MIÉ 17 DE ABRIL DE 2024 - 22:18hs.
Com recursos da Timemania

Emenda em MP do Futebol quer repassar dívida de clubes para a Caixa

No seu blog d'O Globo, o jornalista Lauro Jardim afirma que a Medida Provisória do Futebol (984/2020) foi prorrogada até outubro e já conta com 91 propostas de emendas. Uma delas, do deputado Jerônimo Goergen, quer transferir as dívidas fiscais dos clubes para a CEF. É como se eles passassem a ser devedores da Caixa. O pagamento seria feito com recursos que os clubes recebem da Timemania e não pagariam nada além do que arrecadam com a loteria.

No papel, é interessante. Só que os clubes recebem, somados, um total R$ 60 milhões anuais da Timemania, enquanto a dívida deles no Profut é estimada em R$ 5,3 bilhões”, explica Jardim.

Na sua justificativa, o deputado Goergen afirma que a União pode receber dívida dos clubes à vista nesse momento em que o caixa único do Tesouro precisa mais do que nunca de recursos para superar os desafios da pandemia da covid-19. Os grandes clubes de futebol no Brasil chegaram para crise tão endividados quanto o estado brasileiro. Levantamento recente feito pelo jornal Valor Econômico evidencia que o maior credor dos clubes é o governo e que a dívida total dos clubes é de R$ 5,3 bilhões.

Neste cenário desolador, por incrível que pareça, surge uma chance de receber à vista toda dívida fiscal dos clubes de futebol, que estão no grupo de maior risco de pessoas jurídicas do país, com estruturas de gestão e governança obsoletas, mas podem ser objeto de uma ação governamental com ganhos exponenciais para toda a sociedade.

A Lei nº 13.988/2020 finalmente regulamentou a transação tributária, prevista no Código Tributário há mais de 50 anos. Dentre outros, a lei permite aos clubes equacionarem tais dívidas com desconto de até 70% e pagar o saldo remanescente parcelado no prazo máximo 145 meses. O governo, porém, pode receber o valor integral à vista.

A título de ilustração, sabendo que a Fazenda precisa analisar caso a caso, se os clubes fizerem uma transação tributária com o desconto máximo previsto na referida lei, o valor global das dívidas ficaria em R$ 1,6 bilhão. Considerando que receberam R$ 427 milhões das loterias nos últimos cinco anos, a securitização desses recebíveis pelos próximos 20 permitiria o pagamento à vista do débito fiscal.

E ainda seria possível imaginar uma injeção imediata de algum recurso no fluxo de caixa dos clubes para alimentar os circuitos que mantém a economia do futebol em funcionamento, garantindo a manutenção do emprego e da renda nesse setor importante do arranjo produtivo nacional. A Caixa, que fechou 2019 com R$ 700 bilhões de saldo na carteira de crédito, boa parte em longo prazo, certamente teria muito interesse nessa operação financeira garantida com recursos das loterias.

Ainda mais se entre as contrapartidas estiver a obrigação de os clubes promoverem a loteria, o que certamente aumentaria a arrecadação e até hoje os clubes nunca fizeram. Como ela mesma opera o veículo de pagamento, o risco pode ser avaliado como próximo a zero. Se a Caixa não aproveitar com garantia tão segura, outros bancos podem se interessar.

Os ganhos nessa operação são elevados: o Tesouro Nacional recebe à vista toda dívida dos clubes; a Caixa Econômica Federal, que pertence à União, ganha os juros de uma antecipação de recebíveis praticamente sem risco e o governo ainda abre a possibilidade de reestruturação dos clubes para que consigam atravessar essa crise de liquidez, atraindo novos investimentos e gerando ainda mais emprego e renda no país.

Em 2006, na Timemania (Lei nº 11.345/2006), por exemplo, clubes confessaram dívidas que ainda não tinham sido confirmadas, com a promessa de que a loteria arrecadaria R$ 520 milhões por ano, o que seria suficiente para pagar a parcela que todos os clubes assumiram no financiamento. No primeiro ano, a arrecadação lotérica da Timemania não passou de R$ 100 milhões e até hoje não chegou à estimativa de R$ 520 milhões apresentada pela Caixa Econômica Federal na justificativa do programa. Assim, os clubes acabaram, na prática, pagando o pato pela diferença entre a expectativa e a realidade da arrecadação da loteria, mesmo não sendo responsáveis pela operação do produto.

Essa é uma oportunidade para que a Timemania finalmente cumpra o papel para o qual foi criada, resolvendo de uma vez por todas o passivo fiscal dos clubes brasileiros, permitindo que se reestruturem em condições de mercado para gerar ainda mais emprego e renda no país, conforme indica o estudo da FGV realizado a pedido do próprio Governo Federal que apontou que a cadeia produtiva do futebol gera 371 mil empregos diretos, indiretos e induzidos no Brasil, mas tem potencial para gerar 2,1 milhões se os clubes fossem melhor estruturados.

Afinal de contas, não se pode continuar na saga de Sísifo, condenado por Zeus à repetição eterna de empurrar uma pedra pesada até o cume da montanha, apenas para vê-la rolar montanha abaixo e ter que repetir o esforço novamente. Há enorme oportunidade para o futebol e a transação tributária combinada com a Timemania pode ser a solução definitiva para a questão fiscal do futebol brasileiro.

Fonte: GMB