JUE 25 DE ABRIL DE 2024 - 18:56hs.
Disputa judicial

União quer Estados fora de loterias

O governo trava disputa judicial com quatro Estados para tentar eliminar o que considera um risco à entrada de investidores estrangeiros no mercado de loterias. Para a União, a exploração da atividade por Minas, Rio, Ceará e Paraíba é ilegal. Mas os governos estaduais discordam do decreto-lei de 1967 que estabeleceu o monopólio da União. Reportagem especial do Valor Econômico mostrou entrevistas e opiniões de ambos lados.

O governo trava uma disputa judicial com quatro Estados para tentar eliminar o que considera um risco à entrada de investidores estrangeiros no mercado de loterias. Para a União, a exploração das loterias por Minas Gerais, Rio de Janeiro, Ceará e Paraíba é ilegal.

Mas os governos estaduais discordam de decreto-lei de 1967, que estabeleceu o monopólio da União sobre a exploração, e ainda buscam na Justiça o direito de oferecer e ampliar os serviços prestados.

O Ministério da Economia tenta impedir que as lotéricas em funcionamento continuem operando e acionou a Advocacia-Geral da União (AGU) para essa tarefa. Procurada, a AGU informou que "vem adotando todas as medidas judiciais para manter os efeitos da legislação vigente sobre o tema".

Pelo menos três processos estão em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo a assessoria de imprensa do STF, as ações já foram liberadas para julgamento pelo relator, o ministro Gilmar Mendes. Contudo, até o momento, não foram pautadas pela Presidência, e não há previsão de inclusão em pauta.

A discussão ganha mais relevância em um momento em que o governo busca abrir o mercado de loterias. Em entrevista ao Valor no mês passado, o subsecretário de Prêmios e Sorteios do Ministério da Economia, Waldir Eustáquio Marques Júnior, afirmou que a existência das loterias estaduais foi um dos fatores que retiraram o interesse de algumas empresas pela Lotex, concedida à iniciativa privada no fim do ano passado.

Agora, o governo quer publicar até março um decreto para regulamentar as apostas esportivas por cota fixa, ainda não oferecidas no país. A ideia é atrair grandes empresas internacionais para o setor.

O impasse entre governo e Estados teve início na década de 1960. Antes da Constituição de 1988, o decreto-lei de 1944 criou o serviço de loteria e determinou que União e Estados poderiam explorar os produtos. Depois, em 1967, outro decreto-lei revogou parcialmente o anterior e estabeleceu que a exploração dos jogos constitui "serviço público exclusivo da União".

O decreto determinou ainda que não seria mais permitida a criação de loterias estaduais. Em respeito ao direito adquirido, a nova legislação viabilizou que as loterias criadas antes da publicação permanecessem em funcionamento. Segundo o Ministério da Economia, 16 Estados operavam antes do decreto - entre eles, os quatro que ainda funcionam. Após a publicação, outros oito criaram ou tentaram criar loterias.

A equipe econômica argumenta que, além do decreto de 1967, a Constituição estabelece que compete privativamente à União legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios e que súmula vinculante do STF, de 2007, ratificou que é "inconstitucional a lei ou ato normativo Estadual ou Distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios".

"A partir de atos administrativos estabelecidos nos últimos quatro anos mostrando a ilegalidade dessas operações, a grande maioria das loterias estaduais tem sido encerrada por inconstitucionalidade (maior parte) ou por ato do executivo estadual", diz o Ministério da Economia, em nota. As exceções foram Minas Gerais, Ceará, Paraíba, Rio de Janeiro e Piauí.

O Piauí encerrou em 2017 a exploração de loterias em função de processo administrativo instaurado pela antiga Sefel do Ministério da Fazenda - atual Secretaria de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria (Secap) do Ministério da Economia. No caso de Minas Gerais, houve decisão em desfavor da loteria estadual, mas, no ano passado, ato judicial paralisou o referido processo. Já no caso de Ceará, Paraíba e Rio de Janeiro, ainda há discussão na esfera judicial.

A legislação provoca variadas interpretações e os processos são questionados pela Associação Brasileira de Loterias Estaduais (Able). O presidente da Able, Roberto Rabello, disse que a entidade propõe que todos os Estados possam criar, caso queriam, suas loterias. "Tem que ter uma legislação que seja válida para todos", frisou. Ele critica também o fato de as loterias estaduais existentes terem restrições para criação de novos produtos. "Lutamos pela isonomia", ressaltou.

Autora de um dos processos em andamento no STF, a associação afirma que as ações judiciais e processos administrativos da União ferem "preceitos fundamentais do princípio federativo e da isonomia entre os entes federativos" e que é imprescindível a "aferição de normas pré-constitucionais que geram insegurança jurídica aos Estados".

A argumentação cita os casos de Rio de Janeiro e Minas Gerais, que operam há mais de 75 anos. A Loterj, do Rio, arrecadou, no ano passado, R$ 183 milhões com os produtos família Raspa Loterj, Rio de Prêmios e Tripla Chance, dos quais R$ 82,9 milhões foram destinados às premiações. Do lucro líquido, 70% são destinados a projetos e ações sociais.

Fonte: Valor Econômico