MIÉ 24 DE ABRIL DE 2024 - 02:41hs.
Alexandre Amaral Filho, advogado associado na Brasil Fernandes

“Há espaço para que a União, o DF e os Estados trabalhem de forma coordenada em relação às loterias”

Em um bate-papo com o Games Magazine Brasil, Alexandre Amaral Filho, advogado associado na Brasil Fernandes, contou em detalhes o que pensa em relação aos espaços de jogos presenciais no pós-pandemia, a vontade do governo federal em limitar as apostas das loterias estaduais e como vê o futuro dessa indústria no país. “Temos conseguido passar a mensagem correta para o mundo: a de que há excelentes chances do Brasil romper com o antigo paradigma proibicionista com relação aos jogos”, comenta Alexandre.

GMB - Por causa da pandemia, acredita que a penetração do jogo online aumentará enquanto o físico manterá suas limitações de entrada de público?
Alexandre Amaral Filho -
É o que tende a acontecer, sim. Mas vale ressaltar que nos parecem complementares os ambientes físico e virtual, por conduzirem a diferentes experiências de consumo do serviço. Nada mais natural. É verdade que, com a pandemia de COVID-19 e as medidas de distanciamento interpessoal, percebeu-se que diversas atividades não demandam necessariamente a presença física – as reuniões de trabalho, são exemplo disso.

Porém se por um lado o entretenimento de apostas ganha penetração maior virtualmente dada a sua praticidade, por outro, o componente social dos ambientes físicos terão também um grande apelo, em especial à medida que as restrições sanitárias forem atenuando ao longo dos próximos meses. Há uma demanda reprimida por experiências sociais, a qual certamente fará com que os ambientes físicos tenham grande relevância neste período de pós-pandemia.

Depois da decisão do STF no final do ano passado, os Estados começaram a lançar loterias próprias. Mas, agora, o governo federal quer limitar apostas. Nesse caso, acredita que as loterias estaduais conseguirão se manter e lucrar em prol da sociedade? Como proceder juridicamente para que todos saiam ganhando?
Quando a União, sob o pretexto de querer impedir uma “concorrência desleal”, sinaliza avançar, por Decreto, sobre estes aspectos administrativos do funcionamento lotérico estadual, sem dúvida estamos diante de um problema para os Estados. Pois bastaria a União limitar o payout, ou mesmo limitar os percentuais a serem resguardados para demandas sociais para que a viabilidade da instituição de Loterias fosse comprometida.

Se concretizada esta ingerência da União, parece-nos que haveria o desrespeito ao precedente fixado ano passado pela nossa Suprema Corte na ADPF 492 e ADPF 493. Por meio da invalidação de algumas normas que datam da época do regime militar, o STF reconheceu de maneira unânime que os Estados têm a prerrogativa de explorar, a nível estadual, as modalidades lotéricas previstas em lei federal. E, dentre as referidas normas invalidadas pela Corte está uma regra que limitava a emissão do número de bilhetes – portanto, uma questão eminentemente administrativa do funcionamento lotérico. Há excelentes razões de cunho jurídico que embasariam pedidos judiciais a favor dos Estados, caso atos normativos federais tendessem a desrespeitar a decisão do Supremo Tribunal Federal.

Portanto, ao contrário do que sustenta a União, não só não há risco de “concorrência desleal”, como há espaço e oportunidade para que a União, o Distrito Federal e os Estados trabalhem de forma coordenada para, através da atividade lotérica, desenvolver um federalismo ainda mais democrático, cooperativo e compromissado com a efetivação e financiamento de direitos fundamentais em todas as esferas – inclusive a nível estadual.

Segundo o atual secretário da SECAP, Waldir Eustáquio Marques Jr., a regulamentação das apostas esportivas deve sair em julho deste ano. Acredita que essa legislação é uma porta de entrada para a legalização de outros tipos de jogos de azar, como o bingo, cassino, jogo do bicho, etc?
Estes jogos referidos ainda necessitam passar pelo processo legislativo, estando consequentemente mais suscetíveis às pressões dos setores conservadores, historicamente críticos aos jogos.

