmara Técnica do CONPEG que fortalecem as questões levantadas pelos estados nesse processo no STF?
Existem duas teses, dois argumentos jurídicos que são colocados nessa manifestação da Câmara Técnica. O primeiro argumento é o da igualdade entre os estados; o princípio da isonomia federativa. Então, todos os estados estão no mesmo plano de igualdade formal da constituição e nós temos uma norma que descrimina estados; isso ofende a federação e a ideia de igualdade e isonomia federativa entre os estados. Esse é o primeiro ponto.

O outro ponto que nós suscitamos na peça é: esse decreto lei, quando autoriza os estados que já tinham em 1967 as suas loterias, ele permitiu que a loteria fosse explorada do mesmo jeito que era naquela época. Então, nós temos um problema de evolução tecnológica. Hoje nós não podemos utilizar tecnologias eletrônicas para fazer uma loteria, estamos congelados no tempo em 1967. O meu estado como procurador, o Mato Grosso do Sul, não existia em 1967; ele só veio a se tornar estado com a divisão do Mato Grosso em 1977. E veja só: um estado novo na federação que está impedido de explorar as loterias porque ele nem existia no sistema constitucional de 1967.

Outra coisa que eu queria deixar claro é que a receita dessas loterias, de acordo com o art: 195, inc: 3 da Constituição, serve também para ajudar a financiar a seguridade social. Essa receita dos jogos de prognósticos ajuda a combater o déficit previdenciário e os estados que estão impedidos não tem acesso a essa fonte de recursos. E esse, é um problema muito sério no federalismo brasileiro, que é a quebra da isonomia e o fato de que a Constituição em nenhum dispositivo diz expressamente: os Estados não poderão explorar loterias e concursos de prognósticos.  A única regra que a Constituição estabeleceu é que compete só a União legislar sobre loterias, mas, isso não significa que uma lei federal possa proibir os estados porque não há nenhuma norma expressa na constituição trazendo essa proibição.

Qual é o passo a passo da tramitação da ação ADPF 493 dentro do Supremo Tribunal Federal? Em quanto podemos der o julgamento final desse processo?
Agora nós temos que contar com vários fatores. Estamos em uma fase inicial do processo e o que aconteceu até aqui foi: o relator, excelentíssimo ministro Gilmar Mendes, adotou o rito do art; 12 da lei da Ação Direta de Inconstitucionalidade, o que significa que ele não vai apreciar a medida cautelar que foi solicitada. Então, ele vai levar a ação diretamente para a decisão de mérito. Agora serão ouvidos o presidente da república, o advogado geral da União e na sequencia a procuradora geral da república, Dra. Raquel Dodge, que vai fazer a sua manifestação no sentido do acolhimento ou não dessa ação.

Após isso, o processo vai entrar na pauta geral do Supremo, o ministro relator vai colher todas essas informações e elaborar o seu voto; e esse tema será levado a julgamento, mas, não tem data, isso pode ser daqui um ano, dois, não sabemos. Vai depender da pauta da presidência do Supremo e sabemos que a pauta do tribunal está cheia de temas, inclusive questões que são conhecidas de todos nós, muita matéria penal também para ser decidida e não há uma previsão. Mas, pode ser que o tema dentro de um ano ou dois esteja julgado.  Só a título de informação, na sessão de julgamento, quando ela ocorrer, a Câmara Técnica vai designar um procurador de estado desses que estão elencados na petição para fazer uma sustentação oral, expondo esses argumentos que conversamos aqui.

Existe algum precedente do STF que aponte uma decisão favorável às loterias estaduais nesse processo que corre atualmente no tribunal?
O que o Supremo disse nas ADIN’s (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) que ele já julgou no passado é somente isso: só a união pode legislar sobre as loterias e concursos de prognósticos. Mas, o Supremo em nenhum momento nessas ADIN’s, disse: é proibido que os estados explorem. Também não há uma manifestação específica, direta, do Supremo Tribunal Federal no sentido de reconhecer a existência de uma proibição expressa na Constituição com relação à exploração das loterias. E é por isso que nós entramos nesse processo; ele é de suma importância para o federalismo brasileiro para restabelecer o equilíbrio e a igualdade entre os entes federativos nos termos da constituição.

