VIE 5 DE DICIEMBRE DE 2025 - 08:31hs.
Controvérsia por aposta de R$ 1,8 bilhão

STJ define que Brasil julgará prêmio da Lottoland

A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou, por decisão unânime, que a Justiça brasileira tem jurisdição para julgar a disputa envolvendo a enfermeira cearense Maria do Socorro Sombra, que afirma ter vencido uma aposta no valor de R$ 1,8 bilhão na plataforma de apostas estrangeira Lottoland. A empresa queria foro em Gibraltar, mas o STJ reforça o direito do consumidor e corrobora os entendimentos já proferidos por instâncias inferiores.

STJ rejeita recurso da Lottoland e mantém foro no Brasil

O relator do processo, ministro Antonio Carlos Ferreira, rejeitou o recurso apresentado pela Lottoland, que buscava transferir o caso para julgamento em Gibraltar, sede da empresa. Em seu parecer, o ministro apontou diversos fatores que inviabilizariam a condução do processo naquele país.

De acordo com o relator, obrigar a autora a litigar fora do Brasil representaria um ônus desproporcional, levando em conta barreiras linguísticas, diferenças nos procedimentos legais, altos custos e a distância geográfica. Para o ministro, essa exigência comprometeria o direito de acesso à Justiça da consumidora, contrariando os princípios de proteção ao consumidor.

Entenda o caso da enfermeira cearense

Maria do Socorro Sombra, residente em Quixeré (CE), acionou judicialmente a Lottoland após ter sido bloqueada pela plataforma. Segundo a enfermeira, a aposta vitoriosa foi realizada em outubro de 2020, durante um sorteio da loteria Powerball, dos Estados Unidos. Ela também solicitou judicialmente a emissão do comprovante da aposta realizada.

A ação teve início na 2ª Vara Cível da Comarca de Limoeiro do Norte (CE) e, posteriormente, o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) confirmou a competência da Justiça brasileira para o julgamento. O valor de R$ 1,8 bilhão foi calculado com base na premiação que Maria afirma ter direito.

Embora a Lottoland tenha contestado o montante, o TJCE manteve a fixação do valor, levando o caso ao STJ. Paralelamente, a empresa também apresentou recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Lottoland insiste em foro estrangeiro, mas Justiça vê abuso

A Lottoland argumenta que o foro contratual previsto nas regras da plataforma — Gibraltar — deveria prevalecer, uma vez que, segundo a empresa, o pagamento do prêmio se daria naquela localidade. Contudo, o STJ e as instâncias anteriores concluíram que, por atender consumidores brasileiros e permitir apostas realizadas no Brasil, a plataforma deve se submeter à jurisdição nacional.

Os tribunais também destacaram que a cláusula que impõe foro exclusivo em Gibraltar é considerada abusiva, por limitar o acesso do consumidor à Justiça. Nesse sentido, a determinação de julgamento no Brasil visa garantir a proteção do consumidor diante de contratos de adesão, nos quais o usuário não possui poder de negociação.

O ministro Antonio Carlos Ferreira reforçou essa visão ao afirmar: “Afastar a cláusula de eleição de foro estrangeiro não significa negar validade à autonomia privada nos contratos internacionais, mas sim reconhecer que, em contratos de adesão que configuram relações de consumo, a tutela da parte vulnerável e a garantia do acesso à Justiça devem prevalecer”.

Disputa sobre valor do prêmio e alegações da empresa

No processo, a Lottoland apresentou versões distintas para o valor que Maria do Socorro teria a receber, caso fosse reconhecida como vencedora. A empresa indicou que, com cinco acertos mais o Powerball, o prêmio seria de R$ 244,3 milhões. Já com cinco acertos sem o número Powerball, a premiação cairia para R$ 11,3 milhões.

Apesar disso, a autora manteve sua reivindicação original de R$ 1,8 bilhão, sustentando que registrou os números da aposta em sua agenda pessoal, e que sua aposta foi vencedora. A disputa segue aguardando julgamento definitivo, mas com a confirmação de que o processo será conduzido em solo brasileiro.

Reconhecimento da legalidade da Lottoland no Brasil

O Ministério da Fazenda reconhece que a Lottoland opera legalmente no Brasil. Ainda assim, o reconhecimento da atividade legal da empresa no país não impede que ela se submeta às leis de proteção ao consumidor, especialmente quando as apostas são realizadas por cidadãos brasileiros por meio de plataformas disponíveis em português e com marketing voltado ao público local.

Resumo da controvérsia:

Autora: Maria do Socorro Sombra

Local: Quixeré (CE), Brasil

Plataforma: Lottoland

Valor Reivindicado: R$ 1,8 bilhão

Data da Aposta: Outubro de 2020

Resultado STJ: Justiça brasileira tem competência

Local previsto em contrato: Gibraltar

Jurisdição final definida: Brasil

Implicações para o setor de apostas no Brasil

Este caso sinaliza um importante precedente para o setor de apostas no Brasil. A decisão do STJ reforça que empresas estrangeiras que operam no mercado nacional estão sujeitas às regras do país, especialmente no tocante à proteção do consumidor.

Além disso, o episódio evidencia a importância de revisar cláusulas contratuais que possam restringir o direito de consumidores brasileiros, sobretudo em serviços digitais que cruzam fronteiras.

O caso de Maria do Socorro Sombra poderá servir de base para outras disputas semelhantes, considerando o crescimento acelerado do setor de apostas online no Brasil, que movimenta bilhões de reais anualmente.

Fonte: GMB