Justamente por isso que a experiência da regularização das apostas esportivas será tão importante. Pois será uma vitrine para expor as grandes vantagens de se optar pelo caminho da legalização ao invés da criminalização. Será a mensagem para dar ao mundo de que no Brasil não mais mantém a aversão em relação aos jogos, que, como se sabe, está na contramão de praticamente todos os países desenvolvidos. E também uma mensagem para os setores mais resistentes da nossa política, para que, em nome de um apelo pragmático com base nos possíveis ganhos de receita tributária e fomento do turismo, entendam que vale a pena legalizar todos os jogos no Brasil.

Para que a regulamentação das apostas esportivas seja justa para todos os envolvidos (Estado, empresários e jogadores), o que acredita que a SECAP deve mudar, retirar ou acrescentar do projeto que apresentaram ao público no ano passado?
Uma regularização bem sucedida é aquela que ao mesmo tempo que reverte benefícios ao interesse público - especialmente pelo fato de se tratar a aposta de quota-fixa uma modalidade lotérica - substitui o mercado clandestino pelo mercado legalizado.

A minuta de 2020 apresentada pela SECAP prevê o uso de concessões em vez de autorizações. Isto deixa o vínculo com a Administração Pública menos precário, o que é positivo para quem quiser operar no país. Por outro lado, é preocupante o número de apenas 30 concessões, que nos parece muito baixo. Isto porque, em mercados mais consolidados, a quantidade de operadores é superior. Ainda mais considerando o potencial do Brasil. E, se o mercado legalizado não for suficientemente atraente e equilibrado do ponto de vista concorrencial, os apostadores continuarão a buscar o serviço de empresas que operam de fora do Brasil, firmas que não pagam impostos aqui, não geram empregos, etc, enfim que não contribuem para o desenvolvimento econômico e social do país.

Recentemente, a Associação Nacional dos Prefeitos e Vice-Prefeitos da República Federativa do Brasil (ANPV) protocolou uma petição ao STF para realizar uma sustentação oral na qualidade de amicus curiae no Recurso Extraordinário 966177, que aborda a tipicidade das condutas de estabelecer e explorar jogos de azar. Apoios como esse ajudam a pressionar o STF para ter um resultado positivo para a liberação dos jogos de azar?
Supondo que a respeitável ANPV venha a fornecer ao STF elementos favoráveis aos jogos na esfera municipal, certamente será uma grande contribuição para o setor, sim. Apesar de a figura do amicus curiae não ter tantas prerrogativas quanto as partes que compõem o processo, sua contribuição pode influir na qualidade dos acórdãos do tribunal, por meio do oferecimento de estudos, dados e argumentos a partir da perspectiva do setor econômico, categoria, ou grupo social representado pela instituição que obtém do juiz a autorização para atuar na demanda.

No caso em específico, ao nosso ver, o reconhecimento da atipicidade dos jogos de azar (o que também podemos chamar de “descriminalização”) possui potencial de gerar receita tributária no âmbito municipal, como possível fonte de recolhimento de ISS para o município, por exemplo, e fomentar o turismo. Sabe-se que em todos os lugares a exploração de jogos, com a devida fiscalização e controle, serve de fator para desenvolvimento social. Exemplos não faltam de cidades aqui em nosso quadrante da América do Sul: Punta del Este, Buenos Aires, Viña Del Mar, entre outras.

Você acha que neste ano, no Brasil, haverá uma decolagem definitiva em direção a um mercado regulado de jogos de azar? As empresas da área que têm chegado e investido no esporte brasileiro estão procurando apoio jurídico para embarcar nessa luta?
Os avanços dos últimos anos têm sido particularmente expressivos para demonstrar as vantagens da legalização e regularização dos jogos no Brasil. O enfrentamento da questão tem sido bem conduzido por autoridades como o próprio Sr. Waldir Eustáquio no Ministério da Economia, o que de fato tem contribuído para avançar mais o tema ultimamente – a exemplo das apostas de quota-fixa, já legalizadas, apesar de ainda pendentes de regularização. 

Somente com a demonstração de que o Brasil tem instituições fortes, capazes de assegurar segurança jurídica, que as empresas estrangeiras nos procurarão para investir no país. E é o que tem ocorrido, em especial de 2018 para cá, com a legalização da Aposta Esportiva de Quota-fixa. Isto significa que nós, enquanto sociedade civil e República Federativa, temos conseguido passar a mensagem correta para o mundo: a de que há excelentes chances de o Brasil romper com o antigo paradigma proibicionista com relação aos jogos, e de que estamos dispostos a extrair desta atividade todos os benefícios econômicos e sociais que o nosso país merece.

Fonte: Exclusivo GMB