JUE 25 DE ABRIL DE 2024 - 19:14hs.
Ricardo de Paula Feijó, Advogado e sócio de Vernalha, Guimarães e Pereira

A privatização das loterias da Caixa beneficiará muito os programas de ajuda social

Em uma coluna de opinião exclusiva para o Games Magazine Brasil, o advogado Ricardo de Paula Feijó, sócio do escritório Vernalha, Guimarães e Pereira, defende a privatização das loterias da Caixa, que pode se concretizar com a MP 955 firmada pelo presidente Bolsonaro. “A operação dos jogos lotéricos por uma empresa privada aumentará a eficiência, com diminuição do custo e crescimento da arrecadação para destinação social”, assegura Feijó.

O Presidente Jair Bolsonaro editou recentemente a Medida Provisória nº 955/2020 autorizando as subsidiárias da Caixa Econômica Federal (CEF) a constituir outras subsidiárias e a adquirir o controle societário ou a participação minoritária em sociedades privadas.

O objetivo dessa MP é dar início aos planos de venda de ativos da CEF. O governo entende que existem áreas de atuação do banco que possuem grande atratividade no mercado e que poderiam ser mais bem exploradas pela iniciativa privada. Assim, por meio do capital privado, pretende-se criar valor e monetizar ativos, sendo o primeiro passo para esse projeto a reorganização societária, seguida da possível realização de IPOs das subsidiárias da CEF.

Nesse contexto, surgem dúvidas sobre quais ativos da CEF entrarão nesse processo de desinvestimentos, especialmente, se entrará nesse processo a Caixa Loterias S/A. Esta é a subsidiária integral da CEF que foi constituída para permitir a privatização da LOTEX (raspadinhas), mas que acabou permanecendo com a CEF e passou a ser responsável pela exploração de todos os jogos lotéricos. O Presidente do Banco afirmou no começo de 2019 que o objetivo da sua gestão era vender os serviços não estratégicos e destacou que a Caixa Loterias seria a mais preparada para esse processo.

Existem incertezas e questionamentos sobre como a captação de recursos privados para as Loterias poderia acontecer, mas, desde logo, podemos imaginar três principais hipóteses.

A primeira, seria o governo realizar o IPO da Caixa Loterias S/A, com a alienação de parte da subsidiária na Bolsa de Valores. Neste cenário, a titularidade e a execução do serviço permaneceriam com a sociedade, operando-se progressivamente a proporção da participação pública e privada em seu capital social. Ou seja, a princípio, não haveria alteração na execução dos serviços pelo Estado, mas ele poderia diminuir a sua participação, até o ponto de se tornar um acionista minoritário e a sociedade passaria a ter maior participação privada.

Essa parece ser a hipótese mais provável, pois além de ser mencionada na justificativa da Medida Provisória, ela possibilita a captação de recursos privados sem ter que necessariamente privatizar a sociedade ou a operação. Neste sentido, visualiza-se como possível que se pulverize o capital social ampliando as ações sem poder de voto da empresa, o que manteria o poder de controle da União garantindo que não se viole seu monopólio na exploração dos serviços de Loteria.

A segunda possibilidade seria o governo realizar a privatização integral da Caixa Loterias S/A, alienando o controle da empresa ou mesmo diretamente os seus bens e serviços a um agente privado. Diferentemente do modelo anterior, esse movimento dependeria de lei alterando as regras dos serviços lotéricos, que dispõem que eles são exclusivos da União e autorizam apenas a Caixa Econômica Federal a realizar o concurso de prognósticos (Decreto-Lei 204/1967 e Lei 6.717/1979).

Com efeito, ainda que seja possível a venda de ativos da CEF, a MP 955/2020 não trouxe autorização para a transferência de competências legais atribuídas à instituição financeira. Daí porque a privatização integral dependeria ainda de mudanças legislativas

A terceira hipótese que podemos imaginar seria a concessão dos serviços lotéricos pela Caixa Loterias, sem alteração no poder de controle da subsidiária. Esse foi o caminho escolhido para a LOTEX e seria, sem dúvida, o mais fácil a ser adotado para privatizar a prestação dos serviços lotéricos no país. A concessão poderia ser estruturada de diversas formas, contemplando diversos operadores em regime de concorrência ou apenas um operador com monopólio dos serviços. As possibilidades são inúmeras, o que permite o desenho de um modelo jurídico sofisticado que atenda aos anseios do governo e da população, ao mesmo tempo em que possui atratividade do mercado. Essa alternativa, entretanto, também depende de alteração legislativa, pois o Decreto-Lei 204/1967 veda, a princípio, a concessão de serviços lotéricos. Por isso, a concessão da LOTEX foi precedida de alteração legislativa permitindo expressamente a sua concessão (art. 28, §1º, da Lei 13.155/2015).

De todo modo, independente do modelo escolhido, é importante evitar confusões e desde logo corrigir eventuais falsos problemas que podem ser apontados.

O primeiro é que nenhuma dessas medidas deve afetar a gestão de programas sociais pela CEF ou a destinação social dos recursos obtidos com as premiações dos jogos lotéricos.

A execução de programas sociais pela Caixa Econômica não tem nenhuma relação direta com as loterias. Isto é, os programas como “Minha Casa, Minha vida”, “Bolsa Família” e demais programas sociais são operacionalizados pela CEF por regulamentos próprios. Logo, a privatização ou a concessão das loterias não tem relação direta com a permanência ou não desses programas. Pelo contrário, a intenção declarada do governo e do Presidente da Caixa é vender esses ativos da CEF para concentrar a atuação do banco nos setores considerados estratégicos, aí incluídos os programas sociais.

Outro falso problema em matéria de privatização das loterias seria a alteração da destinação dos recursos. Isso, poisa destinação do produto da arrecadação das loterias federais está prevista na Lei 13.756/2018, de modo que a modificação dessa arrecadação somente pode ser realizada mediante alteração legislativa e não por decisão da CEF. A esfera de liberdade do Ministério da Economia está restrita aos valores destinados à cobertura de despesas de custeio e manutenção do agente operador da loteria federal, que varia entre 17,39% a 19,13%, dependendo da modalidade lotérica.

Em resumo, em eventual privatização da Caixa Loterias S/A ou concessão de jogos lotéricos, a destinação social dos valores arrecadados com os jogos lotéricos não pode ser alterada. As modificações serão realizadas apenas nos custos de manutenção e do operador.

Daí, aliás, a vantagem de se implementar um processo de retirada dessa atividade da CEF. A operação dos jogos lotéricos por um operador privado, na medida em que busca aumentar a eficiência, gerando melhores resultados, tende a surtir, como efeito, dois principais resultados para os programas sociais, sendo eles: (1º) diminuição do custo e aumento da arrecadação para destinação social; e (2º) aumento de vendas dos jogos lotéricos e, consequentemente, da receita gerada pela atividade.

Portanto, a privatização das loterias, seja pela venda da Caixa Loterias S/A, seja pela concessão dos serviços lotéricos, busca aumentar a eficiência do setor e incrementar a arrecadação; em vez de ter impactos negativos na distribuição de recursos sociais, tende a gerar melhores resultados financeiros e a beneficiar esses programas.

Assim, por tudo o que foi dito, entende-se como benéfica a privatização, que merece ser levada adiante.

 

Ricardo de Paula Feijó
Advogado e sócio de Vernalha, Guimarães e Pereira, especialista em direito público e mestrando em direito do Estado (UFPR).