Somando as teses apresentadas na ação e os precedentes dos julgamentos das ADIN’s podem gerar expectativa de uma decisão favorável aos estados nesse processo?
Nós esperamos que isso ocorra. Estamos trazendo uma argumentação muito boa, federativa, republicana e eu acredito em uma sensibilização do supremo com relação a esse tema, principalmente no momento de crise econômica que os estados estão vivendo. Essa é uma fonte de receita que a própria constituição destina para a seguridade social. Então, talvez tenha uma questão político-social de fundo nesse tema, que pode levar o supremo expressamente a dizer: sim ou não; a constituição permite ou não permite; a união pode proibir por um decreto anterior à constituição? Os estados estão trabalhando com uma expectativa positiva de que suas teses serão acolhidas, mas, esse é um modo de ver nosso. Nós vamos trabalhar, fazer tudo para que consigamos êxito e apoiemos a iniciativa, muito boa, da entidade autora, a Associação Brasileira das Loterias Estaduais (ABLE), porque é uma parte da solução para crise financeira dos estados poder explorar essas loterias.

No caso das Loterias Estaduais vencerem esse processo, já se trabalha em um modelo de exploração das loterias pelos estados? Eles pretendem seguir um padrão para todas as loterias ou cada estado vai administrar e explorar a loteria de forma individual?
Ultimamente os estados estão trabalhando de uma forma muito harmonizada; um exemplo é o CONPEG e sua Câmara Técnica e o colégio dos governadores. Claro que, se nós lograrmos êxito na decisão do supremo, isso vai provocar um mudança estrutural em todas as loterias estaduais, inclusive nos estados que já exploram. O que nós queremos é criar uma metodologia de trabalho em conjunto, uma troca de informações, inclusive para diminuir custos tecnológicos da exploração dessas loterias, certamente é um aspecto que vai ser discutido de forma conjunta pelos estados.
Eu, como procurador e presidente da Câmara Técnica, não tenho como responder isso, porque já é uma esfera política. Mas, a experiência que eu tenho na atuação dos estados em conjunto, isso vai ser discutido entre os estados com certeza. Pelo menos uma troca de experiências e informações haverá, no sentido de harmonizar a exploração dessas loterias.

Qual a posição do CONPEG quanto ao processo de desestatização da LOTEX, considerando a promessa de exclusividade na exploração do produto prometida pelo Governo ao vencedor?
Na questão da LOTEX, nós da Câmara Técnica ainda estamos numa fase de analise desse assunto. Nossos ingressos nos processos são precedidos de estudos que são encaminhados a cada procurador geral, que também consulta os governadores. Então, estamos em uma fase preliminar com relação a esse caso, ainda não temos uma posição. Há uma possibilidade de eventualmente nós entrarmos porque é uma questão conexa com essa que nós estamos na ADPS, mas, ainda não há nenhuma deliberação nesse sentido, estamos em estudos preliminares e o tema está no radar do CONPEG e da Câmara Técnica.

Com relação ao processo de legalização dos jogos no Brasil, qual a sua opinião sobre o atual momento da atividade após a rejeição do PL 186/2014 no Senado? Acredita que a regulamentação pode vir em breve por meio do PL 442/91 na Câmara dos Deputados?
Sobre isso, eu não vou falar pela Câmara Técnica, farei uma observação mais pessoal do assunto. Particularmente, eu vejo uma questão mais de índole moral,de fundo, do que uma questão técnica. Há muitos posicionamentos baseados em concepção de moralidade e que não sei se isso também não impede. As pessoas, às vezes saem do Brasil, vão ao Uruguai, Paraguai, para jogar; então, eu não sei se a gente estaria perdendo alguma receita com isso. Eu não sou um estudioso dessa área, mas, me parece que há uma necessidade de uma observação mais técnica e mais fria do tema. Acho que é uma questão mais moral que jurídica, de concepção de sociedade e o congresso nacional é o espaço onde essas discussões vão ocorrendo.

Eu, pessoalmente, não sou contrário; depende do que e como vai ser regulamentado. Precisaria, realmente,de um estudo mais técnico-econômica e as vezes as questões elas assumem uma postura mais de concepção moral sobre o jogo do que uma postura mais técnica. Juridicamente, não vejo, tem própria previsão da exploração dessas loterias pelos estados na constituição e não vejo nenhuma vedação no texto constitucional com relação a isso. Mas, depende realmente de muito estudo e de uma discussão mais aberta a sociedade brasileira sobre a viabilidade da regulamentação dos jogos.

Fonte: Exclusivo GMB