Nos últimos anos, o setor de loterias e apostas no Brasil passou a conviver com um fenômeno que transcende a regulação e a operação: a mudança geracional no consumo.
O desafio agora não é apenas desenvolver produtos dentro das modalidades previstas pela Lei 14.790/2023, mas compreender quem consome, como consome e por que consome - em um país onde gerações com visões completamente diferentes convivem no mesmo mercado.
As gerações e suas formas de consumir
Segundo Philip Kotler , em Marketing 5.0, o comportamento de consumo é moldado por valores e experiências vividas por cada geração. No Brasil, o público apto a consumir produtos lotéricos hoje se distribui da seguinte forma:
- Baby Boomers (1946–1964) — Valorizam estabilidade, tradição e marcas confiáveis. Têm hábitos presenciais e preferem experiências tangíveis.
- Geração X (1965–1980) — Adotou a tecnologia de forma pragmática. É a ponte entre o analógico e o digital, e ainda é fortemente impactada por produtos físicos e comunicação direta.
- Geração Y ou Millennials (1981–1996) — Buscam propósito, experiências e inclusão. Acreditam em marcas com valores e causas, e preferem interações digitais personalizadas.
- Geração Z (1997–2009) — Nativos digitais. Esperam instantaneidade, conexão e relevância social. O produto é extensão da identidade.
- Geração Alfa (a partir de 2010) — Cresceram com IA e realidade aumentada. Em 2028, começam a consumir produtos lotéricos e de entretenimento, e exigirão interatividade, transparência e impacto positivo no mundo.
Essa transição geracional redefine completamente o papel das loterias. O mesmo produto que desperta nostalgia em um Baby Boomer pode ser irrelevante para um jovem da Geração Z.
Mercado polarizado e o novo papel das empresas
Kotler alerta que vivemos a era da polarização econômica e da fragmentação social, em que a desigualdade redefine expectativas de consumo. Nesse contexto, as marcas são pressionadas a assumir responsabilidades sociais e ambientais — não mais como diferencial, mas como obrigação moral e estratégica.
O autor chama esse fenômeno de “ativismo corporativo”, impulsionado por três fatores: 1- O imperativo do crescimento sustentável, 2- O novo “fator de higiene” (as empresas são cobradas a agir eticamente antes mesmo de competir), e 3- O impulso interno de propósito.
E aqui surge o grande paradoxo do mercado lotérico: enquanto outras indústrias incorporam causas como sustentabilidade, inclusão e propósito em seus produtos, as loterias oficiais ainda comunicam quase exclusivamente prêmios e probabilidades -negligenciando o papel social transformador que carregam em sua essência.
O abismo entre o produto e as novas gerações
Grande parte das operações lotéricas brasileiras ainda é centrada no produto, e não no consumidor. Campanhas focam nos valores de prêmios, nas odds de acerto ou na tradição do jogo, mas raramente se conectam com o que move as novas gerações: experiência, causa, pertencimento e propósito.
Alguns operadores sequer definem um mercado-alvo. Anunciam seus produtos para “todo o Estado” ou “todo o país”, sem segmentação, sem posicionamento e, muitas vezes, sem narrativa de marca.
No contexto atual, esse modelo é insustentável. A ausência de direcionamento faz com que a comunicação das loterias se torne genérica — e, por isso, inaudível para um público jovem, hiperconectado e crítico.
Oportunidades e caminhos para o futuro
As oportunidades estão em duas frentes: Humanizar o produto e Digitalizar a experiência — mesmo quando o produto é físico.
Um bilhete de loteria pode continuar sendo de papel, mas sua história, propósito e valor simbólico precisam se traduzir em meios digitais, em narrativas que engajem e gerem pertencimento.
Outro ponto essencial é o papel das loterias oficiais: elas têm o poder de promover inclusão e sustentabilidade, canalizando recursos para projetos sociais, educacionais e ambientais. Mas esse papel precisa ser comunicado com clareza e constância — o público precisa saber onde o dinheiro vai, quem ele ajuda e qual impacto gera.
Essa missão só se concretiza por meio de uma integração real entre executivos de produto, marketing e reguladores, para garantir coerência entre operação, propósito e comunicação.
O risco da nostalgia
O mercado de consumo atual é dominado por gerações Y e Z, e em poucos anos será complementado pela Geração Alfa.
Se os produtos lotéricos não acompanharem as transformações culturais e tecnológicas do marketing contemporâneo, se tornarão apenas lembranças nostálgicas de uma era em que jogar era sinônimo de sorte — e não de experiência.
Enquanto isso, o entretenimento imersivo (como redes sociais e videogames) continuarão a capturar a atenção e a fidelidade das novas gerações.
Reflexão final
Executivos de produto e marketing no setor de Gametech precisam compreender que o jogo, no futuro, não será apenas sobre probabilidade, mas sobre propósito e pertencimento. A diferença entre o produto que envelhece e o que evolui está em quem ele escolhe representar.
O futuro das loterias não depende apenas de inovação tecnológica, mas da capacidade humana de entender o que move as pessoas — e as gerações — a acreditar na sorte.
MVG – Management, Value and Growth
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