LUN 22 DE DICIEMBRE DE 2025 - 21:48hs.
Alexandre Manoel, secretário da SEFEL

Qual é o futuro do mercado de loterias no Brasil?

Alexandre Manoel, Secretário da Acompanhamento Fiscal, Energia e Loteria (Sefel) escreveu um artigo para o jornal Valor Econômico sobre o futuro do mercado de loterias no Brasil. Na sua análise, afirma que as modalidades operadas exclusivamente pela Caixa não tiveram crescimento estrutural, além de tratar das apostas esportivas, concessão da LOTEX, unificação dos payouts e da MP 846.

No Brasil, o único jogo com aposta legalizado é a loteria. Essa exceção é justificada por sua finalidade social, materializada na destinação de parcela de suas vendas para alguma área governamental, tornando-a um serviço público. Tal destinação é uma forma de compensar a sociedade por eventual externalidade negativa.

Por construção legal, o montante de vendas de uma loteria é dividido em três partes: i) percentual “x” destinado ao governo; ii) percentual “y”, ao operador que gere a loteria; iii) percentual “z”, à premiação dos apostadores (payout), de forma que: x + y+ z = 100%. A Caixa, por exemplo, operacionaliza as loterias federais.

Dado que o governo fica com um percentual “x” das vendas, torna-se, naturalmente, “sócio” de qualquer loteria. Assim, interessa diretamente ao governo a performance dos produtos lotéricos. De fato, quanto maior o montante de vendas das loterias, maior é a quantidade destinada para financiar alguma área do governo.

A atual gestão do Ministério da Fazenda (MF) compreendeu o quão estratégico é esse “sócio”. Além disso, inferiu que as loterias operacionalizadas exclusivamente pela Caixa faturam, historicamente, 0,2% do PIB (R$ 13,8 bilhões em 2017), com uma distribuição de 0,08% do PIB (R$ 6 bilhões em 2017) para o governo, sem apresentar qualquer crescimento estrutural ao longo do tempo.

Por conseguinte, diagnosticou o porquê dessa paralisia nas vendas, a fim de tomar providências para melhorar o desempenho da arrecadação lotérica, contribuindo, inclusive, para o ajuste fiscal em curso. Foram três os problemas diagnosticados: i) setor calcado em um monopólio estatal; ii) marco legal confuso; iii) ausência de duas modalidades lotéricas, considerando as quatro existentes, de acordo com a World Lottery Association (WLA), principal associação mundial de regulação lotérica.

De fato, conforme a WLA, há quatro modalidades lotéricas: i) Prognósticos Numéricos — cujos produtos o apostador tenta prever quais números serão sorteados (ex: Mega-Sena, Dia de Sorte, Quina, Lotofácil, Lotomania, Dupla Sena, Timemania e Loteria Federal); ii) Instantânea — mostra, de imediato, por meio da raspagem de um cupom em meio virtual ou físico, se o apostador foi ou não agraciado com alguma premiação; iii) Apostas Esportivas (“pari-mutuel”); e iv) Apostas Esportivas (“fixed odds”).

As Apostas Esportivas são aquelas em que o apostador tenta prever o resultado de jogos esportivos, existindo nos formatos “pari-mutuel” (ex: Loteca e Lotogol) e “fixed odds” (quota fixa, conforme tradução no Brasil). Neste, ao se efetivar a aposta, o apostador já sabe a premiação a qual fará jus para cada real efetivamente apostado; naquele, o ganho do apostador é conhecido somente quando finalizados os eventos esportivos.

No Brasil, portanto, somente são operacionalizadas duas modalidades: Prognóstico Numérico e Aposta Esportiva no formato “pari-mutuel”.

Diante desse cenário, em virtude da importância em prospectar maiores receitas com loterias, tendo em vista a ampliação dos recursos para as áreas do governo, o Ministério da Fazenda prescreveu os seguintes remédios para combater os problemas diagnosticados: abertura à concorrência do mercado lotérico, estruturação de seu marco legal e implantação das duas modalidades lotéricas faltantes.

Inicialmente, optou-se pela concessão à iniciativa privada da Loteria Instantânea Exclusiva (Lotex), segunda modalidade mais importante de loteria no mundo — representa, em média, 25% do mercado mundial. Com isso, espera-se a concorrência entre a loteria instantânea e as demais modalidades lotéricas, proporcionando um cenário competitivo para o setor brasileiro de loterias, com mais inovação, emprego e renda.

Em relação ao marco legal confuso, o MF articulou com as áreas de governo interessadas (Segurança Pública, Esporte e Cultura) a edição da Medida Provisória 846, promulgada em 1o de agosto de 2018 e aprovada no Congresso Nacional no final do mês de novembro. Essa MP uniformiza em um só marco legal a distribuição de recursos, antes difusa e espraiada em quinze normativos legais.

Ao unificar a legislação, a MP 846 sanou uma deficiência do marco legal, que possuía uma totalização nominal que variava de 104,5% até 115% na distribuição da arrecadação das loterias. Era necessário fazer regra de três para se chegar aos 100% dos recursos efetivamente distribuídos.

Ademais, o espraiamento da legislação obscurecia a noção de trade-off para os parlamentares e a sociedade como um todo, pois era possível que se destinasse recursos para alguma área do governo sem perceber que estaria diminuindo a parcela destinada à outra. Além disso, a confusão da legislação levava a reduções do payout, com consequências negativas para a atratividade da loteria.

Essa MP também autorizou, em uma estrutura de mercado concorrencial, a implantação da modalidade Aposta Esportiva de Quota Fixa. O MF terá até quatro anos para regulamentá-la. Esta, em conjunto com as modalidades de loterias operacionalizadas pela Caixa e com a Lotex, irão completar o mercado brasileiro de loterias.

Com essas iniciativas, estima-se que, em um futuro próximo, no cenário básico, o setor salte de 0,2% do PIB para aproximadamente 0,5% do PIB e a parcela das loterias destinadas às áreas governamentais salte de 0,08% do PIB para 0,15% do PIB — em um ambiente concorrencial, com crescimento de receitas, modernização, inovação e geração de empregos.

Por fim, destaque-se que foram estruturadas as bases para o futuro do mercado nacional de loterias, mas somente se consolidarão, se houver fortalecimento da regulação. De fato, a estruturação de um mercado privado forte e competitivo somente se consubstancia com regulação igualmente forte e tecnicamente competente.
 

Alexandre Manoel
Secretário da Acompanhamento Fiscal, Energia e Loteria (Sefel)